13.1.10


Fotos: Roberto Arrais


Hoje cedo fui andar na praia e me surpreendi: não havia mar. Em seu lugar, estendia-se, à minha frente, um imenso lago de águas calmas, quase paradas. O céu estava cinza e não existia um só movimento do vento. As palhas dos coqueiros estavam quietas, aguardando o carinho da brisa do mar para começarem sua dança. Acontecia o famoso terral. Só havia pescadores, com suas redes, com seus barcos e suas varas, varas estas que usam como remos e, também, jogam-nas com força na água para assustar os peixes e, assim, facilitar a pesca.
Entrei devagar para sentir toda aquela imensidão de água envolver meu corpo. Estava gelada e me cortava como uma navalha. Resolvi mergulhar e me entregar ao abraço gostoso daquele pedaço de oceano que tanto amo. Fiquei quietinha e água estava tão limpa que dava para ver os pés. Só silêncio. Virei-me para ver a orla. Ninguém. Voltei novamente meu olhar para o mar e pensei que desejava contemplar o Sagrado. Neste momento, um peixe grande pulou quase um metro acima da água, deu uma cambalhota e mergulhou novamente naquele espelho que já começava a refletir, timidamente, a luz do sol. Dei uma imensa gargalhada e me emocionei em seguida, ao perceber que, naquele instante, Ele havia falado comigo e eu tinha tido a felicidade de conseguir escutar. Tenho quase certeza de ter visto o peixe, na hora do salto, sorrindo para mim também. Senti a Paz.

11.1.10






Certa vez, fui varrer minha casa e tive calo nas mãos. Fiquei envergonhada por ter uma pele tão sensível, pois isso significava que não estava acostumada às labutas da vida cotidiana. Em outro momento, fui cuidar do jardim, podando flores e arbustos, e novo calo nas mãos. Hoje, fui fazer feira sozinha, meu anjo da guarda está de férias, e mais mãos feridas porque a pele é muito fina. Meus dedos estão acostumados à textura das folhas dos livros, à tensão da caneta no papel, ao teclado do computador. Na infância, minha mãe contava a história de uma princesa que dormira sobre dez colchões de plumas de ganso e havia acordado com o corpo dolorido porque embaixo dos colchões havia uma pequena ervilha; isto provava sua nobreza. Estou pior que a princesa da imaginação dos meus tempos de criança.
Todas as tarefas para que minha sobrevivência flua tranquila são realizadas por outras pessoas. E tenho quase cinquenta anos. Que absurdo! Não lavo e não passo minhas roupas, não limpo minha casa, não cozinho a comida que é servida à mesa de minha família. Anos e anos dedicados apenas ao trabalho intelectual. Alienada, sem consciência da luta de classes. Quase nada do tempo que já passei foi vivido com atividades que usassem as mãos. Também não sei bordar, costurar, desenvolver qualquer atividade de artesanato. Nem sei que ervas curam o quê. Preciso de uma infraestrtura imensa para sobreviver.
Lembro-me agora da enorme quantidade de diplomas e certificados que tenho e que comprovam que sou uma pessoa de muitos conhecimentos. Lembro-me dos professores de mestrado e doutorado que tive e como muitos deles sabem muito de muito pouco, são especialistas, e muito pouco sobre a vida. Lembro-me das pessoas sem estudo que já encontrei e como eram sábias. Às vezes, os doutores das letras até as vêem com uma superioridade completamente equivocada. A sabedoria está na vida e citando uma história que ouvi ‘pois é, doutor, cada um com suas ignoranças’.
Se é verdade que 2012 está chegando com o apocalipse nele, estarei completamente despreparada para a nova forma de sociedade que irá surgir. Tomara que haja tempo para que eu me resgate e me conecte cada vez mais com o ritmo da vida e com as tarefas que os seres humanos desenvolvem desde que o mundo é mundo. Chega do virtual. Que venha a realidade!






Ler Clarice é sempre um mistério: você nunca sabe para onde ela a vai levar. Ontem, antes de dormir, li um conto dela sobre um relógio. Muito doido. E, aí, ela me capturou. Fiquei embolando na cama, sem conseguir pegar mais no sono. O que seria, para mim, Sveglia?
Deitar na cama com os filhos, tomar banho de mar, beijar na boca, ler um bom livro, ouvir boa música, cuidar de jardim, tomar coca-cola, de garrafa, bem gelada, comer brigadeiro com pipoca, vestir uma camiseta de puro algodão com um short bem confortável e calçar havaianas, tudo isso é Sveglia. Achei a palavra inglesa it para ser um sinônimo possível para o novo conceito que esta bruxa das palavras me apresentava. Depois pensei que poderia ser Tao. Conclui que Sveglia simplesmente se traduz por É. Adorei isso.
Agora estou me lembrando dos inúmeros poemas de Fernando Pessoa que abordam o quanto é absurdo tentarmos explicar tudo porque o essencial não se explica, o essencial É. Acho que Clarice também capturou essa idéia, também viveu essa experiência mágica. Coisa de seres iluminados.
Depois, consegui dormir e sonhei muito. Acordei com meu celular tocando. Eram os meus filhos, amados filhos, que chegavam da casa do meu primeiro ex-marido, pai de minha filha. Não os via desde o ano passado e já estava fraquinha, fraquinha, desejando muito poder beijá-los, abraçá-los, com todo o carinho guardado durante este período de afastamento e de sofrimento para mim. Fui fazer o nosso famoso leite e ficamos conversando na cozinha até de madrugada.
Quando eles vão retornando ao lar, ainda falta minha filha, meus olhos voltam a brilhar, meu coração se aquece, minha vida volta a ser completa. Coisa de mãe. Sei que irão voar, cada vez mais alto e para mais longe, e os apoiarei a cada vôo. Mas não posso negar que ao lado deles, dos três juntos, sou muito mais feliz.