7.12.08

Percurso

Há quase um mês tivemos uma festa de reencontro da família de minha mãe numa cidadezinha do agreste pernambucano. Fazia tempo que não íamos ao sítio para tomar banho de bica e cantarolar músicas, tendo como acompanhamento o assobio na boca da garrafa de cerveja.
Uma prima minha, bastante emocionada pela alegria do reencontro, comentou:
- O mais impressionante é que quem articulou tudo isso foi Patrícia, a pessoa que eu menos esperava, porque sempre foi muito afastada de nossa família.
E repetiu isso muitas vezes, com várias pessoas, sempre me agradecendo pela iniciativa.
Fiquei com aquilo na cabeça, e, claro que no coração, tentando compreender a verdade do que ela estava dizendo. De repente, o filminho da minha vida foi passando e percebi o porquê de poder estar me juntando à família de minha mãe só naquele momento.
Sou a filha mais velha. Havia o desejo de que o primeiro filho dos meus pais fosse um menino. Nasci muito inteligente para o português e a matemática. Isso já seria suficiente para ter um grande destaque na vida escolar e, para a época, fugir do estereótipo de que mulher não dava para cálculos. Fui sendo excluída pelos grupos de amigas que não gostavam dos números e, como tinha e tenho um grande poder de ação, aos poucos caminhei sozinha para o mundo masculino. Identificava-me com a família do meu pai e era lá que passava os finais de semana, entre livros e dormidas em camas de lona. Minha irmã ficou com o papel de menina da família e compartilhou sua infância com os primos e primas do lado materno. Meu irmão conseguiu ter uma vida mais independente. Claro que aqui tem muito mais coisa de Freud para explicar, como diria uma psicanalista que conheço e que sempre fala em castração.
Ia fazer Psicologia, mas mudei para Computação na semana de inscrição do vestibular. Casei-me e tive uma filha. Aí, a força da mulher falou mais forte e comecei a fazer as pazes com a minha energia feminina. Quis ir ao seu encontro, meu marido não deu conta e nos separamos. Voltei para a Psicologia. Casei novamente e tive dois filhos homens. A vida espiritual foi retornando bem devagarzinho e comecei a conhecer o mundo transpessoal, as vidas passadas, a mitologia e o xamanismo. Cheguei ao ápice no papel que desempenhava sendo regida pela lógica e pela razão e resolvi que não queria mais usar aquela máscara. Agora queria ficar quietinha e deixar que a energia feminina tomasse conta da minha alma, usando aqui tomar conta tanto no sentido de se apoderar como no de cuidar. Sentia-me como a semente que está sob a terra durante o inverno, apenas esperando a chegada da primavera para florir. Foram momentos muito especiais, onde pude me olhar e ver o que queria realmente para mim. O entorno não me entendia direito e cobrava meu posicionamento na vida profissional. Eu ainda não sabia o que a vida estava reservando para mim, mas tinha uma profunda confiança na energia amorosa do Universo e que apenas precisava me lembrar do meu Dom, do propósito de minha vida aqui neste planeta lindo. A solidão se fez presente e só em sua companhia pude escutar o meu verdadeiro canto. Sem ainda saber o que deveria fazer, resolvi que poderia ir tirando o que eu não queria mais em contato com minha Alma.
Realizei muitos trabalhos com mulheres, tanto em grupo como no consultório, e pude ir sentindo que dentro de mim suas vozes tinham eco. Escutei dores, angústias e sonhos de muitas mulheres e compartilhei todos esses sentimentos com elas. Vivenciei a energia das Deusas e percebi que no meu Todo sou muitas, concomitantemente. Fui reverenciando todas as Deusas em mim e, de repente, descobri-me Deusa.
Separei-me, casei-me de novo. Porém, dessa vez de uma forma diferente, pois sinto que estou inteira e ofereço o Sagrado Feminino para a relação a dois que construo com o meu amado. Estou feliz e em paz.
Por toda essa história, prima, é que só agora pude me aproximar da linhagem de minha mãe e celebrar a energia dela em mim e transmito essa alegria para a minha filha para que ela possa passar para suas filhas um feminino sem feridas.
E é esse feminino vibrante que me fez soltar uma gargalhada ao observar uma mulher numa loja exclamar:
- Meu Deus! Que coisa mais linnnnnnnnnnnnnnnnnnda! – referindo-se a um conjunto de panelas em teflon, expostas em uma caixa.
Só uma mulher para entender outra mulher num momento de êxtase como esse. Sim, agora achei a minha tribo e encontrei o meu lugar no mundo.

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