26.11.06

Meu encontro com o Recife Antigo

Esse negócio de ser escritora é bem mais complicado do que eu pensava. Na última quinta-feira, tivemos a aula da Oficina de Textos, coordenada por Antônio Guinho, no Recife Antigo. A ordem era andar pelas ruas, escrever o que quisesse e depois voltar para compartilhar tudo com a turma, numa mesa do bar que serve o melhor e mais tradicional maltado da cidade.
Lá fui eu, de prancheta na mão, sob sol escaldante, observar o Recife Antigo e torná-lo meu, através do meu encontro com ele.
Andei pelas ruas, parei em praças, entrei em museus. Registrei tudo com frases curtas, observações, anotações sobre sensações – como cheiro de xixi ou cheiro da água da fonte -, e divagações para outros tempos naquele mesmo espaço geográfico.
Viajei... Vi-me naqueles casarões, com vestidos longos e sombrinhas, passeando pelas ruas e indo tomar o bonde – ainda há trilhos!! – para encontrar-me com meu amado.
As pedras das ruas ainda cantam canções dos carnavais de outrora. O fiteiro ainda conhece as damas da vida que prestam seus serviços nos sobrados antigos para homens que não querem ser vistos na sua procura por um pouco de fantasia. Hoje, a cidade tenta esconder este segredo escondendo as janelas com tijolos. A modernidade tenta se impor àquele recanto de histórias com empresas de tecnologia. Mas a cidade resiste. Homens conversam na calçada e já planejam o próximo carnaval, como se fizessem um esforço para manter a época de alegria, beleza e liberdade dos bons tempos e lutassem contra a decadência que teima em se instalar.
Árvores antigas e enormes palmeiras têm muito que contar. Lembrei-me de meus tempos de crianças quando brincava saltando pelas raízes expostas das árvores. Os lampiões nas ruas me remetem à pergunta: será que já foram de gás?
O batuque do maracatu favorece um transe. De repente, uma mulher bate no meu braço e pergunta:
- Essa menina, você sabe me informar onde é que tira xerox aqui?
A voz me soa longe e me força a voltar para o aqui e o agora. Acho tão estranho. Onde estou?
- Não tenho a mínima idéia, respondo.
- Muito obrigada, diz ela e sai procurando por outra pessoa que possa lhe dar a informação.
Percebo que no Recife Antigo de ‘agora’, há pessoas que trabalham, que vivem o seu corre-corre e que já não se encantam com o cenário esplendoroso dos casarões e ruas antigos e com a suave brisa do mar que sopra para aliviar o calor. No entanto, há pessoas que viajam milhares de quilômetros para conhecer aquele pedaço de história e que ficam encantados com tamanha beleza, tentando fotografar cada detalhe para garantir a lembrança caso a memória não lhes seja fiel. Como antigamente, quando portugueses, holandeses, africanos e brasileiros conviviam juntos, a cidade ainda acolhe a diversidade. O sol brilha intensamente para todos.
Dentre todas essas pessoas, uma me chama a atenção. Como eu, ele também tem um bloco de papel e uma caneta nas mãos. Olha, olha e registra o seu olhar no papel, não com palavras ou desenhos, mas com rabiscos. Fico um tempo só olhando para aquele homem de chapéu, já idoso, com orelhas e bigodes grandes e um rosto cheio de rugas, marcas de sua história. Segura o lápis com leveza e arqueia a sobrancelha toda vez que vai colocar traços no papel. Encanto-me com sua doçura. Lembra um beija-flor. Não tenho coragem de invadir sua ingenuidade.
Vejo que já está na hora do maltado e da conversa com a turma no bar. Estou feliz. Sentamo-nos à calçada, na mesa do bar, sob a sombra das árvores, e começamos a leitura dos textos. Um menino negro, que toma conta dos carros, coloca as mãos na cintura e fica em pé ao nosso lado para ouvir nossas histórias. Cada uma das escritoras criou uma história, menos eu.
Fico me perguntando: serei eu realmente uma escritora?
Isso eu ainda não sei, mas sei que consigo encantar-me com a vida, pois foi vida, apenas vida, o que encontrei por lá.

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