7.7.13

Bits, bytes e galinhas

Foi estranho estar em Lagoa dos Gatos, vivendo a rotina de alguém do interior, com uma amiga querida dos tempos da informática. Àquela época, eu era uma executiva de sucesso, vivia com uma pastinha na mão correndo de um lado para outro para participar das reuniões em empresas tão diferentes e tão distantes entre si. Não foram poucas as vezes em que peguei um avião bem cedinho, fui para reuniões, voltei de avião e tive mais reuniões. Muitas noites viradas em frente ao computador fazendo programas para controlar o estoque, a fábrica, o pagamento, o fluxo de caixa, os exames médicos, a cana-de-açúcar, as galinhas... Ah! Aprendi muito e tenho saudades de chefes especiais... Belarmino, Kaká e, o mais especial, Fernando. Este já me fez chorar de raiva, mas foi o que mais me ensinou. Também coordenei equipes maravilhosas e tenho saudades dos amigos que fiz.
Era o meu tempo de bits e bytes e muita coisa mudou de lá para cá.
Depois dos computadores, envolvi-me com algo mais misterioso e quase inacessível: o inconsciente das pessoas. Que fase fantástica essa! Aprendi muito e reverencio humildemente todas as pessoas que compartilharam comigo suas dores e seus amores.
Também fui professora e aprendi muito com meus alunos, ainda que lhes ensinasse sobre Freud, Jung, Piaget, Vygostky. Aqui também tive um mestre, meu professor Jorge. Eram deliciosos nossos encontros para conversas sobre cognição, sobre como se aprende.
Segui, mais uma vez, por outro caminho e me deixei envolver completamente pelas letras, pelas palavras, pelas frases, pelos textos. Sempre me encantou a magia da arrumação de significantes gerando significados : A-M-O-R ou R-O-M-A. Perfeito!
Mas todo este percurso fica escondido/revelado nas entrelinhas dos textos que escrevo e gosto de rir, com o cantinho da boca e com o brilho do olhar, quando percebo estes segredos nas frases que vou construindo. É como se fosse um código invisível, decifrável apenas por alguns.
Avancei mais um pouco na sabedoria da vida ou, como diriam os xamãs, mudei de dimensão, e fui aprender com a natureza e com o povo do interior. Construí uma rotina linda em Lagoa dos Gatos, cidade do agreste pernambucano. Lá integrei foi tudo e me tornei UNA. Uso tecnologia nos meus projetos, viajo pelo inconsciente – ainda que muitas vezes seja pelo meu -, escrevo, leio, converso, promovo cultura e aprendizagem, mexo com a terra, converso com gente sabida – vivo em alegria. E acho que é isso que a Vida quer da gente: entusiasmo. São tantas as coisas para fazer que nem dá tempo de ficar apenas contemplando toda aquela amostração de Deus.
Então, ter minha amiga de bits e bytes compartilhando a intimidade da mulher rural que hoje sou foi algo realmente muito estranho. Ela ria quando eu ia andando pela rua e acenava para as pessoas. Arregalava os olhos quando surgiam os abraços apertados nos encontros casuais ou quando parava o carro para uma carona. Se pensou em ter momentos de descanso na rede, coitada, nem numa deitou. Trabalhamos muito, pois estamos organizando uma Conferência Livre de Meio Ambiente e muita coisa ainda precisava ser feita. Conheceu a cidade – a princípio se achou perdida, devido a idas e vindas, mas logo se localizou: na rua do café – a da Igreja -  ou na rua da ONG – a do Banco do Brasil. Adorou a forma de comprar na padaria, o almoço em Lúcia, o estúdio do programa de rádio, a reunião - no chão e sobre assentos de papelão – na ONG. Foi comprar umas escovas de dente na farmácia, abriu a carteira, puxou o cartão e disse ao vendedor: Débito, por favor. Aqui, amiga, só em dinheiro ou na anotação na caderneta!! Morreu de rir com a história de um motorista que matou duas vezes uma defunta. Sentiu-se segura numa cidade sem violência, mexeu-se de um lado para outro sem engarrafamento, respirou ar puro sem poluição. Usei, de propósito, o significante ‘sem’, para reforçar a ideia de que muitas vezes o menos é o mais e em Lagoa dos Gatos não podemos perder o foco nos seus maiores tesouros: sua gente e suas belezas naturais. Defendo, com veemência, que devemos construir um desenvolvimento sustentável, respeitando a cultura de seu povo e o meio ambiente, apesar de já ter ouvido de algumas pessoas – esclarecidas, até – que isso não é do interesse da população. Muitas vezes, só se dá valor quando se perde.
Claro que minha amiga olhou de lado para aquela que me tornei, tentando captar o que se passava em minha alma. No final, o veredicto: desde aquela época você já sonhava com uma vida assim. Ficamos felizes.
Assim que chegou a Recife, pegou um engarrafamento enorme e me mandou uma mensagem pelo celular: Quero morar em Lagoa dos Gatos.

Triste pelo transtorno, pensei: na verdade, nossa vida é feita de escolhas. Escolhi a terrinha santa!!!!!!!!!!!!!!





Um comentário:

Louise Anne Vieira de Menezes disse...

Patrícia:
É emocionante ler o que você escreve e imaginar as experiências fantásticas que você vivencia.
Parabéns. Beijos