Foi
estranho estar em Lagoa dos Gatos, vivendo a rotina de alguém do interior, com
uma amiga querida dos tempos da informática. Àquela época, eu era uma executiva
de sucesso, vivia com uma pastinha na mão correndo de um lado para outro para
participar das reuniões em empresas tão diferentes e tão distantes entre si.
Não foram poucas as vezes em que peguei um avião bem cedinho, fui para
reuniões, voltei de avião e tive mais reuniões. Muitas noites viradas em frente
ao computador fazendo programas para controlar o estoque, a fábrica, o
pagamento, o fluxo de caixa, os exames médicos, a cana-de-açúcar, as
galinhas... Ah! Aprendi muito e tenho saudades de chefes especiais...
Belarmino, Kaká e, o mais especial, Fernando. Este já me fez chorar de raiva,
mas foi o que mais me ensinou. Também coordenei equipes maravilhosas e tenho
saudades dos amigos que fiz.
Era o meu
tempo de bits e bytes e muita coisa mudou de lá para cá.
Depois dos
computadores, envolvi-me com algo mais misterioso e quase inacessível: o
inconsciente das pessoas. Que fase fantástica essa! Aprendi muito e reverencio
humildemente todas as pessoas que compartilharam comigo suas dores e seus
amores.
Também fui
professora e aprendi muito com meus alunos, ainda que lhes ensinasse sobre
Freud, Jung, Piaget, Vygostky. Aqui também tive um mestre, meu professor Jorge.
Eram deliciosos nossos encontros para conversas sobre cognição, sobre como se
aprende.
Segui,
mais uma vez, por outro caminho e me deixei envolver completamente pelas
letras, pelas palavras, pelas frases, pelos textos. Sempre me encantou a magia
da arrumação de significantes gerando significados : A-M-O-R ou R-O-M-A.
Perfeito!
Mas todo
este percurso fica escondido/revelado nas entrelinhas dos textos que escrevo e
gosto de rir, com o cantinho da boca e com o brilho do olhar, quando percebo
estes segredos nas frases que vou construindo. É como se fosse um código
invisível, decifrável apenas por alguns.
Avancei
mais um pouco na sabedoria da vida ou, como diriam os xamãs, mudei de dimensão,
e fui aprender com a natureza e com o povo do interior. Construí uma rotina
linda em Lagoa dos Gatos, cidade do agreste pernambucano. Lá integrei foi tudo
e me tornei UNA. Uso tecnologia nos meus projetos, viajo pelo inconsciente –
ainda que muitas vezes seja pelo meu -, escrevo, leio, converso, promovo
cultura e aprendizagem, mexo com a terra, converso com gente sabida – vivo em
alegria. E acho que é isso que a Vida quer da gente: entusiasmo. São tantas as
coisas para fazer que nem dá tempo de ficar apenas contemplando toda aquela
amostração de Deus.
Então, ter
minha amiga de bits e bytes compartilhando a intimidade da mulher rural que
hoje sou foi algo realmente muito estranho. Ela ria quando eu ia andando pela
rua e acenava para as pessoas. Arregalava os olhos quando surgiam os abraços
apertados nos encontros casuais ou quando parava o carro para uma carona. Se
pensou em ter momentos de descanso na rede, coitada, nem numa deitou.
Trabalhamos muito, pois estamos organizando uma Conferência Livre de Meio
Ambiente e muita coisa ainda precisava ser feita. Conheceu a cidade – a princípio
se achou perdida, devido a idas e vindas, mas logo se localizou: na rua do café
– a da Igreja - ou na rua da ONG – a do
Banco do Brasil. Adorou a forma de comprar na padaria, o almoço em Lúcia, o
estúdio do programa de rádio, a reunião - no chão e sobre assentos de papelão –
na ONG. Foi comprar umas escovas de dente na farmácia, abriu a carteira, puxou
o cartão e disse ao vendedor: Débito, por favor. Aqui, amiga, só em dinheiro ou
na anotação na caderneta!! Morreu de rir com a história de um motorista que
matou duas vezes uma defunta. Sentiu-se segura numa cidade sem violência,
mexeu-se de um lado para outro sem engarrafamento, respirou ar puro sem
poluição. Usei, de propósito, o significante ‘sem’, para reforçar a ideia de que
muitas vezes o menos é o mais e em Lagoa dos Gatos não podemos perder o foco
nos seus maiores tesouros: sua gente e suas belezas naturais. Defendo, com
veemência, que devemos construir um desenvolvimento sustentável, respeitando a
cultura de seu povo e o meio ambiente, apesar de já ter ouvido de algumas
pessoas – esclarecidas, até – que isso não é do interesse da população. Muitas
vezes, só se dá valor quando se perde.
Claro que minha
amiga olhou de lado para aquela que me tornei, tentando captar o que se passava
em minha alma. No final, o veredicto: desde aquela época você já sonhava com
uma vida assim. Ficamos felizes.
Assim que
chegou a Recife, pegou um engarrafamento enorme e me mandou uma mensagem pelo
celular: Quero morar em Lagoa dos Gatos.
Triste
pelo transtorno, pensei: na verdade, nossa vida é feita de escolhas. Escolhi a
terrinha santa!!!!!!!!!!!!!!
Um comentário:
Patrícia:
É emocionante ler o que você escreve e imaginar as experiências fantásticas que você vivencia.
Parabéns. Beijos
Postar um comentário