2.4.13


Guardo, como herança, coisas simples que pertenceram aos meus pais. De minha mãe, tenho fivelas que usou até o dia em que se foi. De meu pai, tenho seus cadernos de exercícios das sessões de terapia ocupacional, atividades que desenvolveu devido às sequelas de seu AVC.
Como me dói ver suas limitações. As palavras cruzadas passaram de Desafio para Fácil. Grande matemático que era, mestre das probabilidades, passou a ter dificuldades para fazer pequenas contas ou registrar as horas num desenho de relógio. Contador de causos, mal escrevia palavras e frases. Numa de suas tarefas de TO, houve a solicitação para escrever palavras iniciadas com a letra E. A primeira? Eremita. Emocionei-me com o amor guardado, mesmo num cérebro danificado pelo sangue do derrame. Lágrimas inundaram meu rosto quando vi meu nome escrito, por sua letrinha trêmula, numa atividade para ordenar as letras em uma palavra. Ditados populares? “Filho de peixe, peixinho é”, dizia ele.
Ah, Pai! Quisera eu ser tão grande e forte como você. Quisera eu ser a Deusa que Mamãe foi. Daria tudo para poder colocar novamente a cabeça em seu colo, sentir suas mãos alisando minha cabeça e o ouvir dizer que tudo ficaria bem. Como desejaria sentir novamente as mãos de Mamãe coçando minhas costas. Lembro agora a música que tantas vezes ouvi no Dia das Mães, “eu quisera poder outra vez, mamãe, começar tudo, tudo de novo” e a que ainda canto quando preparo a mesa da sala, “naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim”.
Vontade de atravessar a ponte... 

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