25.1.09

Tenho o direito de saber


Estou com dificuldade para respirar. Sinto-me sufocada por uma enorme pressão no peito, resultado da angústia gerada pelo filme que acabei de ver. Tempo de Resistência, um filme que conta a podre história do Brasil na época da ditadura.
Os relatos daqueles que foram presos e torturados são um soco no estômago de qualquer ser humano. Como pudemos perder a noção de humanidade? Nos porões das delegacias e quartéis, crimes bárbaros foram cometidos. Houve tortura de corpos de homens e mulheres que tinham como crime o sonho de um Brasil para todos. Reforma agrária, reforma tributária, liberdade de imprensa, educação e saúde para todos. A classe mérdia, como dizia Gláuber Rocha, surtou com medo de perder as regalias, e, covardemente, apoiou o golpe dos militares, manipulados como bobos fantoches pelo capital americano. Abaixo os comunistas! São perigosos e comem criancinhas. Pra frente Brasil! Salve a Seleção!
Não, a elite não poderia perder a vidinha maravilhosa e compartilhar seus direitos de uma vida digna com camponeses e operários. Mais uma dose de uísque, por favor! Sempre houve divisão de classes no Brasil! Primeiro, os invasores acabaram com os habitantes, e legítimos donos do território, através do uso da força. E ainda construíram a imagem de que eram preguiçosos! Depois, arrancaram homens e mulheres livres de seus países e os trouxeram para cá para os trabalhos forçados nos engenhos de cana-de-açúcar. Vende-se uma linda e esperta negrinha de 12 anos; favor procurar o senhor fulanos de tal, na rua tal, número tal. Agora, em 1964, por que faremos diferente? Nós, elite pelo poderio econômico, não podemos abrir mão do que conquistamos para que todos tenham um pouco. Essas idéias subvertem a ordem e o progresso do país e são disseminadas por essas bestas humanas, os comunistas.
Treinamento para técnicas de tortura. Castigos físicos, choques, abusos sexuais, humilhações, violência contra as famílias. Palavras não conseguirão, jamais, retratar com fidelidade, a dor das vítimas de tão brutal processo.
Anistiados todos.
O que podemos fazer para que isso não se repita? Como fazer justiça e punir os culpados por tamanha selvageria?
Como cidadã brasileira, patricinha, fruto da alienação burguesa, que teve aulas de OSPB no colégio, que não compreendia o que acontecia com meus irmãos brasileiros no momento em que eu festejava a conquista da copa, e que hoje, graças às voltas que a vida dá, começo a entender todo esse processo sujo, quero saber quais os nomes desses criminosos hediondos que torturaram e mataram pessoas que lutaram por um Brasil mais justo.
Não quero conviver com qualquer um deles. Não quero eleger qualquer um deles. Não quero eleger hoje pessoas que estiveram ligadas aos torturadores no passado. Não quero que praças e pontes construídas com o dinheiro melado pelo sangue dos torturados homenageiem esses covardes que se esconderam atrás das fardas e permaneceram no anonimato.
Onde estarão Geisel, Médici, Fleury? Será que existe inferno? Onde estará o bárbaro Coronel Viloc que prendeu e torturou, arrastando pelas ruas de Recife um homem de mais de 60 anos, Gregório Bezerra, dizendo, aos berros, que mataria o comunista?
Há listas dos supostos subversivos. Quero as listas dos torturadores que cometeram esses crimes de guerra. Quero saber quem foram e quem são. Quero saber porque quero ensinar a menus filhos que não é dessa forma que se constrói um país, que não é dessa forma que se luta por ideais. Quero que meus filhos acessem informações para que usem o voto na escolha de homens e mulheres que não tenham em sua história qualquer conexão com essas pessoas que torturaram.
Ouvi no filme um depoimento de um homem, que foi torturado e que sobreviveu, em que ele conta que sempre haverá marcas invisíveis da tortura, tanto naquele que foi torturado como no que torturou. A diferença é que um deles foi a vítima e o outro foi o algoz. De que lado você gostaria de estar?