23.4.11

Encontrando o xamanismo siberiano - parte 3

5. Viajando para a Sibéria – Diário de uma aventura


Estamos no avião, indo de Recife para São Paulo, cumprindo a primeira parte de nossa viagem. A nossa energia é de muita alegria. Estamos ansiosas... O que nos espera em Altay? Quais serão nossas transformações?
Fiquei pensando no percurso da minha vida. Tudo começou há muito tempo. Lembro-me da minha solidão infantil, dos momentos em que ficava pensando em algo que não sabia definir; choro emocionada. Desde pequena sinto a espiritualidade muito presente na minha alma. Tenho a lembrança de uma amiga da minha mãe ter comentado que apesar de eu ainda ser criança, eu era uma pessoa muito iluminada. Profecia? Percepção?
Catolicismo... Espiritismo... Espiritualidade... [que sono]
[...]
Já estamos voando em direção à Suíça. Nem acredito direito que estou indo para a Europa! Sonhei com essa viagem por tanto tempo... Percebi que não devemos adiar a realização de um sonho, seja qual for o motivo. Aprendi que podemos realizar qualquer coisa se a nossa Alma também está nesse desejo. Porém, aprendi que às vezes o que imaginamos como espetacular é algo bem simples. Com certeza, a felicidade está nas pequenas coisas, na nossa busca espiritual.
É tão bonito como percebo a vida agora! Sinto-me fazendo parte de uma grande teia, onde tudo está interligado. Não me sinto mais levando a teia, mas tecendo apenas o meu fio e, assim, construindo a teia junto com outras pessoas.
No meu coração sinto a energia amorosa do Universo e isso me dá forças para me curvar e louvar o milagre da vida e, ao mesmo tempo, dá-me a noção da minha insignificância diante do milagre e do mistério que é viver.
Quando era criança adorava ler livros sobre Atlântida, os egípcios, os maias, os incas, os astecas; nunca consegui estudar ou ver filmes sobre as guerras, o nazismo, os escravos. Memórias de vidas passadas?!
Perceber-me diferente e sozinha nessa diferença, trouxe-me muita dor. Vida espiritual intensa [pausa para o jantar, fila para o banheiro, tudo apertado e ainda falta tanto... ir à Europa não é tão divertido] e intelectual com facilidade. É bom ser inteligente, mas quando se é muito, fica-se com um sentimento de não pertinência...
O pôr-do-sol foi lindo. Tons de laranja cobriam o céu e o negro da escuridão, aos poucos, vinha dominando tudo. O branco das nuvens é tão luminoso. Será que o Céu é assim?
Agora já é noite. A estrela solitária do final da tarde ganhou mais companhia; são vários pontos de luz que iluminam a escuridão do Universo. Emociono-me por estar mais perto delas e da lua, que reina como uma deusa linda, mostrando-nos que tudo é impermanente.
Diante de tudo isso, sinto uma enorme saudade de casa e percebo como amo meu marido, meus filhos, meu pai, meus parentes e amigos, meu cachorro. A partir dessa descoberta óbvia, vou redimensionar minha rotina. Quero mais tempo para sair com meu marido, mais energia para fazer amor. Quero ficar mais com meus filhos, vendo filme, comendo pipoca e brigadeiros, lendo livros, passeando. Quero estar sempre em casa na hora das refeições para que possa compartilhar da presença dos meus entes queridos, especialmente do meu pai. Quero mais chás da tarde com amigos. Quero cuidar da casa, de flores e da cozinha. Quero tempo para escrever meus livros, para meditar e fazer ioga. Como conciliar essa minha essência com o meu trabalho, como Psicoterapeuta e Professora, com o Mestrado/Doutorado, com Roger, com Xamã? Quero ganhar muito dinheiro, quero abundância. Quero nossa linda casa de Gravatá. Quero viajar com minha família. Quero ser feliz com eles!!
Agradeço ao Universo pela oportunidade de desenvolvimento e de serviço ao Deus do Amor. Namastê!
[...]
Hoje, 27 de março de 2003, já estamos na Suíça, saindo agora para Moscou. A própria viagem já é uma prática espiritual, pois é muito cansativa. Ainda temos muito chão.
Se o pôr-do-sol foi lindo, o nascer do dia foi magnífico!!!!!!!! O céu azul e laranja sobre os Alpes Suíços cobertos de neve. Foi um escândalo!!!!!! Obrigada!
Quando o avião pousou, emocionei-me: estou na Europa. É tão estranho. Poder ver os pinheiros reais de Natal, as casinhas de telhado em pé para não acumular neve... Percebi, claramente, que o tempo, o espaço, tudo é relativo. Aqui são 10h, em Recife são 6h e a minha família se prepara para as atividades de um novo dia. Eu, em trânsito, onde estou? a que mundo pertenço?

22.4.11

Encontrando o xamanismo siberiano - parte 2

4. Mukhomor em Recife


Foi muito bom rever Mukhomor. Ele chegou vindo de Maceió/AL/Brasil. A tradutora Irina o acompanhava novamente.
Organizamos várias consultas, palestras, seminários, trabalho com crianças, meditação dinâmica e tudo fluiu muito bem. Dessa vez fiquei com ele mais de uma hora. Explicou-me que no nosso encontro em Brasília minha alma havia reconhecido a dele, lembrado do trabalho que eu teria que desenvolver e que havia ficado com medo. Por isso, eu havia fechado o meu campo energético e ele não tinha conseguido ver mais nada.
A organização do trabalho de um xamã é muito diferente de outras que realizamos.
Ele segue sempre a energia do espírito das coisas, das pessoas, das situações (“Os Espíritos estão nos dizendo...”) e isso provoca alguns contratempos na organização. Por exemplo, a consulta de uma pessoa pode durar quinze minutos e a de outra durar duas horas, quando ambas pagaram o mesmo valor. Uma outra situação que causa problemas para a organização é o agendamento de consultas, que podem começar depois do horário marcado ou ter algumas suspensas porque o xamã achou que era mais importante ir desenvolver uma outra atividade, como uma entrevista nos meios de comunicação, pois um maior número de pessoas seria beneficiado.
Sempre havia práticas corporais no parque da cidade pela manhã, pois o xamanismo defende a idéia da importância do ancoramento corporal no trabalho com energias espirituais. Depois tomávamos banho e íamos para as consultas. À noite, promovíamos palestra, meditação dinâmica, rituais de cura. No final de semana tivemos Seminários.
Uma coisa que nos impressionou é que os xamãs não comem quase nada. Organizávamos uma cesta com frutas, biscoitos, sucos, refrigerantes, chá, água e deixávamos tudo pronto na sala onde o xamã estava realizando as consultas. Quando voltávamos à noite para a limpeza, só havia sido consumida a água. O dia todo trabalhando, sem interrupção, e não havia fome!!!!! Haja energia.
Mukhomor nos sugeriu que organizássemos um Seminário de Cura Espiritual em Julho/2004 (não conseguimos).
De Recife o xamã seguiu para São Paulo, onde continuou seu trabalho com as energias espirituais.

Encontrando o xamanismo siberiano - parte 1

1. Primeiro contato

Quarta-Feira: Ligo para Eunice, grande amiga de Goiás, convidando-a para o nosso curso de Terapia Regressiva Integral, com Roger Woolger. Ela atende ao telefone um pouco atordoada e diz que acabou de chegar da Sibéria, onde se encontrou com alguns xamãs e ficou impressionada com a força do trabalho deles. Disse que passaria meu número para o pessoal de Brasília que iria trazer um dos xamãs para o Brasil.
Quinta-Feira: Estou no clubinho de mergulho e meu celular toca. É alguém de Brasília me convidando para o encontro com um xamã siberiano. Começa a me falar da força da energia do xamanismo e me pergunta se estou preparada. Respondo que o nordeste brasileiro é muito quente e que o xamã ‘pode vir quente que eu estou fervendo’ e que irei para Brasília. Não sei explicar o porquê, mas sinto uma enorme alegria. Desligo o telefone e aviso para meu marido que irei ao encontro de um xamã siberiano.
Sexta-Feira: Ligo para uma amiga psicóloga e a convoco para a viagem. Ela não fica muito entusiasmada, mas me pede mais informações. Ninguém sabe nada direito. Não temos dinheiro para as passagens, para as consultas com o xamã e para a hospedagem. Outra amiga poderia nos receber lá. Insisto na aventura da viagem e minha amiga topa ser minha companheira nesse caminhar.
Domingo: Minha amiga me liga dizendo que já está com as passagens dela na mão (foi levar o marido no aeroporto e ele lhe deu as milhas), vendeu uma granja que há muito tempo estava à venda e está com o dinheiro para as despesas da viagem. Milagre? Força xamânica?
Segunda-feira: Recebo um e-mail que quase me faz desmaiar, trazendo-me notícias de alguém muito importante no meu passado de mais de 20 anos atrás. E o xamanismo com isso?
Compro minhas passagens, consigo o dinheiro das despesas e combino a hospedagem com minha amiga. Todos me perguntam o que é um xamã. Não sei responder, mas me entrego à intuição. Cuidado com os chás, dizem alguns. Não tenho medo. Sei que isso é apenas o início de uma grande jornada de descobertas, experiências e conhecimento.

2. Viajando para Brasília

Vamos para Brasília, eu e Lígia. Simone nos recebe e nos leva para passear. Temos consulta marcada com o xamã na hora do almoço.
Chegamos no horário combinado e esperamos, esperamos, esperamos, por quase três horas. Finalmente chega o meu horário. Entro e dou de cara com um xamã grande, com olhos azuis enormes e com um olhar profundo. Ele está vestido com roupas rústicas e toca um tambor. Pede-me para fechar os olhos. Talvez eu tenha entrado numa espécie de transe. Começa a falar, em russo, sendo traduzido para o português por uma intérprete brasileira. Não gravo nada do que fala. De repente, ele diz que irei mudar de dimensão. Fico chocada, pois havia tido essa mesma mensagem alguns meses antes e não a tinha levado muito a sério (pelo menos conscientemente). Ele me pergunta se tenho algum questionamento; respondo que não; ele começa a se inclinar e a dizer ‘Namastê!’. Fico sentada olhando para ele, sem entender o que está acontecendo. A tradutora me diz que devo sair. Surpreendo-me porque eu não havia passado nem 15 minutos com o xamã. Viajei de Recife para Brasília, paguei mais de cem reais pela consulta e não aproveitei nada. Que idiota!!!!!
Aviso para Lígia que ela deve fazer perguntas. Ela fica quase uma hora com o xamã. Vamos para a casa de Simone e devemos voltar à noite para irmos para o local do Seminário. Marcamos na MacDonalds. Ninguém aparece. De repente, chegam duas jovens que tentam nos orientar, mas também não são da cidade. Uma delas vai conosco no carro e nos diz que o apartamento que vamos é num daqueles prédios ‘ali’ (em Brasília os edifícios apresentam um projeto arquitetônico semelhante) e que na porta tem um espelhinho. Nessa hora, ‘surto’. Começo a ter uma crise de risos. Minha amiga Simone anota o endereço, a placa dos carros, pois tem medo de estarmos sendo levadas, eu e Lígia, algum tipo de ritual macabro.
Seguimos para um sítio a 40 km de Brasília. Sinto muito frio. Camas simples; durmo como pedra.
Práticas matinais, meditação, alimentação sadia, caminhada à noite pela mata (como sou baixinha o mato quase me cobre), ritual com tambores à tardinha. Tudo muito mágico, alegre e simples.
Compramos cd, camisa, livro. Lígia compra um amuleto (o seu primeiro).
Voltamos para casa mais energizadas. O que aconteceu?

3. Sirena e Soledad em Recife

Tentamos várias vezes trazer o xamã para Recife, mas nada dava certo. Nas férias de Janeiro/2004, eu estava numa praia longe da cidade, Lígia estava em São Paulo e Ana – outra amiga que topou organizar a vinda dos xamãs para Recife – estava nos Lençóis Maranhenses, uma xamã chilena (Soledad) nos liga, avisando que estaria na cidade com outra xamã russa (Sirena). Justificamos nossa ausência nos encontros e nos despedimos. Não sei explicar como tudo aconteceu, mas no dia da primeira palestra delas aqui estávamos eu, Lígia e Ana na primeira fila do auditório.
Depois dessa palestra tivemos vários encontros com as duas e combinamos a vinda do xamã Mukhomor a Recife. Investimos financeiramente em alguns cupons para futuras consultas e seminários com o xamã.
Tivemos o carnaval e na quarta-feira de cinzas, quando estava indo de carro com meu marido para um almoço na casa de meus sogros, recebi o telefonema de Soledad me informando que eu, Lígia e Ana estávamos sendo convidadas para irmos para a Sibéria, para um encontro internacional, onde haveria a presença de vários xamãs e do mestre Bogamudr Altay Khan. Respondi no mesmo instante que iria. Desliguei o telefone e meu marido me perguntou “Para onde você vai?”; respondi-lhe “Para a Sibéria.”. Ele arregalou os olhos e a partir daí tudo foi muito mágico e as coisas começaram a fluir.
Fiz um empréstimo no banco para poder financiar a viagem. No dia seguinte recebi um telefonema de um corretor de imóveis avisando-me que tinha uma proposta de compra à vista para um terreno que eu tinha colocado à venda há mais de 12 anos. Quase não acreditei!!!!! Vendi o terreno, quitei o empréstimo e pude viajar tranqüila. Milagre?!!




19.4.11

"Fogo que arde e não se vê".

Fico pensando em quantas coisas o coração da gente sente e não diz. Não diz porque não pode, porque as pessoas com as quais convivemos iriam ficar chateadas, porque o que desejamos dizer pode nos colocar numa situação delicada. E, assim, passamos a vida guardando segredos num coração que vai ficando fraquinho, fraquinho, porque não pode viver plenamente.

A grande maioria do que não pode ser revelado se refere a sentimentos amorosos. É um ‘eu te amo’ que fica guardado no peito, é um ‘que saudades eu sinto de você’ que fica trancafiado, é um ‘volta para mim e vamos começar tudo de novo’. Muita gente espera a morte chegar para se mostrar inteiro na transparência da alma numa outra dimensão. Lá, no horizonte, não se consegue esconder os segredos do coração. Acredito assim.
Então, fiquei matutando com meu coração e meus botões, se a minha passagem se fizesse hoje, o que seria revelado que meu coração guarda a sete chaves? Sei que ele falaria do enorme amor que guardo por meu primeiro namorado. Como gostaria de encontrá-lo, numa esquina da vida qualquer, e conversar sobre como foram nossas vidas. Será que não ficamos juntos por medo, por covardia, pois o que sentíamos um pelo outro era grande demais para o corpo dar conta? Será que nossas almas irão ficar juntas no novo endereço? Outro sentimento que cultivo com carinho em meu coração é o amor pelo meu primeiro marido, o homem por quem perdi a cabeça, cujo corpo fazia o meu arder em quarenta graus, com quem tive minha primeira filha, também com quem construi os mais belos castelos do meu conto de fadas. Sonhei que seria feliz para sempre ao seu lado. Esqueci que pra sempre, sempre acaba... O que revelaria o meu coração sobre os meus sentimentos em relação ao meu segundo marido? Haveria mágoa, dor, abandono, mas sei que muita gratidão por um dia-a-dia repleto de cenas de margarina de uma família feliz. Ao seu lado pude resgatar meu feminino e com ele tive dois filhos lindos. Sem as máscaras que uso do lado de cá, ele poderia ver o quanto lhe quero bem.
Há o que meu coração gostaria de falar para meu companheiro atual e que muitas vezes faz silêncio por respeito à sua alma grande, com muitas dificuldades de lidar com o ego. Vou deixar que este pedaço do coração tenha voz na outra dimensão.
Estava deitada na cama, vendo o dia começar e a chuva tomar conta de tudo, e pensei que eles fizeram parte de minha vida, viveram comigo a minha história e que nos textos que escrevo e que são pedaços de mim, escondo-os em pronomes – ele, dele, seu, meu, nosso – sem citar seus nomes. Li num livro, outro dia, que um marido de escritora não pode desejar privacidade e anonimato. E ex amores podem?
Quando a gente dá um beijo na boca, tem a boca de um, a boca da outra pessoa, e como é que se pode contar do beijo sem falar do outro? Não se beija sozinha. Então, como falar dos amores que tive, sem falar dos homens que amei?!
Ando saudosista, viajando pelo passado, com saudades das que fui e do que já vivi. É tão bom lembrar momentos felizes. Resolvi que vou contar a minha versão dessas histórias. Eles que contem as deles.
Hoje vi e ouvi Vinicius de Moraes. Mexe com nossa capacidade de amar. Poetinha sabido, este!
“A vida só se dá pra quem se deu”.

Viagem ao Chile - parte 7

Acordamos, tomamos nosso ‘tradicional’ café e descemos para trocar U$. O banco, ao lado do hotel, só troca a partir de U$100.00 e queríamos apenas U$60.00. Na loja da galeria da estação do metrô Los Leones fizemos o câmbio e voltamos para o hotel para nos encontrarmos com Pedro, o responsável pelo pagamento de nosso quarto no flat. Como a máquina estava quebrada, combinamos para as 20h. Fomos de metrô para a Estação Santa Lúcia. Visitamos o Arquivo, a Biblioteca Nacional e vimos o Teatro, que está em reforma. Seguimos para o Morro (Cierro) Santa Lúcia, um espaço com muito verde e castelos. Há muitas fontes espalhadas pela cidade e as pessoas as utilizam para banho. Este Parque é municipal e estava cheiod e guardas. A manutenção do mesmo deixa a desejar. A entrada é gratuita e é uma das poucas opções para as segundas-feiras (Lunes). Aqui existe um Centro Cultural Indígena que vende objetos de várias partes do país. Fizemos a visita sem pressa. Eu estava muito mole, já gripada, e o corpo todo doía. De lá seguimos a pé até a estação de Baquedano para tentarmos comprar nosso Don Quixote, de bronze e cobre. A caminhada foi rápida e tivemos o prazer de conhecer o Parque Florestal. Conseguimos achar a loja e compramos nosso herói sonhador que, em muito, pode ser o símbolo de Roberto Arrais. Metrô para casa. Almoçamos o mesmo menu do café da manhã, fomos para a piscina e Roberto tomou mais um banho, desta vez sob sol fortíssimo. Voltamos para o quarto, descansei, ele escreveu e seguimos para um passeio pela Providencia, em busca de um café. Acho que o melhor é o café Lyon, onde fizemos nossa primeira refeição, mas optamos por outro para conhecer coisas diferentes. Estávamos numa mesa e dois amigos em outra, mais próximos da rua. De repente, um galho imenso da árvore caiu sobre a cabeça de um deles. Foi gente, copos de cerveja, cinzeiro, mesa e cadeiras para todo lado. Tomamos o maior susto. A municipalidade foi avisada e logo, logo, chegou um carro para apurar o desastre. Depois do café e dos sanduíches ($5000), fomos dar uma volta pela Parque das Esculturas, bem na esquina de nosso hotel. Eram quase 20h e encontramos muitos casais deitados na grama, um em cima do outro, aos beijos e abraços, em plena luz do dia. Homens com homens, mulheres com mulheres. Viva o amor!
Uma coisa que chamou nossa atenção foi a agressividade na aborgagem ao turista: no aeroporto, na rodoviária, em Valparaiso. No Morro Santa Lúcia fomos abordados por um casal que nos ofereceu poesia. Diziam-se estudantes e que não tinham dinheiro para pagar o último período da faculdade. Demos $1000, acharam ‘mui pouco’, pediram mais, mostramos que só tínhamos o dinheiro da volta do metrô, pediram reais. Muito desagradável. Às 20h estávamos no hotel, conseguimos pagar com cartão de crédito e fiquei com pena de não termos usados os dólares – resto da viagem de Roberto ao Japão – para uma visita à Coordilheira. Tomamos o resto de nossa caixa de vinho, comemos o resto de nosso pacote de bolacha e ficamos lendo e conversando sobre nossos escritos. Antes disso, enquanto estava deitada, não sei se sonhando ou em transe, vi um poema inteiro se formar em minha mente. Levantei-me, em silêncio, para as palavras não irem embora, e o coloquei no papel. Durante a madrugada acordei com mais alguns na cabeça e me levantei para escrevê-los. Aproveitei para me despedir da Cordilheira, da cidade. Peguei meu casaco, abri a porta da varanda e pude ver as estrelas e escutar a canção do Mapuche, mais uma vez. Senti saudades. Agradeci a troca energética e sabedoria compartilhada. Fui dormir.



Destino

Na origem, o ovo.
Abastecida, alimentada, protegida.
O Todo
No caminho, o ninho.
Acompanhada e quieta.
A Falta.
O destino, o voo.
O Nada.
Solitária e livre.
Abrir as asas e ir às alturas.


Coordilheira

Quieta.
Lua chamou.
Estrela cantou.
Folha caiu.
Seguiu-a.
Vento ficou frio.
Abriu os olhos.
Sentiu a imensidão.
Viu a majestade.
Estava nua.
Com as pontas dos dedos,
conheceu seus segredos.
Piscou.
Ainda lá?
Receio de ir.
Voltar a ser o que sempre fora?
Pequena.
Contemplara o silêncio.
Transformara-a.
Caminho sem volta.
Em que direção?
Liberdade.


O mar

E
vai
e
volta.
E
vai
e
volta.
E
vai
e
volta.
Dissolve-se
em partículas
no ar.
E canta.
Música compassada,
repetida.
Sinfonia que traga.
Vai-e-vem que enfeitiça.
Nada
é para sempre.
Lugar
é imensidão.
Tempo
é eternidade.
Ser feliz
é agora.
E
vai
e
volta.
E
vai
e
volta.
E
vai
e
volta.



Neruda


Fecho os olhos.
Sonho.
Vejo o futuro.
Começo a criação.
Espalho brinquedos.
Pinto cores.
Invento sons.
Crio cheiros.
Planto vida.
Coloco o que me é caro.
Cada coisa em seu lugar.
Abro os olhos.
A obra está pronta.
Já estou no futuro.
Fecho os olhos.
Sonho.
Vejo novo futuro.
Começo a criação.


Dia de ir embora. Acordamos, café da manhã, mala, documentos. Banhos. Fechar mala. Até breve!

 








Fotos: Patrícia e Roberto Arrais


Viagem ao Chile - parte 6

Depois da visita tomamos um café e seguimos para o Festival do Abraço, no Parque O’Higgins, organizado pelo Partido Comunista e pelas forças de esquerda. Ficamos impressionados com a grandiosidade e a beleza do evento. Mais de 15000 pessoas pagaram $2000/cada para participar da festa. Havia apresentações folclóricas, shows, venda e exposição de livros, revistas, jornais, cds, dvds, todos ligados a temas políticos. Barracas com representações de partidos, de países (Cuba, Venezuela, Bolívia, França), de organizações, de movimentos. Comidas e bebidas, brincadeiras para crianças. Famílias inteiras sentadas ou deitadas pelo gramado do lindíssimo e imenso parque. Havia tendas com fóruns, onde se discutiam temas relavantes para a política no momento: Lei para a Terceira Idade (tivemos a oportunidade de ouvir Mireya Baltra, Ministra do Trabalho de Salvador Allende, que hoje está à frente desta luta), Meio Ambiente, Educação e tantos outros. O público também estava presente nestes espaços, ouvindo discutindo, participando. Lá encontramos o camarada Luis que nos recepcionou no Comitê Central do Partido Comunista. A participação brasileira no Festival foi nenhuma. Vimos um militante com uma camisa do PT, vimos uma bandeira do MST e, entre tantas outras, uma bandeira do Brasil. Que pena! Tomamos algumas cervejas, compramos cds e dvds. Não tivemos $ para bandeiras e camisetas. Saímos de lá por volta das 19h, deixando no Parque uma verdadeira multidão. Pegamos o metrô, voltamos para Providencia, fomos ao supermercado e compramos água – estávamos sem uma gota – e alguns extras – queijo e presunto. Na hora de pagar a conta, cadê os pesos? Havíamos confundido a nota de $2000 com a de $20000. Contamos todas as moedinhas e conseguimos arrumar o $. Gastamos U$50.00 sem sentir. Voltamos para o hotel, os pés pretos pela poeira do Parque, exaustos. Banho, jantar e lona. Às três da madrugada acordei com calor. Abri a varanda, vi estrelas e escutei o silêncio. Fui percebendo uma canção suave, ritimada, que me foi chegando devagar: era a música do Rio Mapocho que me enfeitiçava. Lindo o som de sua correnteza, possível de ouvir pela ausência de movimento de carros na avenida. Ao som de sua canção, fiquei com saudades do Chile. Este é um lugar para se visitar diversas vezes. Não consegui visitar o Museu dos Indígenas – em outras vidas fui xamã entre astecas, maias e incas – e lugares especiais de Santiago, além da casa de Neruda em Isla Negra, Ilha de Pascoa, Andes (com neve e desertos), Lagos Andinos. Como estamos com pouquíssimo $, não comemos em restaurantes, não provamos a típica comida chilena, não compramos seu riquíssimo artesanato, não fizemos farra no Bella Vista. Dentro do impossível, fizemos o possível. Estamos felizes.























Fotos: Patrícia e Roberto Arrais

Viagem ao Chile - parte 5

Aniversário de Ricardo... Saudade dele...

Acordamos cedo, organizamos o café e nos preparamos para sair. Pedimos ao recepcionista do hotel informações sobre locais de câmbio, pois precisávamos trocar U$ 50.00, já que não tínhamos $ nem para o metrô. Informou-nos que tudo estava fechado, era domingo, e chamou, por telefone, Sebastian, o responsável por nosso flat. Trouxe-nos os pesos e seguimos para o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, pagando uma única passagem de metrô (metrô Los Leones, metrô Baquedano (combinacion), metrô Quinta Normal), com entrada grátis no museu.
Ele foi um presente da última presidenta chilena ao seu povo, resgatando a verdade de sua história no golpe militar de 1973. A arquitetura do prédio é belíssima, com espaços para exposições, teatro, estacionamento, facilitando seu acesso o fato de ser na própria estação do metrô Quinta Normal. Na entrada há um gigantesco painel com o último poema escrito por Victor Jara, no estádio em que foi assassinado, salvo porque seus companheiros partiram o papel em pedaços – cada um ficou com um trecho – que depois foram entregues a sua viúva (o poeta foi torturado, teve suas mãos quebradas – para que não tocasse mais violão -, e assassinado pela ditadura militar). Deixamos bolsas e mochilas e seguimos a visita orientada por um excelente guia. Vimos fotos de pessoas ao redor do mundo que têm os seus direitos violados – estas fotos formam um painel com o mapa mundi. Há também a representação dos países que têm suas Comissões de Verdade, onde se busca resgatar a verdadeira memória daqueles que desapareceram, foram torturados ou assassinados por ditadores em todo o mundo. Robertos entiu falta da representação do Brasil. Em outra instalação há fotos dos monumentos que homenageiam os heróis da resistência à ditadura de Pinochet e que estão espalhados por todo o país. No Chile há uma política de reparação às vítimas, com financiamentos de casas, assistência médica – inclusive psicológica -, capacitação profissional. Tudo que se conta no Museu é baseado em documentos históricos, relatos de pessoas envolvidas, informações resgatadas, cruzadas e sintetizadas pela Comissão de Verdade do Chile.
A visita é extremamente emocionante, com vídeos trazendo imagens reais e depoimentos das vítimas ou de seus familiares. Há o discurso de Allende, o bombardeio de La Moneda, os tanques nas ruas, os direitos humanos sendo violados nas ruas e nas casas de tortura, com descrição detalhada das técnicas usadas pelos militares, que não consigo registrar aqui. O povo chileno lutou, percebeu a enorme manipulação dos meios de comunicação e se organizou na clandestinidade para o retorno da liberdade ao seu país. A participação das mulheres chilenas foi fantástica. Dançavam o folclore com lenços com os rostos dos desaparecidos, usavam a arte da tapeçaria para denunciar a absurda violência que imperava no país. Chorei muitas e muitas vezes durante a visita, assim como Roberto, mas um dos momentos mais emocionantes é o que retrata o sofrimento das crianças chilenas neste triste período. Há desenhos, cartas, fotografias e depoimentos. Por várias vezes tive medo de desmaiar, pois me sentia sem ar, sufocada, com um aperto no peito, tudo travado. É difícil ver a crueldade humana. Além disso, um processo muito semelhante ocorreu em meu país. Eu tão alienada à época. Será que também não estou sendo omissa agora, quando ainda há tanto por que lutar? Aliviou um pouco a minha angústia quando chegamos ao setor do fim da ditadura, onde vídeos mostravam a alegria do povo nas ruas e a posse do novo presidente. Daí seguimos para uma instalação belíssima que retratava as vítimas deste processo doloroso num jogo de luzes, de claro/escuro, que nos coloca como participantes desta luta. No lado externo do pátio do Museu há painéis com a Declaração dos Direitos Humanos e na área reservada às crianças há a Declaração dos Direitos das Crianças.
No final da visita registrei algumas observações no Livro de Memória: o que levaria um irmão a torturar e matar um outro, seu compatriota? quão grande é o poder de manipulação dos meios de comunicação? até quando vamos permitir que o governo norte-americano explore economicamente, manipule, torture e viole os direitos dos povos ao redor do mundo sob a máscara da defesa da democracia e dos direitos humanos? Isso dá uma raiva enorme! Provocam guerras em outrso países, destroem nações, mas em seu solo reina a paz e a abundância, às custas das guerras e da pobreza que disseminam. O meu consolo é que há uma justiça maior e que tudo é energia que segue a lei do bumerangue: o que vai, volta. Já começamos a sentir as consequências de tanta exploração quando vemos as crianças africanas só na pele e no osso e a obesidade doentia das crianças norte-americanas. Depressões, corações doentes, taxas corporais descontroladas. A economia do imperialismo ruiu. Claro lá que algo mudou. Elegeram um presidente negro, com ascendência mulçumana!
Depois da visita tomamos um café e seguimos para o Festival do Abraço, no Parque O’Higgins, organizado pelo Partido Comunista e pelas forças de esquerda.





Fotos: Patrícia e Roberto Arrais