2.4.13


Guardo, como herança, coisas simples que pertenceram aos meus pais. De minha mãe, tenho fivelas que usou até o dia em que se foi. De meu pai, tenho seus cadernos de exercícios das sessões de terapia ocupacional, atividades que desenvolveu devido às sequelas de seu AVC.
Como me dói ver suas limitações. As palavras cruzadas passaram de Desafio para Fácil. Grande matemático que era, mestre das probabilidades, passou a ter dificuldades para fazer pequenas contas ou registrar as horas num desenho de relógio. Contador de causos, mal escrevia palavras e frases. Numa de suas tarefas de TO, houve a solicitação para escrever palavras iniciadas com a letra E. A primeira? Eremita. Emocionei-me com o amor guardado, mesmo num cérebro danificado pelo sangue do derrame. Lágrimas inundaram meu rosto quando vi meu nome escrito, por sua letrinha trêmula, numa atividade para ordenar as letras em uma palavra. Ditados populares? “Filho de peixe, peixinho é”, dizia ele.
Ah, Pai! Quisera eu ser tão grande e forte como você. Quisera eu ser a Deusa que Mamãe foi. Daria tudo para poder colocar novamente a cabeça em seu colo, sentir suas mãos alisando minha cabeça e o ouvir dizer que tudo ficaria bem. Como desejaria sentir novamente as mãos de Mamãe coçando minhas costas. Lembro agora a música que tantas vezes ouvi no Dia das Mães, “eu quisera poder outra vez, mamãe, começar tudo, tudo de novo” e a que ainda canto quando preparo a mesa da sala, “naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim”.
Vontade de atravessar a ponte... 

31.3.13


A tela em branco, meu coração cheio de coisas sentidas e nem sempre reveladas.
Andei lendo sobre física quântica e tive umas ideias muito loucas. Aliás, este é um dos adjetivos que me rotulam, mas me sinto é livre para ser feliz.
Desde que meus filhos nasceram, priorizei viver ao lado deles, compartilhando nossos momentos simples, as coisas do cotidiano mesmo. E sempre soube que fazia aquilo por mim, pois queria guardar comigo a magia de nossas vidas juntos. Voltei ao clube Alemão com todos eles, dessa vez para um almoço rápido. Reconheceram alguns garçons, também foram lembrados por eles. Mas eu estava em outra dimensão, em outro tempo-lugar, pois os via ainda crianças, de bóia nos braços, brincando na piscina. Via-os nas aulas de natação, no futsal, no parquinho, todos tão lindos e fofinhos. Voltava para o aqui-agora com os chamados dos adultos que são e retornava para aquelas recordações que eram só minhas, pois não tinham as mesmas lembranças que eu. Fiquei feliz por carregar em mim tanta docilidade.
Aí pensei que a física quântica explica que tudo que vivemos fica registrado em nossa memória física e nos campos mórficos, campos energéticos, e que campos compartilhados ficam marcados para sempre. Percebi que podemos até contar para as pessoas que hoje andam ao nosso lado tudo que vivemos, mas será apenas um registro racional – tanto o meu quanto o dela -, pois não estivemos juntos naqueles momentos que se espalharam por todo o Universo. Engraçado isso, pois tenho filhos de casamentos diferentes e sempre senti assim. Meus novos companheiros compreendem, acolhem e amam as histórias e os rebentos, mas, na essência, não podem compartilhar tudo isso, pois a energia deles não estava lá quando as coisas aconteciam. E tudo isso não deixa de ser uma espécie de solidão, pois aqueles que dividiram conosco a gravidez, o parto, os primeiros passos, não estão ao nosso lado, pelo menos na intimidade, nas formaturas, nos casamentos, nas angústias vividas pelos filhos agora. É estranho, muito estranho... o mundo invisível e suas manifestações.
Outra coisa que me encantou nesse feriado foi a sabedoria da infância. Aprendi muito com minha sobrinha de três anos. Depois do mar, já na rede, hora de ouvir o cd com a voz da tia, contando a história O Rei Poderoso. Olhinhos curiosos, sorrisos no canto da boca.
Agora a tia contava a história de novo, na rede, só para a sobrinha:
-Tá diferente da outra vez, tia (a do cd).
Após a leitura exclusiva:
- Quem vai contar a história sou eu.
E lá se foi passando as páginas e contando tudinho.
- A fadinha tava zangada, muito zangada (no texto não existe esta palavra, mas, de verdade, a fadinha tinha ficado zangada e não apenas triste).
- O porco viu tudo, ele sabe o que aconteceu com a fadinha (o porco é o prato principal do banquete servido à mesa o castelo, um mero detalhe da caprichosa ilustração e que ganhou papel principal na releitura dessa menina linda de três anos).
Quando terminou a história, perguntei:
- Se o porco sabia de tudo, por que não contou ao rei o que tinha acontecido com a fadinha?
- Ah, tia! o porco tava de olho fechado, já tava dormindo!
Fiquei emocionada com suas observações. Isso é que é leitura. O autor até escreve a história, mas ela só acontece de verdade no encontro do texto - e da ilustração, neste caso -, com o leitor / a leitora. A prática confirmando a teoria.
Depois da visita à nossa casa na praia, fomos conhecer a terra da avó, lá no agreste pernambucano. Encantou-se com a natureza, com as árvores, com as pedras, com a bica, com os animais. Quando já estava se arrumando, penteando o cabelo, disse:
- Tia, você tem quase tudo.
- É? o quê?
- Escova, espelho... gatinho, au-au...
(olhando o espelho que havia sido da avó, encantada com os animais do sítio)
- Ah! tem vassoura, chapéu, varinha, caldeirão...
(referindo-se aos meus instrumentos de bruxa que havia encontrado na minha sala na Caleidoscópio)
Respondi:
- De tudo que tenho, sabe o que mais me faz feliz? As pessoas que amo.
Sorriu.
Acho que o que sua inocência infantil captou foi a sensação de plenitude que vivo no meu dia a dia. Claro que não tenho tudo, as dificuldades financeiras são bem grandes – se focarmos só no material -, mas vivo sempre feliz, aprendendo que os desafios surgem para a evolução do taco do Sagrado que trouxe nessa vida e que preciso harmonizar.
Minha sobrinha percebeu a energia que me cerca, pois vivo em paraísos construídos com amor, tentando manter uma rotina cheia de significado. Não nasci sabendo e percorri um caminho com algumas dores para aprender tudo isso. Já ela fará sua jornada de uma forma mais leve, pois trouxe consigo muita sabedoria. Feliz por você, minha linda!