25.4.13


Lagoa dos Gatos é a terra da família de minha mãe. Estive lá ainda criança, brinquei de roda gigante nas festas de São Sebastião, corri do Mateu nos carnavais, pulei poça de lama cheia de sapo, tomei banho com água bombeada à mão, ouvi histórias à luz do candeeiro. Foi lá minha primeira menstruação. Os forrós pé-de-serra nos terreiros em noites enluaradas, os banhos de bica com as cantorias nos violões, o gosto doce das jabuticabas tiradas no pé, as mangas chupadas nas pedras, a alegria e as cores da feira de rua, são para mim lembranças de um mundo encantado, daquele que se ouve em livros que começam com Era uma vez...
Voltar à terrinha santa já adulta foi um retorno ao colo da minha mãe, ao carro guiado por meu pai em direção aos encontros familiares. Agora quem levava as crianças era eu. Desejava que conhecessem os encantos escondidos nas frutas, nas árvores, nas montanhas, nas pedras, na bica, nos animais, no açude, no vento frio, nas paredes da casa de meus avós.
Mas a vida me preparava outro destino. Quis que fincasse raízes na terra dos gatos maracajás e criasse outras histórias. Inventei a Caleidoscópio – uma fábrica artesanal de livros -, montei o Pó-de-Estrelas – um local de cozinha artesanal e cultura -, resgatei as terras sagradas de meus ancestrais e assumi o sítio numa reverência à Mãe Terra – chamo-o de Pachamama – e expandi o território tendo a “casinha branca com varanda para ver o sol nascer”.
Da executiva tecnológica que outrora em mim existiu não há resquícios. Mulher sem saltos e bicos finos, com os pés na lama e as mãos na terra, sinto-me em casa no meio daquela natureza grandiosa. Meus vizinhos me ensinam sabedoria. Os ciclos da vida se fazem presentes a cada nova ninhada, a cada nova florada. Converso com as pedras, com as árvores, com os animais, com a água, com o vento. Aprendi a perceber os detalhes, a me entregar ao ritmo do sol, da lua e das estrelas. Olho para fora, vejo dentro. Descobri que enxergo o mundo não apenas com retina, pupila e cérebro: sinto o mundo é com o coração. Quem me ensinou a magia? As histórias sussurradas pelo canto dos pássaros que me dão bom dia, as outras farfalhadas pelas folhas das mangueiras e as cantadas pela música das águas que escorrem por entre as pedras. Às vezes, quando tiro os óculos e aperto os olhos com força, vejo meu avô com seu machadinho plantando café nas subidas do sítio e minha avó chamando os filhos para o bolo que acabou de sair do forno de lenha, escuto minha mãe rindo atrás da porta com um bolo inteiro na boca, percebo o som dos índios dançando na caverna atrás de casa. De repente, como se estivesse no meu quarto de criança, vejo minha mãe sentada na beira da cama, sorrindo com um livro de histórias na mão, dizendo-me: ... E foram felizes para sempre.


































Nenhum comentário: