8.12.06

Estranha no Ninho

Era uma pessoa estranha naquele lugar. Sozinha à mesa, trazia nas mãos um livro. Lia, observava coisas e pessoas ao redor, voltava a ler alheia ao movimento e ao barulho.
Placas luminosas anunciavam nomes de lojas e lanchonetes. Crianças corriam de um lado para outro e soltavam gritos de satisfação. Mulheres, cheias de sacolas, iam às compras para preencher o vazio que sentiam. Homens tomavam chope e espantavam suas tristezas, usando a máscara do caçador – agora as presas eram as mulheres.
Nada disso tirava sua atenção da leitura. Devia sentir frio, pois usava um casaquinho por cima da roupa.
De repente, fechou o livro, puxou sua bolsa para perto de si, tirou os óculos, arriou a cabeça sobre os braços na mesa, fechou os olhos e adormeceu.
Fiquei ali, ainda sem acreditar no que estava vendo, observando a cena inédita: uma mulher dormindo numa praça de alimentação de um shopping center na época do Natal! Recuperei-me do susto e senti inveja da serenidade daquele rosto. Resolvi velar seu sono. Talvez fosse um anjo e anjos precisavam de paz.

4.12.06

Afrodite nos inspira

Preparou-se com afinco para ler o livro de sua amiga sobre mulheres comuns. O texto, porém, seria sobre a Deusa Afrodite. Então, banho gostoso, creme de mel, hidratante, perfume francês, batom vermelho, camisola de seda. Incensos e velas. Uma boa música também seria fundamental. Afinal, Afrodite merecia.
Deitou-se na cama macia e se deliciou com a sabedoria de sua Deusa. De verdade, ela entendia a Alma feminina. Lembrou-se das inúmeras confidências de suas amigas que falavam sobre amor, sobre fazer amor, sobre carinho e respeito.
Se os homens pudessem ouvir as palavras trocadas ao redor de uma mesa ou de uma fogueira, compreenderiam que as mulheres são tão diferentes deles em seus anseios mais secretos. E, aí, quem sabe, as diferenças não seriam vistas como ‘algo inferior’, mas seriam aceitas como a riqueza da diversidade.

3.12.06

Medo

Quero me convencer que tudo acabou. Meus sonhos me traem e minhas lágrimas teimam em sair por você, apenas por você.
Minha saudade é para você.
Meu melhor sorriso é para você.
Minha alegria é para você.
Se sinto que minha vida pulsa por você, por que não me mexo? O que me impede de sair pelo mundo gritando o meu amor? O que me impede de olhar para você cara a cara? Por que não luto pela chance de viver esta história de amor?
Percebo quando me chama. Meu coração começa a derreter bem devagar. Um calor gostoso vai tomando conta do meu corpo. Um risinho surge no canto da boca. Meus olhos brilham mais que a mais forte das estrelas.
Do que tenho medo?
Da vida.

Gaiolas de Ouro


Fazia tempo que não andava a pé pelas ruas. O dia estava lindo com o céu sem nuvens. O brilho do sol deixava douradas todas as plantas do parque. Pássaros embalavam com sua melodia as brincadeiras das crianças. O perfume das flores era tão forte que a deixava um pouco zonza.
Sentou-se num banco e começou a olhar o movimento. Adultos faziam exercícios físicos em busca da saúde perfeita, do corpo perfeito. Existiria corpo perfeito? Como se poderia ter um único modelo para o belo?
De repente, olhando para as varandas dos prédios luxuosos, viu uma cheia de gaiolas de passarinho. Ficou com um coração partido. Aquilo era uma tortura. Prender passarinhos e tirar-lhes a liberdade de voar, tendo como paisagem um parque cheio de árvores e de outras aves com o direito de ir e vir quando desejassem! Isso era uma tortura. Seu coração chorou e lágrimas caíram de seus olhos.
Lembrou, então, que muitas pessoas também vivem assim, presas em gaiolas de ouro – casamentos, empregos, profissões, modelos de beleza -, tendo como tentações a imensidão do mundo, as inúmeras possibilidades de serem livres e felizes. Só que existe uma diferença entre pessoas e passarinhos presos em gaiolas: aquelas podem abri-las.
Agora quem chorou foi sua Alma.