8.1.10

Era quase meia noite. A porta do quarto foi aberta e ouviu o pai chamando pelo seu nome. Levantou num pulo só, coração batendo assustado, e perguntou se havia acontecido alguma coisa. Ele lhe deu um beijo na testa e disse que só tinha vindo falar com ela. Emocionou-se. Depois disso, todo o cansaço acumulado por dias e noites acordando o tempo inteiro, sempre atenta aos movimentos do pai, pelo corredor, pela sala, pelo quarto, foi reduzido à coisa nenhuma. Lembrou-se da mãe, que agora já habitava outra dimensão, e renovou, mais uma vez, a promessa que fizera de cuidar dele com todo carinho até o instante da grande viagem. Sorriu, com o canto da boca, ao ouvir o som já tão familiar do apito do controle remoto do arcondicionado. Som irritante para alguns; para ela, música, pois dessa forma seu pai tentava manter algum controle sobre a vida.
Doía muito vê-lo assim, limitado intelectualmente, sem o brilho costumeiro no olhar. Já fora professor, ocupara cargos públicos, exercera funções de grande liderança. E, agora, sua rotina estava reduzida a hábitos e horários que se repetiam todos os dias. Era a forma que encontrava segurança. Não sabia usar direito os controles remotos, nem o da tv nem o do arcondicionado, talvez para, simbolicamente, mostrar que não controlava mais sua própria vida. Por conta dessa dependência, já deixara de sair várias vezes. Ele não podia ficar só. Algumas vezes, pensara que estava pesado demais, difícil demais, ter que organizar sua rotina em função da dele. Seus filhos cobravam sua presença, seu marido necessitava de sua companhia, necessitava de um tempo também para si. Mas tudo isso ficava em segundo plano, pois os cuidados com o pai exigiam prioridade. Então, quando sua energia estava muito baixa, a Vida, trazia o milagre da regeneração das forças e lhe proporcionava momentos como o que vivera esta noite. Tudo o mais se tornava pequeno e guardava, no coração, as lembranças desses momentos recheados de amor.

Nenhum comentário: