18.4.12

Segunda parte da viagem...




Chegamos em Panelas e já nos encontramos com Valdir da Mata. Minha energia foi mudando, pois é um bruxo disfarçado de gente. Pegou um aparelho para trabalhar com abelhas, Roberto foi ao sindicato e seguimos para a comunidade do Alfaiate, local especial do município, onde vivem 80 famílias cercadas pelo verde da mata atlântica que ele ajuda a preservar.




Casa linda, feita por ele. Babei com seu fogão a lenha. No forno, Sônia, sua esposa, faz até bolo.




 Linda sua filha Larissa que vive num paraíso sem nem saber. Galinhas, plantas, ar puro, remédios naturais, mel de uruçu. O ritmo é o da natureza não o do tique-taque de Alice.









Fui logo conhecer a sementeira e suas novas invenções inspiradas no Manual do Arquiteto Descalço, livro que emprestamos a Valdir para que criasse coisas adaptadas à realidade do lugar.





- Patrícia tá aqui!

Não entendi direito o que aquela frase queria dizer. A esposa saiu e veio me conhecer.

- Ele só dizia que nunca tinha conhecido uma pessoa como você.

Elogio? Logo veio a explicação.

-Quando me contou que a pia do banheiro de sua casa ia ser uma bacia de feira, morri de rir.

Compreendi a afirmação anterior. Imaginei-o dizendo assim:

- Nunca conheci uma pessoa como ela, doidinha, doidinha, mas tão feliz!

A filha surgiu com os livros infantis, que já publiquei, em suas mãos. Olhos brilhando. Veio em minha direção e nos abraçamos.

- Olha, filha, foi ela quem escreveu estas histórias aí.

Mostrei para ela as fotos no final dos livros. Era eu mesma. Conversamos, folheamos os livros, já bem lidos, é verdade. Disse-lhe que era uma bruxa e que a verruga no meu nariz estava escondida pela maquiagem. Sabia as histórias de cor. Não queria levar seus livrinhos para a escola porque tinha medo que seus amigos os rasgassem. Prometi que levaria outros para que distribuísse por lá.





Comemos um delicioso doce de banana, feito em casa, e tomamos água com gosto de quartinha. Reunião para definir os projetos. Quanto custa roupa de proteção para o trabalho com abelhas? Dividem, meio a meio, o tesouro que têm em casa, mel puro, para que possamos trazer para nossos filhos.





- Com tosse? É só tomar um chá com este mel, folhas de eucalipto e flores de colônia. Fica bom na hora.



Dão-nos tudo para fazer o chá aqui, colhendo no quintal as folhas e as flores. Os eucaliptos já são aqueles do reflorestamento de Valdir.Temos outras reuniões em Lagoa dos Gatos e precisamos ir embora. Chegam jovens que vão para a mata aprender a colher mel.

- Precisamos preservar as abelhas.






Tudo limpo, tudo lindo, tudo em harmonia. Marcamos uma visita para um almoço, outro encontro em Lagoa dos Gatos, uma visita a Maria Farinha para que conheçam o mar.

Novos amigos, gente de alma pura e grande sabedoria. Sabem o que é preciso para ser feliz.



Fotos: Roberto Arrais



Ontem foi um dia que saiu completamente do meu controle. Havia planejado uma viagem para Lagoa dos Gatos e Panelas, junto com Roberto, onde resolveríamos assuntos de trabalho. Iríamos articular em Panelas o financiamento de um projeto de recuperação de nascentes e de preservação da mata atlântica. Este trabalho lindo já é executado, sem financiamento algum, por um homem muito especial, Valdir, da Mata, como é conhecido. Prefiro chamá-lo de Homem do Dedo Verde. Depois da parada em Panelas, seguiríamos para Lagoa dos Gatos, pois teria que resolver algumas questões burocráticas referentes à editora Caleidoscópio e iria conversar com as autoridades de lá sobre a implantação de serviços para a população: consumo e educação. Tudo certo, às cinco e meia da manhã colocamos água e biscoito no carro e pegamos a estrada.

Não chegamos muito longe. Logo ali, em Moreno, filas de carros parados. O que aconteceu? Um protesto, fecharam a estrada com pneus e tocaram fogo. Ainda deu tempo de mudar o caminho. Demos uma volta imensa, fomos por Carpina. Quase éramos pegos em outro protesto, pois encontramos um grupo com pneus nas mãos.





Descobrimos que era um movimento articulado do MST, colocando bloqueios em tudo que era canto. Depois de muita estrada, chegamos em Vitória de Santo Antão, vindos de Glória de Goitá. Mais uma parada forçada. Pneus, fumaça preta, motoristas ensandecidos, ambulâncias impotentes.






Fiquei revoltada. Defendo o movimento, acho que é uma injustiça tão poucos com tantas terras improdutivas e tantos sem ter onde plantar, mas não concordei com aquela forma de se dizer o que está errado nesse país. E os doentes como sobreviveriam nas horas que estivessem sem poder seguir em frente?! Fui ficando cada vez mais irritada, uma vontade louca de fazer xixi, surtei. Desci do carro, bato e porta e fui caminhando até Gravatá, na esperança de achar um banheiro e, principalmente, colocar para fora minha ira. Depois de um tempo longo, Roberto me pegou na estrada.O pessoal de Lagoa dos Gatos ligou avisando que havia mobilização em Caruaru e em Agrestina. Seguimos com receio de novas interrupções. Resolvemos tomar a estrada de Bonito. Aquilo é tudo, menos uma estrada asfaltada. Ainda pegamos duas marcas dos protestos, com restos de pneus queimados no asfalto, mas conseguimos passar. Chegamos em Panelas às onde e meia. Seis horas de viagem. Eu estava mordendo vento. Roberto, tranqüilo, e acho que feliz pelo sucesso da mobilização de gente que luta há tempo por seus direitos. Eu havia esquecido meus ideais, minhas teorias, e só pensava nos transtornos que aquilo tudo havia provocado no meu dia. Senti vergonha da minha pequenez, mas as sombras existem e surgem com força quando cutucamos o cão com vara curta. Tão fácil deixar-se tomar por menos.