1.10.08

Autoria

Reunião da escola. Pais aflitos porque seus filhos não estão atingindo todas as metas pedagógicas. Educadores angustiados orientam os pais para que vasculhem escondido as bagagens de seus rebentos procurando bebida.
Saio perplexa. Que mundo é esse? Qual a relação construída por pais e filhos na contemporaneidade? Pensava eu que seria algo baseado na confiança, na liberdade e no amor. Pais são amigos, são confidentes, são o porto seguro e não, agentes do serviço secreto.
Outra reunião de pais. Professores das diversas disciplinas apresentam os objetivos trabalhados e o quanto as turmas estão aquém do que foi planejado. Só querem amar, diz um; estão indisciplinados, diz outro; vocês precisam obrigá-los a estudar, tem o vestibular, o mercado exige.
Mais estupefata estou. Em que mundo vivo? Será eu a única alienada ali? Tento provocar uma reflexão sobre a não importância das notas, sobre o quanto é importante estarmos focados na formação da cidadania, no espírito críticos desses jovens que daqui a pouco tempo serão adultos exercendo o seu papel no mundo. Por que ninguém se pergunta se esses alunos, nossos filhos amados, estão felizes? Por que o foco é o sucesso? Por que ninguém ali se lembra da época maravilhosa dos nossos 15 anos?
Estou lendo um livro que fala sobre os conceitos freudianos: complexo de Édipo, castração, o grande Outro, o filho como falo da mãe. Essas reuniões de pais e mestres na escola comprovaram a teoria. O êxito do filho, nos moldes estabelecidos pela sociedade capitalista, significa que a família foi competente na educação. Ninguém está vendo o estudante como Sujeito, como autor de sua história. Ele continua preso na posição de objeto com a função de atender os desejos do Outro. Será preciso uma longa jornada, cheia de dores, doenças, depressões e lexotan, para que a pergunta primordial se instale: qual é o meu desejo?
Conheço jovens que estão na contramão da onda. Um deles lê muito, muito mesmo, tem postura crítica, é solidário, criativo, inteligente e carinhoso. Apresenta muitas dificuldades ortográficas e questiona o sistema educacional vigente. A escola sugere aulas de reforço e um acompanhamento mais de perto dos pais para que faça as fichas de leitura dos livros trabalhados em sala de aula. Outro jovem só tira notas boas, questiona o mundo, é sensível e carinhoso, usa calças lá embaixo, deixando a cueca aparecer e tem tranças no cabelo. A família da namorada não o quer como genro, pois parece um garoto irresponsável e drogado. Uma jovem é estudiosa, passou no vestibular, é alegre, cheia de vida e tira suas máscaras assumindo suas escolhas. As amigas a acusam de só pensar em si e se sentem ameaçadas com sua liberdade. Imagino o quanto deve ser difícil para esses três assumirem os seus desejos e não se submeterem ao que foi determinado por uma sociedade hipócrita, cujos membros fogem de suas verdades como o diabo foge da cruz.
Até quando vamos continuar privilegiando nossos medos? Até quando vamos carregar conosco nosso maior inimigo que é a liberdade que temos de escrevermos nossa própria história?

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