30.9.08

Fragmentos

Andava pelo centro do Recife quando vi um homem de meia-idade escrevendo com pedra numa lousa o valor de algum produto que iria vender. De repente, virou-se para uma senhora que estava perto e gritou:
- Ô, Creuza, 4trocentos tem quanto Os?
Na hora que escutei a pergunta, sorri maravilhada com sua inteligência e encantada com a riqueza da língua. Mesmos signos e inúmeros significados. Lembrei-me do inconsciente freudiano. Resolvi que escreveria um texto sobre o que tinha presenciado e fiquei matutando como grafaria o falado sem perder a originalidade. Pensei, pensei e, nas minhas limitações, não descobrir recurso lingüístico que me socorresse. Por isso, reproduzo a sabedoria popular:
- Ô, Creuza, 4trocentos tem quanto Os?

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Campanha eleitoral pegando fogo em Recife. O prefeito, muito popular nas classes menos favorecidas economicamente, está sendo acusado de uso da máquina administrativa. Li no jornal uma nota que relatava a conversa entre dois homens do povo.
- Você viu a confusão que o prefeito se meteu?
- Vi. Tão dizendo que ele usou a máquina.
- Que máquina?
- Não sei direito. Parece que foi a máquina Xerox.

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Saiu no jornal uma pesquisa que afirma que mais de 80% das crianças que não sabem nem ler nem escrever freqüentam a escola. Uau! Surge a pergunta: as escolas fazem o quê?
Várias respostas. A culpa é dos alunos. A culpa é das famílias. A culpa é do governo. A culpa é dos professores que não se empenham para ensinar direito. Esta última foi dada por um especialista em educação. Penso, cá com meus botões, que esse cara é um babaca, que fica sentado atrás do seu birô, numa sala com ar-condicionado, sem andar quilômetros para ir até a escola que leciona, enfrentando sol, chuva e lama. Nunca enfrentou uma turma superlotada e quente, com bancas quebradas, alunos famintos e violentados. Nunca ficou imaginando, enquanto aluno, o que danado seria a tal da uva que todo vovô vê nas cartilhas e que ele não consegue decifrar “Vovô viu a uva”. Os desenhos do papel, que lhe dizem serem letras, não contam histórias com algum significado para ele. Será que a uva é parecida com a jaca? Ou será com a manga? Será algo como a vaca?
Imagino que para intelectuais que habitam apenas os livros o discurso para culpabilizar a precária formação dos professores brasileiros é confortável. A minha pergunta é: se todos os professores fossem capacitados num programa organizado pelo tal especialista esses dados mudariam? Acho que Paulo Freire é um dos que pode dar a resposta.

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