31.12.10







A cada dia que vivo, assumo mais o meu lado bruxa. Hoje, último dia de 2010, comecei com orações, de todos os credos, exercícios xamânicos, meditação. Comprei flores e arruda, já fiz rituais e a mesa estará pronta com todos a simbologia que representa os valores que me são caros. Água, vinho, pão a partilhar. A cada novo ciclo renovo meu compromisso com a Vida. Não quero uma existência que passe como uma ventania, sem me permitir perceber o significado das coisas que me acontecem. Sob as bênçãos da Deusa, procuro expressar o Sagrado do Feminino aqui neste planeta lindo, iluminado pelas estrelas, pela lua e pelo sol.

No final da tarde coloquei tarô para me conectar com as energias que me envolverão no novo ano. Gostei do que descobri. Muito trabalho e o começo do meu renascimento.
Lembro que em 1999, no finalzinho de novembro, papai sofreu o avc e tivemos uma virada de ano muito difícil. Em 2001, mamãe se foi e nosso reveillon foi doloroso. Agora, em 2010, quem partiu foi papai e estou aqui, cheia de saudade, procurando forças para seguir em frente. Minha filha está longe, com o pai. Meus irmãos também não estão ao meu lado. Os filhos cheios de ideias para festas com os amigos. Reverencio os amores que tive e nesta noite mágica também peço pela felicidade de cada um deles. A casa está em silêncio. Pela primeira vez, nada de festa. Uma experiência diferente.
Apesar das perdas, este ano também me trouxe muitas realizações. Meus filhos realizaram muitos dos seus projetos, meu marido retomou a estrada de seu coração e eu tive a oportunidade de me entregar ao sonho de infância, sou escritora. Além disso, conseguimos vir morar na casa que apaixonou toda nossa família e estamos convivendo com bichos, plantas e estrelas numa forma nunca imaginada antes. Só fico triste quando penso na nossa casa de praia, que está alugada, pois estou morrendo de saudades dela. Em abril estaremos novamente lá.
Quando viramos o ano passado, não sabíamos o que nos aconteceria no ano que se iniciava. Gosto desta sensação de mistério. Ninguém faz ideia do que vem lá, como Lenine canta na música. E 2011, que surpresas nos trará?

30.12.10











Fotos: Roberto Arrais


Desde pequenos que meus filhos ganham de presente de natal um kit cultura: cd, dvd e livro. Neste, não foi diferente. Receberam livros, cds, dvs com shows e filmes. Já compartilhamos alguns, outros ficaram para quando as férias acabarem e todos voltarem para casa. Ainda bebês, com fraldas e mamadeiras, visitávamos museus, exposições, livrarias, praças e parques, sim, porque a natureza sempre fez parte do rol das coisas que considero essenciais para todo mundo aprender a amar. Hoje já colhemos os frutos. Têm um execelente gosto musical – o mais velho quer trabalhar com produção fonográfica e cinema -, adoram ler – o mais novo devora livros -, curtem arte – a mais velha é uma fotógrafa maravilhosa e começou a colocar sua alma nas palavras. Gostam de roteiros de viagem diferentes, sem essa de visitas a shoppings, bares e restaurantes, mas com programas que incluam as belezas naturais e o que o lugar tem de cultura. Minha filha já presenteia com livros, dvds e cds. Pudemos ouvir Maria Betânia, tomando um delicioso vinho. Peguei carona no livro que meu filho ganhou e me deliciei com Clarice, a Lispector, claro.
- Quando eu crescer quero ser como ela!
Às vezes penso que se copiasse o que escreveu e colocasse embaixo minha assinatura, todos iriam pensar que o texto era meu, pois diz exatamente o que penso e sinto neste momento de minha vida.
- Quando é que se é escritora? – pergunto eu, como ela se perguntava.
Adoro ficar na minha nova sala de trabalho, ouvindo o vento balançar as folhas dos cajueiros e mangueiras que envolvem a casa, sentindo o perfume inebriante e sensual dos frutos e das flores que vivem por aqui. Não gosto do gosto do cajú, mas estou completamente apaixonada pelo seu perfume. Quando a brisa vem e seu cheiro me envolve, minha alma sorri com alegria.
Tal qual Clarice, venho prestando mais atenção às coisas da vida. Observo pássaros, árvores, flores; presto muita atenção aos pavões que passeiam e cantam no jardim. Os sentidos do corpo estão muito aguçados em mim. Tudo que é som, cheiro, gosto, pele e visão me cativa. O relógio em meu braço não é mais o meu guia. A luz do sol e o brilho das estrelas orientam agora o meu cotidiano. Um objeto que me fascina é o espremedor de laranjas. Seu som, pela manhã, logo cedo, me deixa com água na boca por antecipar a delícia do suco que vou tomar. Suco de laranja é algo de deuses. Que linda sua cor! E a xícara com a fumacinha do café formando desenhos no ar e o aroma inconfundível deste mágico líquido preto se espalhando pela casa! Isso tudo, sim, é que é magia. Lá fora a vida continua agitada e eu, aqui no meu paraíso particular, cultivo uma rica vida interior. Não sei o que a televisão mostra, não leio mais jornais todos os dias. Minha conexão com o mundo se faz através da internet e das conversas com amigos e familiares. Acabei de saber que houve um assalto com metralhadoras e gente ferida num supermercado onde costumava fazer compras. Essas histórias não mais me pertencem. Por enquanto, apenas cercada pelo que me interessa. Discos, livros, filmes, sensações, rede. Da minha mesa vejo passando um grupo de guinés.
- Tô fraco, tô fraco, tô fraco.
Fazem sempre este percurso, mais ou menos no mesmo horário. São lindos. Lembro que durante um tempo, quando lia Pessoa, não entendia muito quando ele falava da existência das coisas por si mesmas, sem a necessidade da compreensão, de uma explicação. Ah, como sinto estas coisas como verdades hoje. A vida existe sem a minha permissão. Simples, assim.
Outra situação que compartilho com Clarice é que ela escrevia no seu lar, cuidando da casa, acompanhando o crescimento dos filhos, colocando rosas nos vasos da sala. Para mim, essa rotina é essencial, é o que me alimenta. Adoro a família em volta da mesa jogando conversa fora. Imperdível o leite batido no liquidificador com Sustagen, Nescau e Ninho. Delícia! Abrir as portas dos quartos, vê-los dormindo o sono dos anjos e agradecer aos céus por mais um dia de felicidade. Já o meu lugar no mundo é quando encosto a cabeça no peito do meu marido e ouço o som do seu coração.
Às vezes fico pensando em que como sou boba. Valorizo coisas que a maioria das pessoas nem percebe. Marcas, moda, hábitos da contemporaneidade me fazem pensar que pertenço à época das cavernas. É bem verdade que uso computador, chuveiro quente, arcondicionado, e adoro a comodidade proporcionada por eles. Fico em êxtase com obras de arte e nossa casa é cheia delas.
Quando olho para os cômodos do lugar que hoje moro, encanto-me com as transformações que ocorreram. Parece que aqui é um lugar encantado que sempre existiu para nos acolher. Está com a cara dos membros de nossa família e nenhum de nós tem muita coragem de sair daqui para enfrentar a agitação do mundo lá fora.
Bom, o que acho mesmo é que Deus é muito do amostrado.

28.12.10












Deus!


Casimiro de Abreu

Eu me lembro! Eu me lembro! – Era pequeno
e brincava na praia; o mar bramia
e erguendo o dorso altivo, sacudia
a branca espuma para o céu sereno.

E eu disse a minha mãe nesse momento:
“Que dura orquestra! Que furor insano!
Que pode haver maior do que o oceano
ou que seja mais forte do que o vento?!”

Minha mãe a sorrir olhou pros céus
e respondeu: - “Um ser que nós não vemos
é maior que o mar, que nós tememos,
mais forte que o tufão! Meu filho, é – Deus!”



O mar também tem amores,
o mar também tem mulher.
É casado com a areia
e dar-lhe beijos quando quer.
É casado com a areia
e dar-lhe beijos quando quer.


Este poema e esta canção de ninar ainda estão em meus ouvidos com o tom de sua voz. Se fechar os olhos, posso vê-lo cantando, uma mão no joelho e a outra segurando seu inseparévl cigarro, entre um gole e outro de uísque. Como gostava de contar causos e histórias! E que memória brilhante! Decorara todas as lições de sua cartilha, comprometendo o início de seu aprendizado com as letras. Muito, muito inteligente, entendendo de lógica e compreedendo as estrelas no céu, não permitiu que se perdesse no mundo das ideias. Gostava das coisas simples da vida e soube conciliar os opostos que nele habitavam: filho de Maria e frequentador das famosas Festas da Mocidade; boêmio e intelectual. Adorava contar sobre os banhos de mar com seus irmãos e seu pai nas madrugadas do Carmo em Olinda.
- Lá vem perigo amarelo! – diziam todos de sua família anunciando a chegada de seu irmão.
A igreja de São Pedro foi o berço de sua formação católica. Foi lá que fez sua primeira comunhão, junto com sua irmã, numa impecável roupa branca.
Criava galinhas, subia em árvores e telhados, deixando quase louca de preocupação sua Santa Mãe, como gostava de chamá-la na saudade de seus cuidados e proteção.
Deliciava-se com os filhoses de sua babá e não trocava por nada os seus famosos bifes de molho. Cuidou de todos eles - pai, mãe, irmão, irmã e babá - até o fim de suas vidas. O menino de calças curtas, trabalhador de 2a. e de 1a. aos quinze anos, que só tinha dinheiro para comprar uma única calça comprida, transformou-se no anjo da guarda de todos, dos que fizeram parte de sua família de origem e dos que formaram a família Theophilo Benedicto de Vasconcellos, sua mulher e seus três filhos.
Formou-se em Matemática e em Engenharia Civil. Foi professor universitário de sua amada UFPE. Lá foi pró-reitor por diversas vezes. Teve muitos amigos e sempre foi leal aos que compartilharam seu dia-a-dia. Adotou a família da esposa como sua e distribui muitos vestidos de noiva.
O Rotary foi uma extensão de sua família. Foi presidente, governador e simples sócio.
Nunca cargo algum lhe subiu à cabeça. Humilde, gostava de usufruir do que tinha com aqueles que amava e com os mais necessitados.
Aquele menino franzino que brincava seu ursinho e, depois, com seus cachorros, chegou longe. Jogava futebol, pingue-pongue, gamão, xadrez, dominó, baralho, paciência. Era o estudo das probabilidades.
Comia sal e açúcar e menosprezava os cuidados com a saúde.
Imitando o grande amigo, perguntava, quando vestia sua calça branca, seu sapato branco, seu cinto branco e sua camisa de seda vermelha, para ir para mais uma noitada ao lado da esposa amada e da turma de amigos do Rotary ou do Cesesp, na Adega da Mouraria:
- Mamãe, será que estou agradando?
A vida passou rápida e foi traiçoeira. Sua mulher teve Parkson, ele teve um derrame que deixou sequelas em sua área mais desenvolvida: a cognição. Ficou viúvo e viveu dez anos de solidão. Não tinha mais o brilho no olhar, não cantava mais as saudades da professorinha, nem me colocava em seu colo, alisando meus cabeos e me garantindo que tudo ficaria bem.
Sempre se gabou porque seu nome registrava sua aliança com o Cara lá de cima: amigo de Deus.
Eu fiquei sozinha e o vazio provocado por sua partida é tão grande e dói tanto que me faz perguntar, olhando para o mar que tanto amou:
- Deus, Você ainda está aí?
Como continuar a viver sem tê-lo ao meu lado?

Ainda não havia conseguido colocar em palavras algo que se referisse ao meu pai depois que partiu para uma outra vida. Sempre disse que no dia de sua morte eu surtaria. Infelizmente, o surto ainda não veio, mas a dor de sua ausência é imensa e estou tentando permanecer aqui na vida. Ser sua filha foi um privilégio e perdê-lo, a experiência mais dilacerante de minha vida.

Este é o primeiro dos muitos textos que virão. Aos poucos, quando as lágrimas me deixarem ver o teclado.

26.12.10




Fotos: Roberto Arrais


Mais uma vez, final de ano. Um ciclo se encerra, outro se prepara para começar. No meu caso, realmente, uma verdadeira transformação. Troquei de pele. Deixo de ser psi e começo a vida como escritora. Nada mais difícil me aconteceu até agora. Como libertar a artista que habita em mim, se durante anos a mantive trancada, deixando apenas a razão ser aquela que me conduzia? Preparei tudo: mudança de casa, um lar cheio de árvores, flores, frutos e bichos, cheiro de natureza, melodia de pássaros, silêncio para criar em um espaço só meu, cercada de livros e das coisas que me fazem bruxa. Mas, cadê os textos? Só me chegam lágrimas de uma saudade de uma vida que tive, da vida que tenho e de uma outra que não sei se terei. Alterno entre uma tristeza profunda e uma alegria quase infantil. Leio, leio, medito, coloco água no jardim, cuido de todos e dos detalhes que tornam nossa casa um lar com o nosso jeito. Há tanto tempo sem cuidar de mim que acho que perdi o jeito.
O que mais me faz feliz? Ver a vida pulsando em meus filhos. São livres, de uma forma que nunca consegui ser. Quando me perdi da alegria?
Pessoa me revela que minha dor não pertence apenas a mim:

"Mais triste do que o que acontece
É o que nunca aconteceu.
Meu coração, quem o entristece?
Quem o faz meu?
Na nuvem vem o que escurece
O grande campo sob o céu.
Memórias? Tudo é o que esquece.
A vida é quanto se perdeu.
E há gente que não enlouquece!
Ai do que em mim me chamo eu!

9.12.10






Fotos: Roberto Arrais



Já estou escrevendo sentada na minha sala de escritora. Cercada de livros e obejtos que têm algum significado para mim, ouço o canto dos animais que compartilham comigo este paraíso, vejo a dança das folhas dos cajueiros e sinto o perfume das flores e dos frutos que estão por aqui.
Ainda há muito que arrumar, mas já começo a me sentir em casa. Foi difícil sair do apartamento de Casa Forte, lugar que foi meu ninho, meu lar, por mais de vinte anos. A mangueira da minha varanda, testemunha das minhas alegrias e das minhas dores, presenciou o ninar de meus filhos, minhas lágrimas pelas separações, a imensa saudade de meus pais, jantares e conversas com amigos e familiares. Como me transformei lá!
Sei que começo um novo ciclo e não tenho a mínima ideia do que vem lá. Meu coração vibra feliz quando vivencia a forma como passo os meus dias agora. Acordo, levo Hércules para o jardim, medito, faço exercícios xamânicos, preparo o café da manhã, dou beijo de bom dia no meu marido, acompanho o despertar de meus filhos, cuido do jardim, leio e começo a escrever. Saio para resolver coisas na rua – foi assim que meu marido falou quando se referiu ao mundo lá fora -, mas, confesso, que já percebo a diferença das energias, com o além seguindo o tempo dos relógios e eu seguindo o da natureza. Almoço, arrumações, leituras na rede, internet, água no jardim, o sol vai dormir, as muriçocas chegam, nova adaptação com velas e fluidos de citronela, cigarras, sapos, gritos dos pavões e dos guinés, luzes de Natal, banho e pronta para esperar o marido que chega do trabalho. Jantar em família, as conversas continuam no terraço, espalhados por poltronas, sofás, almofadas e rede.
Para muitos, uma rotina entediante, sem desafios. Aquietar-me, escutar minha alma, seguir meu destino é o que preciso aprender agora.

3.12.10

Tenho um carinho especial pelo dia 03/12... Há 33 anos iniciei minha história de amor com meu Príncipe e pude confirmar, a cada dia, que os homens prestam. Nossa história não teve o final dos contos de fadas, mas posso dizer que a parte do ‘e foram felizes para sempre’, no que se refere a minha vida, é verdadeira.


Mais uma vez, uma reviravolta. Em menos de quinze dias, experienciei quatro mudanças: encerrei minhas atividades em consultório e entreguei a sala que trabalhava; desocupei nossa casa da praia, meu paraíso particular, para ser alugada por alguns meses; saí do apartamento em que morava há quase vinte e três anos; tenho um novo endereço numa casa rodeada de árvores e de pavões.

Não sei como sobrevivi fisicamente à exaustão de carregar caixas, dirigir, limpar, arrumar. O desgaste dos meus neurônios lógicos também foi imenso, pois tive que coordenar todos os detalhes das quatro operações de mudança. Meu coração teve altos e baixos, oscilando entre uma alegria imensa, quase infantil, e uma tristeza que caracterizava meu processo de morte.

Agora, sem meu pai e minha mãe, com os filhos já crescidos e uma vida amorosa que me acolhe, permito-me focar em minhas prioridades, nos anseios de minha alma. E quando isso ocorre, assusto-me com a grandeza da descoberta que tenho realizado: é verdade que o Sagrado se manifesta em nossas vidas, é a mais pura verdade o fato de que Deus fala com a gente, mas fala assim, diretamente, e que basta que tenhamos ouvidos para escutar sua mensagem para saber o que viemos fazer aqui nessa vida.

Jung dizia que nosso maior inimigo é a nossa real possibilidade de realização, pois temos muito medo de descobrirmos aonde ela poderá nos levar. Talvez seja por isso que estou assustada, pois experienciei a Energia em minha vida e compreendi o ditado popular ‘a gente não sabe o que diz e Deus sabe o que faz’.

Desde pequena adoro livros, adoro ler, adoro escrever. Tenho minha máquina de datilografia como um dos meus tesouros. Mas isso não foi suficiente para que compreendesse que essa paixão seria o meu destino. Enveredei por outros caminhos, pois não li os sinais que a Vida me enviava, e segui um percurso mais longo e doloroso para voltar para a casa que é a minha alma.

Também lembro que passava de barco por uma praia linda, cheia de coqueiros, e pensava ‘um dia vou ter uma casa aqui’. Tive, não pude usufruir do meu ninho. Depois, visitando uma casa que já tinha dono, pensei ‘essa casa vai ser sua’. Hoje tenho outro ninho na mesma praia.

Li um livro de uma escritora que discutia o tema do feminino e descobri que ela morava um tempo nas montanhas e outro na praia. Pensei: ‘vou viver assim, ora na praia, ora no campo, escrevendo e experienciando as energias yang e yin’. Aconteceu.

No início deste ano, pensei ‘minha vida vai mudar e também vou mudar de casa antes de primeiro de dezembro’. Meu pai ainda era vivo, procurei casas para alugar, achei uma linda e na hora que entrei nela, pensei ‘vai ser aqui meu novo lar’. Achei estranho porque isso se tornou impossível de imediato, mas deixei a coisa adormecida, guardando as fotos no ‘lar, doce lar’, deixando geladeira e fogão prontos para a cozinha de festas da casa nova. Aconteceu que um dia, sentada na rede da casa de praia, pensei ‘manda mensagem para o dono e pergunta se os planos mudaram’. Mudaram, sim, e nos mudamos para o lar sonhado.

Tenho escrito ‘pensei’ porque não sei que palavra usar para essas experiências que ocorreram em minha mente. Algumas vezes apareceram frases arrumadas, quase como se as tivesse ouvindo dentro de minha cabeça; outras, surgiram imagens, semelhantes a fotografias, que me mostravam um futuro a ser vivido. A explicação exata para esse fenômeno eu não tenho. Intuição? Conexão com o Sagrado?

O que fiz? Confiei nessa mensagens, entreguei-me e deixei que o Universo fizesse o que tinha que ser feito. Gosto quando Fernado Pessoa diz que ‘Deus quer, o homem sonha, a obra nasce’. Também compartilho a ideia de Sandra Celano quando afirma que ‘viver é pulsar, é ser canal para que a Energia Cósmica faça, através de nós, o Seu trabalho no mundo’.

Uma vez, no auge da minha dor pela perda de meu pai, vendo o sol ir dormir e tudo ficar escuro, olhei para o mar e perguntei, num misto de medo e esperança:

- Deus, você ainda está aí?

Hoje sei que estava e que falava comigo. Ouvi sua voz e começo a viver a rotina que sonhei – ou será que combinei? – desde sempre. Não me tornei a cientista da NASA, como dizia uma amiga de escola devido aos constantes dez que eu tirava, mas começo o dia meditando na varanda, com o sol aquecendo meu corpo, ouço o canto dos pavões, sinto o cheiro maravilhoso da terra orvalhada, misturado com o perfume das flores e dos frutos, faço suco de laranja e leite para meu marido e meus filhos, coloco água no jardim, converso com as plantas e com os animais, sinto a presença de duendes no jardim, apesar de ainda não conseguir vê-los, bordo uma toalha de chita, leio, escrevo, curto meus filhos, contemplo a lua e as estrelas tomando vinho e dançando com meu marido.

Nada de grandes feitos, apenas a simplicidade de um cotidiano repleto de amor.

Doida? Feliz!




9.11.10



 
 
Acordo quase de madrugada para ter um tempo só para mim. Leio uma revista que fala sobre Clarice Lispector, minha autora favorita. Depois, antes de começar meu dia de verdade, corro pra o computador para escrever um pouco. Agora, sim, estou sendo alimentada pelas coisas que pertencem exclusivamente a minha alma. Ler e escrever, dois prazeres que me fazem vibrar. Algo, ao mesmo tempo, intenso e suave. Sinto necessidade deles como sinto do ar que respiro. Andava fraquinha, sem tempo para me dar estes dengos, ou, dizendo mais a verdade, para me priorizar.
Venho numa loucura de rotina que quase me enlouqueceu mesmo. Atendendo à demanda dos outros que amo, organizei muitas coisas, realizei outras tantas e fui me colocando num plano de prioridades bem lá embaixo, mas dizendo ‘é só até amanhã; depois poderei voltar para mim’. Só que este dia, que seria vivido por mim para mim, estava difícil de chegar. Por isso, encontrei esse artifício: meu dia que me pertence pode ser vivido enquanto os outros ainda dormem.
A casa está em silêncio e só tenho Hércules, nosso cachorro, como companhia. O computador, no birô que foi de meu pai, ilumina o teclado, pois deixo o quarto no escuro para não perturbar o sono de minha filha.
Quando estou muito triste ou vivendo um momento de muita dor, tenho que escrever, tenho que ler, para me reabastecer e continuar com a vida comum, a vida ditada pela cultura na qual estou inserida.
De repente, minha vida saiu do lugar e experiências que nunca imaginei surgem como verdadeiros terremotos. Num só dia, meus auxiliares mais diretos adoecerem e se ausentaram do trabalho. Pela primeira vez tenho que dar conta dos afazeres domésticos, dos compromissos sociais, do trabalho. Adoro ser muitas numa única existência, mas realizar tudo isso tem sido um grande desafio. Três horas, em pé, passando roupa! Impossível prever que esta seria uma tarefa na rotina de minha vida. Fico pensando e tentando conciliar a intelectual, a artista e a dona de casa – esposa e mãe – que sou. Por que um dia só tem vinte e quatro horas?
Claro que quando as transformações surgem, elas chegam com força e intensidade, como numa grande tempestade. Esta lição já havia aprendido com a astrologia. Sinto que estou no finalzinho do canal do parto, pronta para um novo renascimento. Deixando de ser terapeuta, preparando-me para ser escritora, mudando-me para uma nova casa, louca para ter de volta o meu nome de batismo.
Esta última coisa, o divórcio, foi uma das experiências mais difíceis que já tive. Claro que tenho raiva do ex, mas a ira mesmo é contra mim: como puder amar alguém assim, com uma alma tão pequena?! Encontrei-o ontem em mais uma inútil tentativa de conciliação nos processos que travamos na justiça. Parecia um menino. Blusinha de garotão, apesar dos cabelos brancos. Decepção, pena e a pergunta: como não percebi isso antes? O mais difícil foi ver, mais uma vez, em sua enorme sombra, as mentiras que contava, a sua arrogância e a sua prepotência. Por que eu tenho que ser a pessoa escolhida pelo Universo para ensinar-lhe que não está acima das leis, dos homens e das Sagradas? Por que ele foi o eleito para me ensinar a lutar pelos valores que acredito aqui na Terra? Às vezes faltam-me forças para travar a batalha. Tão mais simpples ceder, seguir minha vida em paz e feliz, com meus filhos – meus tesouros -, meu marido lindo e gostoso! Qual será o desafio agora?

26.10.10





 
Fotos: Roberto Arrais
 
 
Eu estava cansada. Havia trabalhado o dia todo, caminhado muito e os pés pareciam duas bolas, Deitei-me na rede para descansar um pouco, depois de um banho bem quentinho. Meu marido desceu para preparar alguma coisa para comermos. Adormeci e acordei com ele me dando um beijo e me chamando para o jantar. Desci as escadas e encontrei a sala às escuras. Fui acender a luz do abajur e, de repente, deparei-me com uma linda mesa posta, cheia de velas acesas, incenso, taças cheias de vinho, pães de queijo e uma música maravilhosa tocando em nossa radiola. Claro que chorei emocionada e o beijei apaixonadamente. Jantamos, dançamos agarradinhos, tomamos vinho e beijei muitas e muitas vezes suas mãos mágicas. Apesar de estarmos sentados à mesa, ouvindo a música do mar e dos coqueiros, vendo a lua e as estrelas, na minha imaginação, secretamente, eu estava de joelhos diante dessa alma grande, meu homem, meu amor, e agradecia ao Sagrado a oportunidade de tê-lo em minha vida.

Passamos assim, juntinhos, o final de semana, descansando, trabalhando, fotografando, escrevendo, namorando, namorando, namorando. Preparamos café da manhã, eu faço o suco de laranja, ele organiza os pães. Mais música na radiola, mas dança de rostinho colado na cozinha enquanto toda a casa é invadida pelo cheiro delicioso de ovos fritos em cebola, alho e azeite. Uma delícia de café, com direito à vista para o mar e à visita de nossos amigos, os passarinhos. Lavo a louça, lê jornal, separo o lixo reciclável, varre a varanda.
Ainda tivemos que voltar ao ritmo do tic-tac e nos desconectamos do ritmo da vida. Haverá um tempo em que poderemos viver assim e que nosso trabalho será a escrita e a fotografia, tendo o mundo como cenário, as pessoas como tema e nossa casinha de praia como refúgio. Já sinto saudades do que vem lá.

23.10.10

















Ando preocupada com os rumos das eleições no Brasil. Acredito que esse negócio de misturar religião com política não dá certo. Até porque, muitos desses que se dizem religiosos, na verdade, são exploradores financeiros da ignorância do povo. Acredito no Sagrado, mas não aceito que essa conexão mágica seja manipulada em nome da moral e dos bons costumes, a partir do ponto de vista de quem mesmo?!
Como Psi, fiquei revoltada com a postura de alguns vereadores 'religiosos' do Recife que detonaram um trabalho desenvolvido pela Secretaria de Educação sobre sexualidade. Nunca vi 'se dizer tanta besteira com tamanha convicção', como se fala num ditado popular. Hipocresia pura.
Além da discussão sobre o bem e o mal a partir de ideias religiosas, também sobre educação sexual, os políticos religiosos estão querendo definir, para todos os habitantes do país, o que deve e o que não deve ser feito no caso de uma gravidez indesejada. Aborto é pecado, bradam como se fossem os novos santos e profetas da era pós-moderna. Também não seria pecado sua conduta no parlamento?
Sou totalmente contra o aborto, pois acredito que já há vida quando o óvulo e o espermatozóide se encontram. Mas, eu já tive abortos e já fiz aborto em momentos muito, muito difíceis e dolorosos de minha vida. Por isso, acho que cabe à mãe a decisão de ter ou de não ter um filho, pois somente ela pode dar conta de sua própria subjetividade. Carrego minha dor até hoje e derramo lágrimas de saudade por um filho que não tive.
Mas, voltando para as questões políticas, sou fruto da educação censurada da ditadura, na época em que se ensinava nas escolas que o Brasil foi descoberto - e não invadido - por Portugal, que os índios eram preguiçosos, que os negros eram de uma raça inferior e que os comunistas comiam criancinhas. Típica patricinha alienada, que retirava as jóias para ir fazer caridade em orfanatos. Mas, tudo tem seu tempo, e, em um certo momento acordei. Acordei para as injustiças sociais, para os preconceitos, para a exploração do trabalhador. E, aí, não teve mais jeito, me engajei e sonhei com um país mais justo, mais livre e mais feliz. Pude votar e transformar, com meu voto, o lugar onde vivo e que desejei melhor para meus filhos e os filhos de todos os outros brasileiros. Chorei muitas vezes nas eleições que não conseguimos colocar o Lula lá, mas não perdi a esperança e continuei votando, votando, até que um dia, pude gritar que a esperança venceu o medo e que, como dizia meu lindo Chico, apesar de você - ditadores de plantão - amanhã vai ser outro dia, e o amanhã havia chegado, era o hoje.
Não me arrependo, muito pelo contrário. Tive orgulho de viver num país governado por um retirante nordestino, operário, e, acima de tudo, um sonhador, com força e garra para transformar seus sonhos, os meus sonhos, os nossos sonhos, em realidade, sem perder a ternura do olhar.
Gosto de tentar entender o que dizem os olhos das pessoas e olhei nos olhos de Dilma, a agora candidata à presidência do meu país que continuará os projetos que transformaram para melhor a vida de muitos e muitos brasileiros. Sinto-os verdadeiros. Ela tem um olhar forte, de quem vê lá na frente. Gosto de ficar pensando no que passa por sua cabeça quando sabe que existe a real possibilidade de governar o povo pelo qual lutou, foi presa por anos, torturada, humilhada. Sei que pensa que sua luta valeu a pena e que hoje toda essa gente tem condições mais dignas de vida. Ainda teve sua doença e a superação de um momento tão difícil. Devo confessar que me dá uma vontade enorme de lhe dá um pouco do dengo nordestino, tipo um cafuné no colo, para que reabasteça suas energias e continue a luta por um futuro melhor.
Tive a oportunidade de ouvir um relato de uma senhora de 84 anos que conviveu com a esposa de um político perseguido pela ditadura militar, e que na época do ocorrido tinha mais de sessenta anos, contando que a amiga lhe confidenciara que havia sido presa e obrigada a desfilar nua para aqueles que a prenderam e torturaram. Já pensou se isso fosse com a mãe ou a avó de cada um de nós? Então, pergunto-me, o pessoal que estava do lado dessa turma covarde de torturadores, hoje, nessa eleição, está apoiando qual candidato? Quero a resposta porque o que eles estiverem defendendo, com a certeza que estou respirando, não receberá o meu voto. Preciso honrar a memória de todos aqueles que defenderam a liberdade e o povo do meu país. É o mínimo que posso fazer agora, já que me alienei quando houve as lutas.
Meu marido participou ativamente da história de luta pela liberdade no Brasil, tendo aprendido muito com homens como Gregório Bezerra e Luiz Carlos Prestes. Agora quem aprende com ele sou eu. Tenho três filhos que são engajados, discutem política com uma lucidez que me faz inveja e, claro, me enche de orgulho. Sabem a história real, não a manipulada para enrolar o povo, lutam por seus direitos e pelos direitos de um Brasil mais feliz. Também aprendo com eles e também é por eles que continuo votando com alegria e esperança. Sei que graças ao meu voto, eles hoje vivem num país melhor. Desejo que também construam para seus filhos um mundo de paz.