28.1.11

Mais um final de semana tranquilo, com coisas que fazem minha rotina feliz. Acordei cedo, meditei, preparei o café da manhã com o adorado suco de laranja, cuidei das plantas e fui, junto com meu marido, levar minha filha ao trabalho. De lá fomos fazer uma feirinha básica e seguimos para a Livraria Cultura. A ideia era um banho de revistas, jornais, livros, cds, dvds que nos fizessem pensar e sonhar.
- Amor, olha o que achei.
- Separei isso aqui para você.
- Uau! Que filme maravilhoso!
E assim passamos o resto da manhã.
Voltamos para casa, ligamos a radiola, preparamos o almoço, vimos um filme sobre a vida de Victor Jara, tomando um delicioso vinho tinto. A chuva beijava nosso jardim.
Conversamos sobre as lágrimas derramadas quando vimos Victor usando sua voz para cantar um mundo mais justo. Marido foi fotografar, fui ler. Quando vi todo aquele rico material espalhado pela mesa pensei em como era feliz, vivendo coisas que me dão prazer. Li, cochilei, vi as fotos e as sementes frutos da caminhada de meu marido, fomos pegar a filhota, jantar, cinema, namorar e dormir. Nada de conflitos sobre quem vai fazer o quê. A vida fluindo em harmonia.
Depois fiquei pensando sobre como conduzo meu dia a dia e como já experienciei essa rotina tempos atrás. Percebi, claramente, que os fins dos casamentos foram consequências das transformações que ocorreram dentro de mim. Mais ou menos assim: o marido da vez, como diria um amigo sobre suas mulheres, estava casado com uma pessoa; eu mudava; o casamento chegava ao fim porque o acordo inicial do casal fora quebrado, já que não era mais a mesma; a nova que me tornava achava um novo par; novo casamento, mais uma transformação, mais uma ruptura pela quebra do contrato inicial, surgia uma outra no lugar daquela, mais uma nova possibilidade. Esse ciclo se fez vivo não apenas na esfera amorosa, mas na profissional, nas casas que sonhei e construi, nas amizades, nos interesses dos livros que guardo nas estantes, nas roupas que já usei. Fui sendo várias, muitas, numa só. O que acontecia ao redor apenas refletia o que meu coração cantava.
Conversando com amigas que vivenciam crises em seus casamentos, descobri que a angústia expressa em seus olhos denuncia a briga de titãs que ocorre em suas almas, pois não estão tendo uma rotina que expresse o que anda acontecendo lá dentro. Quando ainda estamos nessa fase ficamos confusas e responsabilizamos o casamento, os filhos, a vida doméstica, o trabalho ou a falta de dinheiro. Mas a crise é interna. E dói achar o caminho da saída para uma vida coerente com nossa nova face.
Percorri este caminho e muitas vezes fiquei em carne viva. Se hoje tenho uma rotina cheia de coisas simples que me fazem feliz é porque escutei os desejos de meu coração. Trabalho, convivência com os filhos, amizades, amor, tudo da forma como acontece no meu presente é fruto do que plantei lá atrás, ora quando sabia o que estava fazendo, ora quando não conseguia ler os sinais que me chegavam, mas em ambas as situações, numa completa entrega e uma absoluta fé na vida.
Sempre é muito difícil o processo de renascimento. Se tivermos a coragem da travessia, o sol brilhará mais uma vez e as marcas dos caminhos trilhados apresentar-se-ão em nossas faces que brilharão cheias de luz no encontro com o espelho.

26.1.11

Quase sempre passamos pela vida sem pensar na morte. Achamos que temos todo tempo do mundo para realizar aquele sonho guardado, para dar aquele beijo, para dizer ‘te amo’ ou ‘sinto sua falta’. Então, algumas vezes, levamos uma rasteira e perdemos para sempre a chance de fazer acontecer no aqui e no agora o que nosso coração desejava, talvez, em segredo.
Há algum tempo, quando me separei do meu segundo marido e me casei novamente, comentei com uma amiga, a quem amo desde que tínhamos uns seis anos, que ficaria mais difícil minha com convivência com os casais de nossa turma, pois meu novo marido não gostava de passar os finais de semana tomando uísque até encher a cara e depois ir dormir e roncar. Ele curtia passeios, viagens, caminhadas, contato com a natureza, fotografia e, claro, uma cervejinha gelada, mas de leve. Este comentário gerou a maior confusão entre meus amigos, pois entederam que eu estava achando que a nova situação era superior a que vivia com eles e com meu ex e resolveram que iriam se afastar – ah! também entenderam que estava fazendo uma loucura e que iria quebrar a cara e, quando isso acontecesse, aproximar-se-iam novamente para juntar os cacos. Lembro que sofri muito com a distância deles e me senti muito só e desamparada. Ficamos longe e fomos vivendo separados as coisas simples do cotidiano. Anos depois, pela internet, retomei o contato com essa minha amiga e com seu marido, meu amigo-irmão que estava morando fora do país. Foi nesse momento de mails que fiquei sabendo o que pensaram e sentiram à época da separação. Esclarecemos as coisas e combinamos de nos encontrarmos quando voltasse ao país. Confesso que fiquei louca para abraçá-lo novamente, para apresentá-lo ao meu marido, para irmos juntos ver o time do coração deles jogar e já contava os dias que faltavam para ter de volta o ninho amoroso de uma amizade construída há mais de quarenta anos.
Numa manhã o telefone tocou e veio a notícia:
- Seu amado amigo-irmão está morto.
Ainda sinto o soco no estômago. Como? Não é possível? Quando? Onde?
As informações chegavam aos meus ouvidos mas não ao meu coração. Não podia aceitar que a vida estivesse nos pregando esta peça.
Na mesma hora corri para ver sua esposa, minha amiga galega, sem muita coragem para ler em seus olhos mais um episódio de dor imensa, pois já estivéramos juntas em momentos muito difíceis nos caminhos que percorremos.
Talvez esta tenha sido a primeira vez em que senti muita raiva de Deus. Como havia feito isso conosco? Como me deixara sem o abraço e a risada de meu amigo-irmão? Não aceitei essa tragédia até hoje. No dia de seu enterro fui com minha filha ao cemitério, mas não consegui chegar lá, perdi-me no trajeto. Acho que meu coração não conseguiu viver esta perda.
Faz pouco tempo que tive um sonho com ele. Estava bem e isso me deixou tranquila. A saudade é grande e me pego com lágrimas nos olhos quando imagino que vou convidá-lo para conhecer meu paraíso, quando penso que vou contar para ele que virei escritora e vou ouvir sua risada gostosa, e percebo que isso não será possível pois não mais está entre nós.
Como nos ensina aquela música:
- “É preciso amar como se não houvesse amanhã, porque se você parar para pensar, na verdade não há.”
Para você, amigo-irmão, minha eterna declaração de amor.

25.1.11


Com a volta dos filhos ao lar, depois de um período de férias pelas praias de Pernambuco, a vida vai voltando ao normal. Já estamos na casa nova, apesar de ainda termos muito que arrumar, já alugamos nosso antigo apartamento, estamos alugando o do meu irmão, e também começo a me acostumar com a saudade de nossa casa de Maria Farinha, paraíso particular.
Foi uma delícia o jantar, massa e camarão, regado a vinho e coca, com toda a família reunida em volta da mesa. As conversas, as piadas, as novidades, as reflexões que as crias fazem e que me deixam de boca aberta e cheia de orgulho, são coisas simples que acontecem e que me fazem plenamente feliz. Não conseguiria viver longe dessa rotina, sem grandes eventos, mas que traduz a minha noção de felicidade. Adoro bater o leite deles no liquidificador, esquentar o sanduíche, ver filme com todos sentados pela sala, ouvir música na radiola, jogar conversa fora na rede e nas almofadas e, depois de um longo dia de momentos significativos, abrir as portas dos quartos e vê-los dormindo como anjos em suas camas. Quando os contemplo assim, meu coração se enche de alegria e agradeço ao Universo por ter me dado a oportunidade de ser mãe de almas tão especiais.
Agora é hora de ir para cama, deitar-me pé com pé ao lado do homem que amo, namorar, ler um bom livro, apreciar Hércules no seu colchão velando nosso sono. Mais gratidão.
Às vezes me pego pensando que quando escrevo sobre as coisas pequenas, para mim imensas, que fazem o meu dia a dia feliz, passo a impressão de que vivo alienada num mundinho cor de rosa, sem problemas, sem contas para pagar, sem sonhos a realizar, como se fosse uma vidinha perfeita, não simples, mas simplória. Bem longe da verdade seria esta falsa impressão. Há conflitos, tensões, desafios, sonhos adiados, frustrações, tudo que todo mundo vive sol após sol. A diferença, talvez, seja que sempre me pergunto, ‘o que tenho que aprender com isso?’, e vou tentando me conectar com os segredos que o Sagrado me revela em tudo que me acontece. Claro que com esta atitude sinto uma imensa paz no coração e brota dentro da minha alma uma estranha coragem para a entrega total aos caminhos que vão surgindo.
Porque já mudei um bocado de rota, tanto no que se refere à profissão quanto ao amor, algumas pessoas me avaliam como perdida, aquela que não sabe o que quer. Quando estou numa situação, estou inteira, transparente, completamente intensa e apaixonada. Se o tesão acaba, busco essa energia em outra possibilidade para me manter sempre num estado de encantamento pela vida.
Estive organizando livros antigos e percebi claramente este movimento. Quantas paixões já tive! Psicopedagogia, o brincar, contos de fadas, mulheres, xamanismo, cognição, informática na educação, dbase e tudo do mundo dos bits e bytes. Já fiz tanta coisa diferente, já desempenhei tantos papéis, já tive tantas máscaras... O que tem me deixado feliz com esta jornada é que ao me olhar no espelho, sem máscara alguma, aprecio o que vejo, amo o que me tornei. Caminhei, feri-me, consegui renascer várias vezes, e hoje estou mais perto do que vim para ser aqui na Terra. Ainda faltam muitos passos e vibro na estrada que escolhi para ser a minha, aquela que conhece os segredos do meu coração.