19.7.08

Esperança


Saiu uma foto no jornal que me chocou. Estava na primeira página, com o maior destaque, mostrando homens num pátio de uma grande prisão pernambucana. Todos estavam nus ou de cuecas, com as mãos na nuca, e em bando. Esta cena era conseqüência de uma rebelião.
Na hora senti um aperto no peito e pensei: já imaginou se esse muro caísse e todos esses homens saíssem da prisão agora? o que eles fariam? como tratariam a sociedade que os tratou sem um pingo de dignidade?
Estamos com prisões superlotadas. Buscamos alternativas de maior vigilância e mais repressão policial. Seria esse o caminho para acabarmos com a violência? Como tratar apenas a ponta do enorme iceberg que o fosso da má distribuição de renda no país provoca?
Tenho feito caminhadas em campanhas políticas e me assusto com a realidade que encontro. Ruas esburacadas, sem saneamento, onde as fezes convivem com a água de beber. Crianças descalças, mulheres com fome, homens desempregados.
Foram muitos anos de abandono e descaso para com os menos favorecidos economicamente. Muito já foi feito e muito há por fazer. Não podemos ficar de braços cruzados, fazendo o discurso de que ‘político é tudo igual, só quer saber de roubar’. Precisamos nos engajar em movimentos que transformem a realidade desumana que todos nós ajudamos a construir, por ações ou omissões. Todos nós somos responsáveis por cada assalto a mão armada, por cada criança que cheira cola, por cada pai de família que rouba queijo para alimentar seus cinco filhos com fome e vai parar na cadeia. É tão fácil julgarmos e condenarmos, a partir de nossos referenciais, com expressões de horror em nossas faces, pais, tios, irmãos que cometem o incesto, e esquecermos como vivem essas pessoas em seus barracos abarrotados de gente, todos dormindo juntos numa mesma cama, tratados como bicho e como bicho agindo.
Visitei uma comunidade do MST, também no interior Pernambuco, e me deparei com uma cena que me comoveu. Um filho chegou perto de sua mãe e disse um “Bença, Mãe”. Ela olhou para ele cheia de carinho e devolveu “Deus te abençoe, Filho. Cuidado com a pista”. E lá se foi o menino, todo limpo e arrumado a caminho da escola. Sorri emocionada. Não havia muito dinheiro por aquelas bandas, mas aquela criança nem imaginava o quanto era rica de amor e o quanto isso seria importante para o seu futuro. Naquela hora me lembrei de muitas outras crianças, mais ricas, muito mais ricas em dinheiro que ela, que vinham para meu consultório cheinhas de problemas emocionais pelo abandono dos pais, ocupadíssimos em seus trabalhos com o objetivo de dar o melhor para seus filhos.
Aprendi, com uma pessoa muito linda, que quando a esperança é nossa companheira temos a energia amorosa para caminhar em projetos que desenvolvam a paz e a justiça social no lugar em que vivemos. Reservei um lugar especial para a esperança em meu coração e estou com muito mais coragem para dar minha contribuição, ainda que pequena, para a construção de um mundo em que todos vivam em harmonia, em que as pessoas sonhem, realizem seus sonhos e sejam felizes, manifestando, assim, o Sagrado em suas vidas.
Poderíamos pensar que isso é muito bonito, mas que não passa de blá-blá-blá e que na prática ações assim são impossíveis de acontecer. Mas já tem muita gente fazendo alguma coisa. A Fundação A Arte de Viver ( http://www.artedeviver.org.br/ ) desenvolve um programa de respiração em prisões no mundo inteiro e está organizando sua primeira intervenção em prisões do nosso estado. Ainda há esperança.

18.7.08

Seu coração vibra?




















Quando é que seu coração vibra? Quando é que você sente uma alegria imensa por estar fazendo algo?
Acredito que nos momentos em que sentimos o coração vibrar estamos conectados com o Grande Espírito, como dizem os índios, e estamos realizando nosso Dom aqui na Terra.
Quase sempre nos perdemos no caminho. Na infância, ainda lembrávamos, de alguma forma, do que combinamos com o Sagrado antes de desembarcarmos aqui. Aos poucos, a memória vai se apagando, acho que para testar nosso livre arbítrio, e ficamos por conta própria. A rotina louca que praticamos, cheia de compromissos e de metas a conquistar, afasta-nos do nosso mundo interior e nos deixa no vazio de uma vida sem significado. Tentamos preencher o buraco com compras – roupas, sapatos, carros, casas -, com um cuidado exagerado na aparência, com a busca pelo sucesso profissional, com o apego a relações que não aquecem mais o coração, mas que nos dão a falsa sensação de segurança contra a solidão. O medo de encararmos que a vida vivida aconteceu enquanto nossas Almas não estavam lá faz com que corramos atrás de remédios que nos entorpeçam, tirando-nos do sofrimento e da vergonha de termos desperdiçado a oportunidade de vivermos a nossa vida por inteiro, de verdade, com toda a dor e a alegria que a inteireza trouxesse.
Precisamos de maturidade para entender que conhecimento e sabedoria não são a mesma coisa, para reconhecer que a verdadeira felicidade se esconde nas coisas simples. Respiração, meditação, contemplação, contato com a natureza, respeito ao ritmo da vida, alimentação saudável e, principalmente, fazer coisas que nos dão alegria para, assim, atrairmos nossos Espíritos Protetores, são alternativas para resgatarmos a vibração amorosa de nossos corações.
O difícil dessa alternativa é que não há uma receita pronta, pois o caminho é único para cada Alma que se propôs a aprender no planeta Terra. Temos que escutar nosso Self e seguir nossa intuição. Procuro sempre seguir o caminho que faz meu coração vibrar. E você?

14.7.08

Guardiões












Há algum tempo realizei um trabalho numa das comunidades mais violentas de Recife. Lá conheci uma pessoa muito especial que me contou que tinha o sonho de levar livros para todos, pois acreditava que através da leitura seus amigos poderiam conhecer outros mundos, outras possibilidades de vida e, assim, saírem do mundo das drogas e do crime. Falou que sonhava com um carrinho de mão cheio de livros e imaginava-se circulando pelas ruelas estreitas e todos pegando livros para ler.
Como também sou apaixonada pela leitura, resolvi ajudá-lo a realizar seu sonho. Comprei uma estante, livros, gibis, giz de cera; arrumei, também, caixas e fichários. Doei tudo para ele, incentivando-o a ir em frente e dando-lhe o nome de guardião.
Descobri que era um poeta maravilhoso, retratando com seus poemas a realidade da comunidade.
Um dia desses, meu celular tocou e recebi o convite para a inauguração da Biblioteca Popular Guardiões da Literatura. Chorei emocionada. Ele havia se superado. Fui lá, hoje, conhecer de perto o local sagrado e, devo confessar, fiquei em êxtase. A Biblioteca está instalada numa pequena palafita à beira do mangue – sua antiga casa. A estante doada está lado, bem como os livros. Mas o acervo já é muito maior, com doações de toda a comunidade. Crianças e jovens estavam sentadas pelo chão, cujas brechas nas madeiras do piso possibilitavam o olhar para o mangue. As paredes estavam recobertas com jornais e aqui e acolá apareciam recortes de poesias escolhidas a dedo. O banheiro tinha como porta um pedaço de chita colorida. Um lindo banco, achado no lixo, havia sido todo pintado criativamente e acolhia os visitantes. Havia um tapete de mariscos na entrada e o cheiro da maré invadia o ambiente. O mais importante disso tudo era a energia do lugar, cheio de alegria e entusiasmo.
Lembrei-me da frase ‘’É dos sonhos dos homens que uma cidade se inventa”. Que tenhamos mais coragem para sonhar e realizar!