28.6.07

Comichão

Mexer com as palavras é um jogo complicado. Nele você pode revelar tudo, disfarçar, camuflar, mentir, esconder. Será que se consegue esconder-se de todo? Acredito que algo sempre escorre por entre as linhas, algo da verdade do autor, dos seus segredos, das suas dores e dos seus amores.
Lendo Clarice fico extasiado. Foi uma maestrina nesse jogo. Livre, solta, sofrida e, acima de tudo, verdadeira. Talvez, por isso, escrever seja tão difícil. A verdade do autor se apresenta para ele mesmo nua e crua. E aí dói. O encontro consigo, com a vida íntima, aquela dos sonhos, aquela sabida como a não vivida, a desejada secretamente, o faz ficar em carne viva.
A sua alma se expressa através de personagens e do narrador, no caso das ficções. Desnuda-se na força da poesia. Viaja para o mundo das reflexões nas crônicas e nos artigos.
Noutro dia li Clarice dizendo que estava sem muita paciência para ler ficção, pois estava mais voltada para o que os fatos da vida provocavam dentro das pessoas. Simpatizei com ela. Jung também disse que sua vida não fora rica em fatos, mas em jornadas para seu mundo interior.
Tenho sentido, nesse início de carreira como escritor, que a solidão é condição primeira para que palavras brotem no teclado e na tela do computador – pouco romântico isso; mais bonito seria brotar da caneta para o papel, ou ainda, da pena para o pergaminho; apenas saudosismo.
Djanira, minha escritora gurua, diz que escrevemos a partir do mergulho que fazemos dentro de nossa alma, de nossas lembranças. Numa forma mais chula, o escritor só bota para fora o que já tem dentro. A inspiração vem de textos lidos, de situações vividas, de fatos observados, de causos ouvidos. Pode ser qualquer coisa que toque a alma do escritor e que provoque o comichão do escrever. Então, nesse momento, começam as dores do parto do texto. Primeiro, deixa-se fluir; depois acontecem inúmeras releituras, troca-se uma palavra por outra – não fica bem comer a mãe -, eliminam-se artigos desnecessários, observa-se a clareza das idéias. Enfim, pronto. Vem o gozo, a calma, a falta... e começa tudo de novo.
Fala-se no sofrimento necessário para se produzir um texto de qualidade. Porém, todos os autores sabem que muito além da dor está o indescritível prazer que a escrita proporciona. Inventamos realidades. Como autores, somos deuses.

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