26.2.08

Positivo

Lia, lia, lia e não conseguia assimilar a informação. O coração disparou, deu um aperto na barriga, os olhos se encheram de lágrimas. Sentei-me com o papel na mão sem saber o que pensar e o que sentir. Uma amiga tentou me dar uma força e sugeriu ‘vamos lá falar com ele’.
Cheguei ao trabalho, o dele e o meu, e o chamei para conversarmos no carro. Já era noite. Sentamos em seu Gol branco e disse de um supetão só ‘Tô grávida’. Ficou mudo, tenso. Respirou fundo e respondeu ‘A gente não pode ter esse filho. Você tem que tirar’. Mais um soco no estômago. Fiquei atordoada. Eu, fazer um aborto? Impossível. Saí arrasada. Voltei para o carro de minha amiga e fomos para casa em silêncio.
Deparei-me com minha filhinha de dois anos que correu para me abraçar. Como poderia abortar um ser que era tão meu filho quanto a coisinha linda que tinha em meu colo? Impossível.
Entendi o que o pai de meu filho estava vivendo. Havia casado muito jovem por conta da gravidez da namorada. O casamento durou menos de um ano e doía muito nele viver longe do filho. Agora, a história se repetia e eu havia acabado de me separar e tinha ficado grávida logo no início do nosso relacionamento. Para complicar mais as coisas, nossas famílias eram muito amigas, meus pais tinham sido padrinhos do casamento dele, ele estava com a antiga esposa no meu casamento. Ninguém merecia.
Fui contar para meu ex-marido, que havia pedido a separação porque não gostava mais de mim. Quase surtou. Estava sentada no chão, com nossa filha brincando na sala, e ele em pé, impondo sua altura e sua força. ‘Um filho, como? Você não pode levar essa loucura adiante. Isso não é um filho, isso é um monte de células juntas. Posso até tirar a guarda de nossa filha alegando que foi adultério’. Eu, sozinha, chorava como uma criança.
Fui contar aos meus pais na tentativa de um apoio. Mais uma vez, ‘você não pode ter esse filho, vai envergonhar a família, essa criança não vai entrar em nossa casa’. Uma amiga espírita me perguntou se estava grávida, pois via um cordão de luz me ligando a um espírito que me amava muito. Mais lágrimas.
O pai da criança sumiu porque descobriu que gostava muito de mim como amigo, claro. O ex-marido pressionou para o aborto porque não queria que dissessem ‘lá vai ele, com a cabeça enfeitada’, mesmo sabendo que não tinha sido corno, mas não ia pegar bem uma gravidez assim numa separação tão recente.
Entrei num desespero total. Cheguei a ir uma vez para a clínica de aborto com o pai da criança. Desisti. Ele também desistiu, mas sumiu do mapa. Tentei localizá-lo diversas vezes, na esperança de me segurar em sua paternidade e evitar o crime que iria cometer. O ex-marido insistiu mais, o prazo quase se esgotou, pois logo, logo, faria três meses. Fui. Entrei gelada. Saí para ir ao banheiro e pensei em fugir. Voltei. Sentei naquela maca horrorosa. Levantei-me. Meu coração berrava ‘eu não quero matar meu filho’, silenciei e lágrimas rolaram por meu rosto. Acho que entrei num transe louco. Meu ex-marido ia desmaiando e saiu da sala. Colocaram um tubo e começaram a aspirar o feto, o meu bebê, que foi todo destroçado em partes. Uma barbaridade escondida sob o disfarce de ser seguro e não deixar restos de placenta que poderiam causar uma infecção. Tudo foi muito rápido e surreal. Levantei-me zonza, meu ex-marido me trouxe para casa, deixou-me na sala e foi embora para sempre. Nunca mais colocou os pés na minha casa nem na minha vida. Já havia conseguido o que queria: jamais seria considerado corno, pelo menos de uma gaia minha. O amigo apareceu à noite e se mostrou indignado com o que eu havia feito, tirando completamente a bunda da seringa. Também foi embora. O engraçado é que saiu com outra amiga e se encontrou com meu ex-marido que também estava com uma amiga. Ironia do destino.
Fiquei arrasada, sozinha, de roupão. Deitei-me e no escuro do meu quarto ouvi, dentro da minha cabeça, ‘não se preocupe, eu vou voltar, não chore’. Já tive mais dois filhos lindos, perdi dois outros em abortos espontâneos, mas a lacuna deixada por este que eu assassinei nunca foi preenchida. Choro até hoje.
Daqui da Terra, com o rosto banhado por lágrimas de dor e com o coração apertado pelo arrependimento, canto para você, filho amado, aonde quer que você esteja, ‘dorme filhinho, dorme meu amor’. Um dia a gente vai se encontrar.

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