24.11.11

Estava conversando com minha filha sobre como o livro A Roda da Vida, de Elizabeth Kubler-Ross, havia mexido comigo e comentei as coisas que havia aprendido.


- Mãe, você fica se perguntando sobre o que fazer, sobre quando vai começar sua missão de vida, sobre ir para a África e sei lá mais o que, mas você pode começar agora, aqui mesmo. É só escrever sobre isso, dizer para as pessoas as coisas que está me ensinando com nossa conversa no sofá da sala. Todo mundo quer sentir o Sagrado em suas vidas, todo mundo que descobrir o significado de se estar aqui na Terra. Comece a tocar as pessoas pela escrita. E é pra já.

Simples assim, pelo menos foi como ela viu. Suas palavras tiveram ressonância em meu coração. Aquela bruxinha linda tinha razão.

Quando criança, apesar da infância feliz, a autora desejou ir para a África ajudar as pessoas que sofriam. Eu também. Fez muitos trabalhos voluntários que me mataram de inveja. Aprendeu a acompanhar seus pacientes no momento da passagem para o lado de lá e descobriu que há algo mais que o corpo que habitamos. Viu fadas e guias espirituais. Deu palestras e seminários pelo mundo todo. Defendeu um tratamento mais humanizado nos hospitais. Criou um centro de treinamento numa fazenda para que todos pudessem viver mais em contato com a natureza. Defendeu os pacientes com AIDS quando esta ainda era o novo monstro. Viu seus sonhos destruídos muitas vezes e sempre recomeçou, pois tinha uma fé inabalável na linguagem do Sagrado.

De uma forma que não sei explicar, minha vida e a dela se entrelaçam. Sinto que este caminho me é familiar, que já o trilhei em outras vidas, que tenho que começar a percorrê-lo nesta, mas que não estou disposta a me submeter à perda da convivência com meus filhos e meu marido. Não, de novo, não, e fico tentando fingir que não é comigo a intuição que brota cada vez mais forte no meu coração. Perder o despertar de meus filhos, perder o ombro do meu marido, perder a rotina tranqüila de um lar feliz, e sair pelo mundo sendo canal da Energia, ah! isso não, por favor, não. Haverá outra forma? Já segui os sinais tantas vezes. Saí da informática, um mundo tão sem dor e perfeito, e fui atender ao chamado para cuidar de almas. Anos e anos de amor e dedicação como curadora, numa entrega absoluta. Ainda houve os que necessitavam de cuidados e amor em casa e tudo isso sugou minhas energias de tal forma que tive que dar um basta. Precisei cuidar um pouco de mim. Pensei numa estratégia. Para continuar compartilhando o Amor, poderia escrever – blogs, livros, livros para crianças -, dar palestras, dizer ao mundo o que o Sagrado desejasse, ao mesmo tempo em que teria uma vida mais tranqüila, cercada do que me faz feliz. E assim construí meu reino encantado – com uma casa na praia e outra na mata – onde vivo este Era uma vez...

A Vida até que me deixou quieta por um tempo, mas os sonhos chegaram e me avisaram que estava pronta e que precisa começar; o tarô me disse claramente que deveria trabalhar com cura espiritual; os astros me colocaram no caminho de algo inusitado, ligado à espiritualidade, ‘algo novo, que está no sangue de sua família, mas que ninguém fez antes, e você vai poder trabalhar em casa’. Medito, rezo, oro, entrego-me. “Pai, em Tuas mãos entrego meu destino, mas, por favor, mostre-me qual é”. Não consigo saber.

Lendo o livro, fui tendo acesso às memórias do que combinei antes de vir para cá. As coisas ainda não estão arrumadas coerentemente em minha cabeça, apesar de já começarem a tomar forma no coração, centro de desenvolvimento humano, contato com a natureza, trabalhos de cura espiritual, sítio do meu avô, terra da minha mãe, palestras pelo mundo, literatura como fonte de esperança para crianças, pacientes terminais, foram coisas assim que surgiram enquanto aprendia com Elizabeth que o que importa na hora da morte é a vida que vivemos, não aquela que ficou esperando acontecer, guardada em algum cantinho de nossas almas. “Quanto amor você compartilhou na sua breve passagem pela Terra?”, será esta a pergunta do chaveiro do céu.

E agora?

23.11.11

Estava na rede lendo um livro fantástico, A Roda da Vida, quando meu filho caçula chegou e me entregou um papel:


- Seu último boletim.

Não entendi direito o que estava acontecendo.

- Aprovado. – disse ele.

Comecei a chorar de alegria, pois compreendi que ele estava livre da tortura de um ensino médio completamente descontextualizado. Foram anos difíceis, notas baixas, dificuldades de se manter preso à cadeira na sala de aula. Aliás, a palavra é preso mesmo, pois era assim que se sentia quando tinha que manter a bunda na cadeira, com a cabeça passeando por outros lugares e outros tempos.

Lembro o livro de Gilberto Dimenstein e Rubem Alves, Fomos Maus Alunos, onde relatam as tristezas de suas vidas escolares. Meninos inteligentíssimos que amargaram o fracasso escolar porque não sucumbiam às regras do sistema educacional vigente. Com meu caçula também foi assim. Doía quando o levava para as aulas particulares do final do ano e o professor me chamava no canto e comentava:

- É uma pena que ele esteja com notas baixas. É muito, muito inteligente e não tem dificuldade de aprendizagem alguma.

É, professor, a dificuldade é do sistema que não está preparado para educar os jovens num mundo onde não se aceita mais a submissão ao autoritarismo. Eles perguntam, questionam, lêem muito, discutem nas redes sociais. Não é mais a escola quem determina quais as informações às quais terão acesso. E aí... a insatisfação é geral. Há tanto que aprender, tanto por descobrir, e lá ficam os professores querendo que se decore os nomes das capitanias hereditárias, como denuncia Gabriel, o Pensador, na sua música Estudo Errado.

O que fazer?

Assumo, em parte, a responsabilidade por esse descompasso. Desde pequenos, ainda com fraldas e mamadeiras, meus filhos visitam museus, teatros, cinemas, festivais, livrarias. No carro sempre se ouve música de qualidade – da popular brasileira às clássicas – e, por isso, nenhum deles perguntará se Chico Buarque ainda está vivo, até porque ficamos mais de seis horas na fila para comprar os ingressos do seu último show aqui. No Natal, no Dia das Crianças, são famosos nossos presentes de kit cultural, com cd de música, dvd com filme ou show, e livros. Há ainda histórias com material de desenho e pintura, brincadeiras com água e contato com a natureza.

Uma vez, quando ainda eram crianças, faltou luz. Pegamos uma vela, o livro de Contos dos Irmãos Grimm, uma colcha e nos deitamos no chão da sala para uma viagem pelo mundo dos contos de fadas. Ficamos assim até que a luz voltasse e acabasse a magia do Era uma vez...

Pipoca e brigadeiro, para as sessões de cinema em casa; historinhas contadas na hora de dormir; conversas à mesa, sem tv ligada, nas refeições compartilhadas pela família reunida.

Isso tudo foi formando uma base intelectual sólida, onde aprenderam a não repetir informações como papagaios, mas a assumirem uma atitude reflexiva diante do que encontram pela frente. O caçula, o tal das notas baixas, está terminando de ler o livro Gregório Bezerra, Memórias. Vai fazer Ciências Sociais e Psicologia. O mais velho está fazendo Cinema e Produção Fonográfica. A mais velha conclui jornalismo e vai aprender como se fazem documentários. Nada de Direito, Medicina e Engenharia. E aí, como aguentar uma escola que prepara para o vestibular e não discute nada sobre a vida? Só ouvindo música dos lps de nossa radiola!!!!