1.9.07

Pijama

Estava ela deitada em sua cama, aninhada em cobertas, lençóis, travesseiros e almofadas. Vestia um pijama rosa com bolinhas brancas que tinha escrito na blusa ‘eu gostaria de morar em seu coração’. Nos pés, meias com desenhos de ursinhos. Parecia uma adolescente e camuflava, assim, a sensualidade da mulher madura que era. Encantava-me apreciá-la em seu mundo mágico, rodeada de livros. Lia Clarice e ria e ria. Lia Florbela e chorava e chorava. A história das mulheres também lhe fazia companhia. Estava plena. Seu sorriso era doce. De vez em quando, suspirava. Imaginava eu que era de felicidade. Ficava tentando ler-lhe os pensamentos. Ouvia, não sei se de verdade ou apenas na minha imaginação, que ela agradecia à Deusa a coragem de ser mulher e de se manter fiel à sua tradição, reverenciando, mais uma vez, na vida atual, o sagrado do feminino. Lembrava de sua luta como mulher nos campos, onde trabalhara para o sustento dos seus. Lembrava quando usara sua sabedoria e os ensinamentos da Mãe Terra para a cura dos males e fora queimada na fogueira como bruxa. Sim, fora uma bruxa e a força dessa bruxa a acompanhara até agora. Lembrava quando facilitara a fuga de outras mulheres com seus filhos e filhas durante o caos dos campos de concentração nazista. No presente, estava orgulhosa por não ter fugido à luta e ter enfrentado o seu desafio mais ousado: entregar-se ao seu coração. O medo do desconhecido fora grande. Perceber que a vida não estava sob seu controle fora atordoante demais. Mas, conectara-se com sua alma e entendera que não precisava se acovardar. Confiara na vida e se jogara para saborear todos os riscos de uma existência cheia de amor.
Realmente, ela estava feliz. Fiquei com inveja dela.

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