Guardo,
como herança, coisas simples que pertenceram aos meus pais. De minha mãe, tenho
fivelas que usou até o dia em que se foi. De meu pai, tenho seus cadernos de
exercícios das sessões de terapia ocupacional, atividades que desenvolveu
devido às sequelas de seu AVC.
Como me
dói ver suas limitações. As palavras cruzadas passaram de Desafio para Fácil.
Grande matemático que era, mestre das probabilidades, passou a ter dificuldades
para fazer pequenas contas ou registrar as horas num desenho de relógio.
Contador de causos, mal escrevia palavras e frases. Numa de suas tarefas de TO,
houve a solicitação para escrever palavras iniciadas com a letra E. A primeira?
Eremita. Emocionei-me com o amor guardado, mesmo num cérebro danificado pelo
sangue do derrame. Lágrimas inundaram meu rosto quando vi meu nome escrito, por
sua letrinha trêmula, numa atividade para ordenar as letras em uma palavra.
Ditados populares? “Filho de peixe, peixinho é”, dizia ele.
Ah, Pai!
Quisera eu ser tão grande e forte como você. Quisera eu ser a Deusa que Mamãe
foi. Daria tudo para poder colocar novamente a cabeça em seu colo, sentir suas
mãos alisando minha cabeça e o ouvir dizer que tudo ficaria bem. Como desejaria
sentir novamente as mãos de Mamãe coçando minhas costas. Lembro agora a música
que tantas vezes ouvi no Dia das Mães, “eu quisera poder outra vez, mamãe,
começar tudo, tudo de novo” e a que ainda canto quando preparo a mesa da sala, “naquela
mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim”.
Vontade de
atravessar a ponte...
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