23.4.12

Era uma vez uma pedra muita linda que vivia num riacho, lá numa floresta.




De tanto ouvir as águas claras falarem com alegria e entusiasmo do encontro do rio com o mar, ficou querendo conhecer também essa maravilha. Tinha escutado que a água do mar tinha gosto de sal e que ficava sempre num movimento de ir e vir, parecendo até uma rede balançando, e isso era o que chamavam de ondas do mar.

Mas todas as águas do riacho que iam em direção ao mar, só iam e nunca voltavam para contar exatamente como era lá, como era para um rio se entregar ao mar. Sabia dessas poucas coisas porque alguns peixes seguiam o rio ao contrário e traziam as novidades do que viam nas outras terras, às vezes tão distantes do local onde a pedra vivia. Pedra não sai andando por aí e ficava toda tristinha, com aquele desejo guardado dentro dela.



- Será que o rio morre quando se dissolve no mar? Ou será que não volta para contar porque se torna tão grande que fica metido à besta?

Um dia, uma ventania muito forte soprou vinda do lado do mar e contou à pedra que o rio não voltou, não porque morreu, mas porque se tornou oceano. A pedra ficou louca de vontade de também virar a mesma coisa.

Como existe tempo para tudo nesse mundão, chegou o momento da pedra realizar seu sonho.

Veio pelo leito do riacho um homem, já mais velho, bem magrinho, com um grande chapéu na cabeça e uma barba branca bem comprida, num bote, remando bem devagar. Porque ele não vivia com pressa, sabia conversar com tudo que existia – pedras, plantas, animais, rios, estrelas – e pode ouvir o pedido da pedra:

- Amigo, por favor, me leve com você para conhecer o mar.

O coração do homem bem sabia o que é ter sonhos a realizar. Pegou a pedra com carinho e a colocou numa almofada sobre o bote, pois dessa posição ela poderia ir vendo tudo. Com carinho e paciência foi contando para a pedra o que era cada coisa nova que ia aparecendo no caminho.

Veio a lua, veio o sol, vieram as estrelas, veio novamente o sol. Começaram a ouvir uma música diferente. O homem explicou que aquilo era o som do mar. A pedra tremeu de emoção, o homem encheu seus olhos d’água. O desconhecido estava tão pertinho.

O homem parou o bote, colocou a pedra na mão, bem junto a seu peito, e juntos contemplaram aquela imensidão. Viram as ondas dançando e ficaram querendo também se misturar àquela beleza enorme.



Eram tantos pontos de luz refletindo o sol que a pedra não conseguia dizer qual a cor do mar.



O bote seguiu seu caminho e o homem deixou, amorosamente, a pedra sentir o gosto do sal. A água era morna e envolveu a pedra com delicadeza. Foi afundando, afundando, afundando, bem devagar. A pedra do riacho sorriu feliz. Tornara-se Oceano.


Fotos: Roberto Arrais
- Mãe, que horas são?


- Dez e meia.

- Já começou a TV Grobinho. Bora pra casa?

Este foi o diálogo que ouvi entre uma mãe e suas duas filhas que brincavam na beira da praia em Maria Farinha. Maré Baixa, céu azul, mar bem calminho. As crianças faziam castelos de areia.

Fiquei atônita com o pedido, pois, para mim, estavam num paraíso e iriam chorar quando a mãe as chamasse de volta para casa, seria a hora da escola e coisa e tal. Então, lembrei uma história que li no livro Socorro! É proibido brincar., onde a autora relata uma cena semelhante. Conta ela que estava na praia com uma amiga e seus dois filhos e os meninos ficavam sentados na areia, de cara emburrada, reclamando que não tinham coisa alguma para fazer. Comentavam que preferiam ter ficado em casa, vendo TV, jogando videogame ou na internet. Refletia a autora que as crianças dessa época estavam desenvolvendo uma postura passiva diante das coisas que se apresentavam para elas, sem a força da ação, e questionava que sociedade construiriam. Depois recordei outra história de filhos de amigas minhas que para concordarem com a viagem para a casa de campo, exigiam que fossem levados os videogames e os computadores, pois lá não teriam o que fazer. Viajei no tempo e vi meus filhos, bebês ainda, montados em cavalos, brincando com galinhas, descobrindo as plantas, tomando banho de bica. Bem que achavam muito o que fazer numa casa de campo.

Fiquei me perguntando: por que um comportamento tão diferente do outro, num grupo de crianças da mesma idade, envolvidas pelo mesmo ambiente?

Claro que é importante para as crianças o acesso aos instrumentos culturais de sua sociedade – os computadores, a internet, os videogames, os celulares fazem parte disso -, mas não podemos deixá-las interagir apenas com a tecnologia que funciona na dimensão do virtual, da abstração. Isso tudo é um recorte das imensas possibilidades do viver. Há a natureza, os esportes, a literatura, a música, o teatro, o cinema, a fotografia, as artes plásticas, a dança, enfim, outras linguagens que precisam experimentar para que possam fazer uma ampla leitura do mundo. Sem falar nas questões espirituais e emocionais.

Precisamos acordar, antes que nossos filhos virem autômatos. Se isso acontecer, ficarei arrasada, pois há muito tempo, numa aula do meu curso de Ciência da Computação na UFPE, briguei com um professor que dizia que o amor poderia ser implantado nas máquinas através da teoria dos autômatos. Será que ele me provará que tinha razão?





OBS1: Oba! As crianças não foram embora. Vi-as da varanda e ainda estavam lá e brincando. O mar ganhou!!! A tv perdeu!!

OBS2: Ontem estava trabalhando no terraço da casa do sítio de meu avô, no meio da mata, em Lagoa dos Gatos. Hoje estou trabalhando na varanda da nossa casa de praia, em Maria Farinha. Novas formas de ser feliz.