9.2.07

Chegara a hora

Parecia que estava voltando de um transe. Sempre acontecia assim quando lia algum texto que sua alma ouvia. Depois da leitura, sentia um sono irresistível e seu corpo adormecia para sua alma sair e aprender em outros mundos. A leitura era apenas a forma de iniciar a aprendizagem.
Lembrou-se de uma época em que vivia com sacerdotisas no alto de uma colina, perto do mar e da floresta. As mulheres eram verdadeiras deusas e sabiam muitos segredos como a cura com ervas ou ainda como prever o futuro olhando a água numa bacia. Era uma delas.
Agora, todo esse conhecimento estava sendo relembrado e, assustada com as implicações que essa descoberta teria em sua vida, desejou esquecer o que via e acordou.
Mas o sonho tinha sido nítido demais e seu coração batia descompassado.
Sabia que teria que reassumir suas funções de sacerdotisa, guiando, curando, orientando e protegendo as mulheres do seu tempo para que a energia da Deusa pudesse fluir livre novamente.
Pensou em sua família. O que diriam seu marido, seus filhos quando lhes dissesse que teria que partir, que não pertencia apenas àquela família, mas que servia à Deusa e Ela a havia chamado para realizar o trabalho que se comprometera antes de vir para Gaia desta vez?
Fazendo uma retrospectiva, percebeu que sua caminhada sempre havia sido conduzida por uma energia maior. Estava livre das obrigações e fardos mundanos, pronta para cuidar de si e de sua tarefa. Havia encerrado suas atividades profissionais anteriores para começar um novo ciclo. Seus pais, que dependiam dela devido às doenças que apresentavam, já tinham morrido. Seus filhos estavam crescidos e já não cobravam uma assistência contínua. E seu marido, como reagiria?
Viajou no tempo e viu-se criança na escola liderando um grupo de meninas. Sua primeira profissão foi numa área reservada aos homens. Mas, a Deusa necessitava que tivesse sucesso no universo masculino para que fosse respeitada por eles e que não tivesse medo da força dos homens, já que havia sido agredida outras vezes em outras vidas. Depois veio a exuberância da sexualidade e a maternidade a fez olhar o mundo de outra forma. Voltou-se para o universo feminino e mudou seu enfoque profissional. Aos poucos, a Deusa foi se aproximando e quando Se revelou completamente sabia que não poderia mais negar suas origens.
Como faria isso em pleno século XXI? Como realizar rituais que não assustassem as mulheres que ainda estavam adormecidas? Fez suas perguntas e pediu-Lhe orientação.
A resposta veio nítida: seus dons de sacerdotisa seriam manifestados através da arte, a arte seria a ponte que ligaria seu mundo ao Sagrado.
Seria escritora, claro. Era por isso que desde pequena adorava ler, escrever e passava horas em bibliotecas. A Deusa a havia conduzido até ali. Havia chegado a hora.

OBS: Imagem do Tarô da Deusa Tríplice.

8.2.07

Parabéns pra você!

Estávamos na Sibéria, numa noite fria, com temperatura de quase quarenta graus abaixo de zero. Éramos portugueses, italianos, chilenos, russos e brasileiros. Nosso encontro tinha como objetivo a aprendizagem dos conhecimentos dos xamãs siberianos. Não entendíamos as línguas dos outros e nos comunicávamos pela linguagem corporal e pela energia. Descobrimos que era o aniversário de um dos participantes e começamos a bater palmas no ritmo de “Parabéns pra você”; depois começamos a cantar a mesma música entoando lá-lá-lá; em seguida, cada um em sua língua nativa, continuamos cantando essa melodia que se tornou universal. Havia muitos sorrisos, abraços e alegria.
Emocionei-me quando percebi a conexão que existia entre todas as pessoas que estavam ali. Vínhamos de lugares tão diferentes, com culturas diversas, mas respeitávamos uns aos outros. Sonhei, então, com um mundo em paz.

Os russos dizem que o mantra oficial dos brasileiros é ALEGRIA. Dizem que não entramos em contato com a morte, pois não temos o inverno rigoroso que eles têm e que nossa natureza é abundante em cores, cheiros e diversidade. Ficam impressionados com a liberdade que temos para vivenciarmos nossas crenças e se encantam com nosso ecletismo religioso. Freqüentamos a missa, passamos por um terreiro de macumba, vamos a um centro espírita e praticamos a meditação budista, sem problema algum.
Lembrei-me de nossa história, da constituição do povo brasileiro na miscigenação das raças. Lembrei-me da imensidão de nosso território com características geográficas tão contrastantes. Lembrei-me de nossos sotaques, de nossa culinária, de nossa música. Lembrei-me do mar, do cheiro de terra molhada, das cores e dos cantos dos pássaros. Lembrei-me das cachoeiras, das árvores, das onças. Lembrei-me do fundo do mar cheio de corais e de peixes coloridos, numa outra dimensão. Lembrei-me da saudade do Cruzeiro do Sul, sentida por Vinicius de Moraes quando estava no exílio. E, aí, lembrei-me do povo brasileiro, cheio de coragem, de fé e de esperança e, principalmente, cheio de alegria. Então, como Vinicius, chorei de saudade.
Ao descer do avião, todo o grupo de brasileiros cantava “moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza... e que beleza!”.
ALEGRIA!

7.2.07

Mulher macho?

Tenho lido muito sobre mulheres. Estou começando meu trabalho de pesquisa sobre as mulheres pernambucanas. Quero saber o que sentem e o que pensam sobre o fato de terem nascido fêmeas e terem aprendido o que é ser uma mulher, em diferentes locais e em tempos de vida também diferentes.
Fiquei pensando sobre o que teria me motivado a buscar essas respostas e me lembrei de uma história contada pela minha mãe (Freud explica, claro).
Tive uma tataravó, moradora do interior pernambucano, que descobriu que seu marido estava tendo um caso amoroso com uma moça da região. Mandou seus capangas pegarem a tal amante, fez uma mistura com ervas, sal e pimenta e colocou tudo isso na periquita da mulher. Depois cortou os cabelos dela para que todos soubessem que era uma mulher sem-vergonha.
Foi denunciada na delegacia e quando chegou a intimação mandou meu tataravô ir até lá resolver a questão.
Durante muito tempo essa história foi contada com orgulho, pois demonstrava a força e a coragem das mulheres de nossa família. Será?