30.12.10











Fotos: Roberto Arrais


Desde pequenos que meus filhos ganham de presente de natal um kit cultura: cd, dvd e livro. Neste, não foi diferente. Receberam livros, cds, dvs com shows e filmes. Já compartilhamos alguns, outros ficaram para quando as férias acabarem e todos voltarem para casa. Ainda bebês, com fraldas e mamadeiras, visitávamos museus, exposições, livrarias, praças e parques, sim, porque a natureza sempre fez parte do rol das coisas que considero essenciais para todo mundo aprender a amar. Hoje já colhemos os frutos. Têm um execelente gosto musical – o mais velho quer trabalhar com produção fonográfica e cinema -, adoram ler – o mais novo devora livros -, curtem arte – a mais velha é uma fotógrafa maravilhosa e começou a colocar sua alma nas palavras. Gostam de roteiros de viagem diferentes, sem essa de visitas a shoppings, bares e restaurantes, mas com programas que incluam as belezas naturais e o que o lugar tem de cultura. Minha filha já presenteia com livros, dvds e cds. Pudemos ouvir Maria Betânia, tomando um delicioso vinho. Peguei carona no livro que meu filho ganhou e me deliciei com Clarice, a Lispector, claro.
- Quando eu crescer quero ser como ela!
Às vezes penso que se copiasse o que escreveu e colocasse embaixo minha assinatura, todos iriam pensar que o texto era meu, pois diz exatamente o que penso e sinto neste momento de minha vida.
- Quando é que se é escritora? – pergunto eu, como ela se perguntava.
Adoro ficar na minha nova sala de trabalho, ouvindo o vento balançar as folhas dos cajueiros e mangueiras que envolvem a casa, sentindo o perfume inebriante e sensual dos frutos e das flores que vivem por aqui. Não gosto do gosto do cajú, mas estou completamente apaixonada pelo seu perfume. Quando a brisa vem e seu cheiro me envolve, minha alma sorri com alegria.
Tal qual Clarice, venho prestando mais atenção às coisas da vida. Observo pássaros, árvores, flores; presto muita atenção aos pavões que passeiam e cantam no jardim. Os sentidos do corpo estão muito aguçados em mim. Tudo que é som, cheiro, gosto, pele e visão me cativa. O relógio em meu braço não é mais o meu guia. A luz do sol e o brilho das estrelas orientam agora o meu cotidiano. Um objeto que me fascina é o espremedor de laranjas. Seu som, pela manhã, logo cedo, me deixa com água na boca por antecipar a delícia do suco que vou tomar. Suco de laranja é algo de deuses. Que linda sua cor! E a xícara com a fumacinha do café formando desenhos no ar e o aroma inconfundível deste mágico líquido preto se espalhando pela casa! Isso tudo, sim, é que é magia. Lá fora a vida continua agitada e eu, aqui no meu paraíso particular, cultivo uma rica vida interior. Não sei o que a televisão mostra, não leio mais jornais todos os dias. Minha conexão com o mundo se faz através da internet e das conversas com amigos e familiares. Acabei de saber que houve um assalto com metralhadoras e gente ferida num supermercado onde costumava fazer compras. Essas histórias não mais me pertencem. Por enquanto, apenas cercada pelo que me interessa. Discos, livros, filmes, sensações, rede. Da minha mesa vejo passando um grupo de guinés.
- Tô fraco, tô fraco, tô fraco.
Fazem sempre este percurso, mais ou menos no mesmo horário. São lindos. Lembro que durante um tempo, quando lia Pessoa, não entendia muito quando ele falava da existência das coisas por si mesmas, sem a necessidade da compreensão, de uma explicação. Ah, como sinto estas coisas como verdades hoje. A vida existe sem a minha permissão. Simples, assim.
Outra situação que compartilho com Clarice é que ela escrevia no seu lar, cuidando da casa, acompanhando o crescimento dos filhos, colocando rosas nos vasos da sala. Para mim, essa rotina é essencial, é o que me alimenta. Adoro a família em volta da mesa jogando conversa fora. Imperdível o leite batido no liquidificador com Sustagen, Nescau e Ninho. Delícia! Abrir as portas dos quartos, vê-los dormindo o sono dos anjos e agradecer aos céus por mais um dia de felicidade. Já o meu lugar no mundo é quando encosto a cabeça no peito do meu marido e ouço o som do seu coração.
Às vezes fico pensando em que como sou boba. Valorizo coisas que a maioria das pessoas nem percebe. Marcas, moda, hábitos da contemporaneidade me fazem pensar que pertenço à época das cavernas. É bem verdade que uso computador, chuveiro quente, arcondicionado, e adoro a comodidade proporcionada por eles. Fico em êxtase com obras de arte e nossa casa é cheia delas.
Quando olho para os cômodos do lugar que hoje moro, encanto-me com as transformações que ocorreram. Parece que aqui é um lugar encantado que sempre existiu para nos acolher. Está com a cara dos membros de nossa família e nenhum de nós tem muita coragem de sair daqui para enfrentar a agitação do mundo lá fora.
Bom, o que acho mesmo é que Deus é muito do amostrado.

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