23.11.06

Mudar? posso.

Há um mês dei uma guinada geral em minha vida. A princípio, pensei que fosse uma mudança apenas na minha vida profissional. Ledo engano. Mudei por dentro e, então, mudou tudo.
Tomei a decisão de deixar de ser psicóloga para me dedicar à vida de escritora. Percebi que tinha um longo caminho a percorrer como escritora e queria ter tempo para ler, escrever, navegar na internet, viver a vida em outro ritmo.
Com muita dor, fui avisando meus clientes, fui vivendo o luto com eles e encerrei as atividades de consultório. A psicologia me deu muito. Compartilhando dores e sonhos de outras pessoas, aprendi que bem/mal são duas faces da mesma moeda. Entendi que tudo tem um porquê e que o ser humano é maravilhoso em sua diversidade. Não existe uma única forma, um único modelo para a gente ser feliz.
Por que tomei esta decisão neste momento de minha vida? Num mergulho lá no fundo de minha alma descobri que durante minha vida fiquei sempre nos bastidores, sendo a boazinha, pensando nos outros antes de pensar em mim, priorizando a responsabilidade. Para desempenhar o papel de cuidadora, na sociedade pós-moderna, nada melhor do que ser psicóloga. Minha poltrona era meu grande útero e minha sala me escondia da vida.
Agora, depois de muita terapia, posso assumir meus desejos e, principalmente, meu discurso. Por isso, percebo hoje, permiti-me fazer a Oficina de Textos. Mas psicóloga não pode sair por aí contando seus segredos, pois funciona apenas como um espelho de seus clientes. Como eles se sentiriam ao lerem minhas dores, meus sonhos? Então, compreendi que precisava ter total liberdade para escrever sobre mim, para assumir a minha autoria. Veio a ruptura. Vida nova.
Tenho tido tempo para tudo que imaginei. Leio, escrevo, pesquiso, vou a livrarias. Caminho, tomo banho de mar, medito, ouço música, acendo incenso, bebo chá. Converso com amigas. Fico mais com minha família. Amo e amo e amo.
Quando deixei de ser analista de sistemas para ser psicóloga, pensei que nada poderia ser mais difícil que a psicologia. Encontrei algo mais difícil ainda: ser escritora. Estou apenas engatinhando e não tenho certeza se um dia serei boa escritora, como fui boa analista e boa psicóloga. Mas gosto da possibilidade de numa mesma vida poder viver várias vidas. E sem precisar morrer e reencarnar. Mágico, não?

Escritura


Lembro-me de que estava lendo meus mails e vi que tinha um de Guinho. Sempre gosto das coisas que ele envia e fiquei contente. Quando comecei a lê-lo não registrei todas as informações, mas guardei no meu coração que o Guinho-Zen iria dar uma oficina para incentivar a criatividade e a produção de textos. Pensei: a este eu confiaria a minha aprendizagem. Aprendemos por amor e respeito a alguém e eu coloco o Guinho-Zen no lugar de mestre. Enviei para todos da minha lista, mas não sabia se iria fazer: choque de horário? dinheiro? saco para mais um curso? Mas aquilo ficou lá no meu coração. Novos mails me lembrando, imprimi o texto para ver se dava conta do corpo da informação. Até que uma maiga mandou um mail me pedindo para reenviar o de Guinho, pois ela iria fazer o curso. Era o que eu precisava. Comprei caderno da Fada Sininho, lápis, caneta e vim toda feliz para minha primeira aula que me possibilitaria o meu encontro com a minha Alma, com a minha vocação. Adorei tudo. O espaço, a turma – eu tinha colegas de 80 e 70 anos! uau! que mulheres lindas! Saí em êxtase. Minha boca não fechava. Em casa, tomei vinho, fiz camarão e parecia uma menina pequena contando as histórias fantásticas de Djanira à mesa para toda minha família.
Fico esperando a chegada da quinta-feira. Ninguém me force a faltar aula pois viro uma fera!
Acho que o meu sonho de escrever como uma coisa sagrada está sendo construído a cada dia.
Espero que ao final da Oficina eu esteja escrevendo com a Alma, ou como nos ensinou o Guinho-Zen, sendo tomada pela escritura.

22.11.06

Marcando o passo


Meu nome é Carolina. Tenho 50 anos.
Gosto muito de aproveitar a vida e de vivê-la intensamente, pois tenho um problema de nascença no coração e desde pequenininha uso marcapasso – ele pode falhar a qualquer momento...
Devido aos problemas de saúde tive que ficar longos períodos hospitalizada. Hoje, procuro muito ficar em contato com a natureza. Nado, corro, dirijo barcos, faço trilhas, mergulho. Curto esportes radicais, com muita adrenalina. É onde disfarço o medo da morte e me conecto com a vida.
Experienciar sempre coisas diferentes, conhecer lugares e pessoas novas. Viajo sempre de moto, que é a minha paixão.
A alegria é meu carro-chefe e danço e canto muito bem.
Encontrei na arte uma forma de trabalhar e expressar minhas emoções: pinto, esculpo, talho. Também adoro bordar, costurar, fazer tricô e crochê.
Faço sempre o que tenho vontade. Sou uma mulher livre. Aproveito todas as minhas respirações, todo o meu pulsar. Não sei se verei o amanhecer do dia de amanhã. Tenho sede de viver.

20.11.06

Ilza, uma mulher verdadeira

Ilza é uma mulher de sessenta anos de idade (acha ela, pois não tem a data correta no seu registro de nascimento), negra, analfabeta, nascida sob o poder de Plutão (que agora foi rebaixado a planeta-anão) em Escorpião. Ilza é viúva, mãe de cinco filhos. O marido morreu afogado num piquenique. Um de seus filhos, Mala Véia, morreu bêbado em pleno carnaval. O filho que ficou, Negão, herdou a cachaça do pai e ainda quebra tudo quando bebe. Ilza é magra, baixa e tem todo tipo de doença – coração crescido pelos banhos de rio, pernas inchadas pelas varizes, dores nos rins, olho piticando, hanseníase (mas já ficou boa). Adora falar sobre elas, as doenças. Já comeu tijolo depois de virar uma garrafa de conhaque, mas hoje é evangélica e foi a religião que salvou sua vida. Cozinha muito bem e tem mãos de fadas para plantas. Quando criança, vivia na roça, cortando cana, mas queria mesmo era dançar. E sua alegria e sua paixão pela vida foram fortes o suficiente para levá-la a fugir de casa e ir trabalhar em casa de família, ainda criança. Seu maior talento é ser alcoviteira. Sabe ajeitar um cantinho de amor, criar um clima, aconselhar casais. Mulher batalhadora, grande cuidadora e curadora. Uma verdadeira xamoa! Mas não quer mais saber das coisas que sabia, pois, agora, é crente e essas coisas são coisas do diabo. Afinal, como ela mesma não se cansa de repetir, ‘só Jesus Cristo salva’.
A vida de Ilza é cheia de histórias interessantes. Quando era mais jovem, mas já com os cinco filhos, soube que seu companheiro, Caçula, tinha engravidado uma moça de menor e que seria obrigado a casa com ela de papel passado. Ele nada disse para Ilza e ela ficou só aguardando o que iria acontecer. Mas não ficou de braços cruzados.
No dia do casamento, organizou um ambiente de trabalhos espirituais, no momento em que ele foi para o cartório. Colocou velas espalhadas pelo chão de sua sala, jogou ervas, fumo e cachaça em cima da mesa. Pegou uma peixeira e também colocou em cima da mesa. Fez uma sacola com roupas para os meninos e ela. Separou uma bolsa com dinheiro. Deixou a porta da cozinha aberta e um táxi esperando. Os meninos ficaram arrumados e no quarto.
Então, começou as suas orações. Pediu, com fé, pelo seu casamento, pelo seu amor, pelos seus filhos. Fez seus pactos. E rezou e rezou e jurou que se ele se casasse, quando entrasse em casa ela o mataria com a peixeira, pegaria os meninos, as roupas e o dinheiro e sairia pela porta da cozinha, fugindo no táxi para umas terras lá na sua cidade do interior, onde ninguém iria achá-la.
Ilza ouviu o barulho de um carro chegando e seu coração quase parou. Foi até a calçada, com a peixeira nas costas, e viu quando Caçula chegou todo feliz e gritando “Ela desistiu na hora, meu amor. Ela desistiu na hora”. E a abraçou cheio de amor. Lágrimas de gratidão vieram-lhe aos olhos. Mandou-o embora para avisar a sua mãe – queria tempo para arrumar o que havia espalhado pela sala.
Entrou correndo, guardou a peixeira, mandou o táxi embora, limpou tudo e chorou.