Há quase um mês tivemos uma festa de reencontro da família de minha mãe numa cidadezinha do agreste pernambucano. Fazia tempo que não íamos ao sítio para tomar banho de bica e cantarolar músicas, tendo como acompanhamento o assobio na boca da garrafa de cerveja.
Uma prima minha, bastante emocionada pela alegria do reencontro, comentou:
- O mais impressionante é que quem articulou tudo isso foi Patrícia, a pessoa que eu menos esperava, porque sempre foi muito afastada de nossa família.
E repetiu isso muitas vezes, com várias pessoas, sempre me agradecendo pela iniciativa.
Fiquei com aquilo na cabeça, e, claro que no coração, tentando compreender a verdade do que ela estava dizendo. De repente, o filminho da minha vida foi passando e percebi o porquê de poder estar me juntando à família de minha mãe só naquele momento.
Sou a filha mais velha. Havia o desejo de que o primeiro filho dos meus pais fosse um menino. Nasci muito inteligente para o português e a matemática. Isso já seria suficiente para ter um grande destaque na vida escolar e, para a época, fugir do estereótipo de que mulher não dava para cálculos. Fui sendo excluída pelos grupos de amigas que não gostavam dos números e, como tinha e tenho um grande poder de ação, aos poucos caminhei sozinha para o mundo masculino. Identificava-me com a família do meu pai e era lá que passava os finais de semana, entre livros e dormidas em camas de lona. Minha irmã ficou com o papel de menina da família e compartilhou sua infância com os primos e primas do lado materno. Meu irmão conseguiu ter uma vida mais independente. Claro que aqui tem muito mais coisa de Freud para explicar, como diria uma psicanalista que conheço e que sempre fala em castração.
Ia fazer Psicologia, mas mudei para Computação na semana de inscrição do vestibular. Casei-me e tive uma filha. Aí, a força da mulher falou mais forte e comecei a fazer as pazes com a minha energia feminina. Quis ir ao seu encontro, meu marido não deu conta e nos separamos. Voltei para a Psicologia. Casei novamente e tive dois filhos homens. A vida espiritual foi retornando bem devagarzinho e comecei a conhecer o mundo transpessoal, as vidas passadas, a mitologia e o xamanismo. Cheguei ao ápice no papel que desempenhava sendo regida pela lógica e pela razão e resolvi que não queria mais usar aquela máscara. Agora queria ficar quietinha e deixar que a energia feminina tomasse conta da minha alma, usando aqui tomar conta tanto no sentido de se apoderar como no de cuidar. Sentia-me como a semente que está sob a terra durante o inverno, apenas esperando a chegada da primavera para florir. Foram momentos muito especiais, onde pude me olhar e ver o que queria realmente para mim. O entorno não me entendia direito e cobrava meu posicionamento na vida profissional. Eu ainda não sabia o que a vida estava reservando para mim, mas tinha uma profunda confiança na energia amorosa do Universo e que apenas precisava me lembrar do meu Dom, do propósito de minha vida aqui neste planeta lindo. A solidão se fez presente e só em sua companhia pude escutar o meu verdadeiro canto. Sem ainda saber o que deveria fazer, resolvi que poderia ir tirando o que eu não queria mais em contato com minha Alma.
Realizei muitos trabalhos com mulheres, tanto em grupo como no consultório, e pude ir sentindo que dentro de mim suas vozes tinham eco. Escutei dores, angústias e sonhos de muitas mulheres e compartilhei todos esses sentimentos com elas. Vivenciei a energia das Deusas e percebi que no meu Todo sou muitas, concomitantemente. Fui reverenciando todas as Deusas em mim e, de repente, descobri-me Deusa.
Separei-me, casei-me de novo. Porém, dessa vez de uma forma diferente, pois sinto que estou inteira e ofereço o Sagrado Feminino para a relação a dois que construo com o meu amado. Estou feliz e em paz.
Por toda essa história, prima, é que só agora pude me aproximar da linhagem de minha mãe e celebrar a energia dela em mim e transmito essa alegria para a minha filha para que ela possa passar para suas filhas um feminino sem feridas.
E é esse feminino vibrante que me fez soltar uma gargalhada ao observar uma mulher numa loja exclamar:
- Meu Deus! Que coisa mais linnnnnnnnnnnnnnnnnnda! – referindo-se a um conjunto de panelas em teflon, expostas em uma caixa.
Só uma mulher para entender outra mulher num momento de êxtase como esse. Sim, agora achei a minha tribo e encontrei o meu lugar no mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário