17.11.08

O inferno é aqui

Ontem estive em São Severino dos Ramos e fiquei chocada com a ausência da administração pública.
O trânsito estava o caos. Ônibus por toda parte, paus-de-arara lotados. Alguns guardas municipais, ou algo assim, tentavam pôr ordem na confusão estabelecida. A sujeira se espalhava por todos os cantos. Copos descartáveis, restos de comida, sacos plásticos se misturavam aos romeiros que se amontoavam pelo chão em esteiras ou panos estendidos. Vendia-se de tudo. Lembrei-me do trecho da Bíblia que fala sobre os mercadores no templo. Aí não há nada de Sagrado. A fé é apenas uma mercadoria habilmente manipulada e vendida para um povo carente de esperança. Bares, restaurantes e barracas vendiam bebidas e comidas sem condição alguma de higiene. Havia ainda crianças vendendo água e outras coisas mais. Flores, cofrinhos, espelhos e o que mais se possa imaginar estavam nas bancas espalhadas pelas ruas, pelas calçadas, pela ponte. O rio, se é que se pode chamar aquelas poças de água de rio, estava cheio, mas era de gente fazendo piquenique. A música profana invadia o lugar e a cachaça reinava absoluta. Se o inferno existisse, deveria ser semelhante ao cenário que eu via.
Consegui entrar na igreja lotada de gente. Alguns rezavam, outros, sem camisa, fotografavam as imagens dos santos com câmeras de celular. Uma verdadeira zona, inclusive no templo. Percebi que um homem tomava conta daquilo ali. As pessoas colocavam aos pés de uma imagem do Senhor Morto peças que representavam pés, braços, como forma de agradecer pela graça alcançada. Este homem pegava as peças e as colocava depois para trás da imagem. Acredito que deveriam voltar para o local de onde saíram: a lojinha que vende peças para os pagadores de promessas. Há uma caixinha para que se coloque dinheiro. Os romeiros se arrastam, apóiam-se uns nos outros e vão até este local dar sua contribuição para o Santo. Porém, descobri, para minha surpresa, que a igreja, assim como todo o resto, é uma propriedade privada e todo esse dinheiro vai para os proprietários da mesma para 'a manutenção da igreja e para o pagamento dos funcionários'.
Não sou contra o desenvolvimento turístico estruturado pelo privado, mas aquilo lá é uma completa bagunça do público com o privado. Não importa quem seja o responsável, mas precisa da presença dos órgãos governamentais competentes para sua organização: trânsito, higiene e limpeza urbana, trabalho infantil e possibilidade de prostituição de crianças, menores consumindo bebida alcoólica, completa desorganização do comércio, gerência do meio ambiente e tantos outros problemas que um projeto para o desenvolvimento turístico dessa área daria uma tese de doutorado.
Desde que o mundo é mundo que as igrejas comercializam a fé. Vá lá que cada um e cada uma vai ter que arcar com as conseqüências energéticas dessa postura. Mas o dinheiro arrecadado lá está indo para o privado e o povo sabe disso? As igrejas comercializam a fé e investem algo em obras sociais. O que é feito em São Severino dos Ramos? O poder público pode custear essa estrutura com o dinheiro do meu imposto, do seu imposto, para os louros não voltarem para o povo? Cadê o orçamento participativo?Acho que precisamos refletir sobre isso. O local é lindo, há muitas pessoas trabalhando e tirando o seu sustento dessas romarias, há a fé. O que fazer?

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