30.5.07

Terrinha santa

Depois de 15 anos voltei à terra natal de minha mãe. Foi estranho percorrer os lugares que conheci e com ela aprendi a amar. A casa onde nasceu, a ladeira onde brincava de barra-bandeira, a igreja e a praça, marcos do centro da cidade. Lá estava ela, imponente, tranqüila, linda como sempre, proporcionando os banhos regados a água, cachaça, caju e cantoria.
Bem devagar, como se estivesse pisando em solo sagrado, subi a ladeira que levava à casa das festas de São João, dos carnavais e das procissões de São Sebastião. Doeu vê-la em ruínas, decompondo-se como o corpo de minha mãe. Existe, não existindo mais. Onde outrora fora o banheiro que testemunhou minha transformação de menina para mulher está a árvore favorita da preguiça. Vai ver que por isso estou mais lenta, fazendo tudo mais devagar. A parede que separou meu corpo do corpo do meu primeiro namorado dando-nos uma noite de tortura e tesão ruiu, tal qual desmoronou nossa relação. Já não há mais parede para impedir o desejo, mas os corações já estão feridos.
A terra continua fértil, teimando em continuar viva. O coentro continua verde, o milharal cheio de bonecas cor de rosa, o agricultor ainda está apaixonado pela natureza. Vacas, porcos, galinha vivem a vida de sempre. As enormes pedras da região são as únicas coisas que aparentam perenidade. Todo o resto aponta para a impermanência e para os ciclos do tempo.
Assim, ...indo, ...endo, ...ando, para que o que já foi continue a ser, agora, sempre. Uma tentativa de segurar a saudade.

Foto: Roberto Arrais

Um comentário:

PEDRO VILAR disse...

Puxa que texto Belo! Pedro.