12.3.09

Foi assim. Recebi, por mail, um convite para uma reunião com a turma do colégio. Poxa! Fazia mais de 30 anos que não nos víamos e fiquei muito animada com a idéia. Iria matar a saudade de todo mundo, saber como a vida tinha acontecido para cada uma das minhas amigas e colegas de escola. Lembraríamos os trabalhos em equipe, as professoras, as freiras, as conversas nos recreio. Tantas lembranças gostosas...
Será que fulaninha tinha conseguido casar com sicraninho, naquela época, o grande amor da sua vida? E aquela amiga que sonhava ser embaixatriz? Como estaria a usineira que sempre se esmerava em aprender como dispor com classe e elegância a prataria à mesa nos jantares solenes? E a filha do deputado? Será que casara com algum político e se mantivera no ciclo de poder da sua cidadezinha do interior?
Todas essas perguntas passaram pela minha cabeça enquanto estava à frente do computador. Corri para resgatar álbuns com fotos da escola: festas, jograis, São João, feiras de Ciência. As pernas finas, os cabelos presos em coques, as transformações corporais de menina para mulher, as festas de quinze anos, a primeira transa.
- Aconteceu uma catástrofe: não sou mais virgem. Naquele tempo isso era motivo de preocupação, pois a moça poderia ficar falada. Parece que foi ontem e tanta coisa mudou de lá para cá. Mas é só fechar os olhos que ainda sinto a mesma emoção que senti quando minha melhor amiga me informou que estava grávida aos dezenove anos.
Sarros nos playgrounds dos prédios, namorados escondidos embaixo da cama, fugas para a praia, cigarros no banheiro da escola, pílulas enfiadas entre cadernos. Era até proibido ler alguns livros de Jorge Amado porque despertavam o interesse pela coisa proibida muito cedo. Tudo tem seu tempo, diziam os mais velhos.
Agora, com o convite, de que lado eu estaria? Seria ainda a adolescente cheia de esperança ou me tornara a adulta repleta de receios e cuidados? Será que me sentiria pertencendo àquela turma?
O encontro aconteceria na sexta-feira, à tarde, claro, pois os maridos não concordariam em ficar em casa enquanto suas mulheres estavam na rua. Isso não ficaria bem para mulheres casadas e de boa fama. Estava ansiosa, pois me conheceram como uma quase freira, bem ligada aos valores da igreja católica, e eu me apresentava no momento como bruxa. Como reagiriam? Como contaria minha história de casamentos, separações, abortos, filhos, tesão, busca, alegrias e dores? Tinha mudado de profissão e estava tentando ser escritora. Você trabalha aonde? Em canto algum. Ah! E aquele olharzinho de coitada, está desempregada. Não sabia se teria vontade de explicar que não era bem assim, que tinha largado vários empregos para tentar essa nova atividade, que não gostava de me sentir presa e que a vida de escritora me dava a liberdade que tanto havia buscado. Será que compreenderiam?
Chegou o grande dia e me peguei escolhendo com cuidado a roupa que iria usar na festa, pois não queria aparecer com cara de velha. Foram só trinta anos. Só?! Escolhi uma calça jeans, uma camiseta básica e um salto alto. Levei algumas fotos dos filhos e do maridão. O coração acelerou e me dirigi para a mesa da turma reunida. Abraços, sorrisos, alegria, um zona total, com todo mundo falando ao mesmo tempo. De vez em quando, estourava uma gargalhada, com alguma história daquela época.
De repente, todo barulho foi ficando longe e percebi que eu havia me desligado do ambiente e estava apenas como observadora. Minhas amigas estavam todas usando máscaras. Terninhos de executivas, para as que tinham vindo direto do trabalho, já que juízas e promotoras usam essa fantasia; as que tinham permanecido dondocas estavam com roupas de marca e totalmente na moda; também havia as que se rebelaram contra o sistema e usavam roupas mais alternativas e escutavam comentários tipo ‘você sempre foi diferente, uma revolucionária’.
Todas contavam as mesmas histórias de sucesso e felicidade. Estavam super bem casadas, os maridos eram maravilhosos, os filhos eram lindos e trabalhavam no que adoravam. Os corpos lindos e jovens eram fruto de uma alimentação saudável e de exercícios físicos. Um verdadeiro conto de fadas!
O vinho foi fazendo efeito e as máscaras começaram a cair. O casamento não era lá essas coisas, quase não gozavam, quando transavam era muito mais uma trepada do que um ato de amor, não havia carinho, os filhos eram uma carga pesada, trabalhavam muito, na maioria das vezes sem ser no que queriam, gostariam mesmo era de ter liberdade. Os corpos perfeitos tinham cicatrizes de plásticas, botox, silicone, lipo. Contaram que maridos tinham amantes, que tinham amantes. Essa parte era sem culpa, ‘pelo menos nesses momentos tenho prazer e me sinto viva’. Nada de confissões aos padres e às freiras e ‘Deus que nos perdoe’.
Pose para as fotos. Pose para a vida. Apenas por esta tarde, pudemos voltar àquele tempo mágico em que sonhávamos com uma vida perfeita. Seríamos felizes, sim. Seríamos amadas e realizaríamos muita coisa. Deixaríamos a nossa marca no mundo. O que aconteceu nesse lapso de tempo?
Tive, então, a idéia, de fazer a pergunta:
- Se cada uma de nós pudesse voltar atrás, exatamente para o momento em que terminamos a escola, o que cada uma faria de diferente?
Silêncio total. Lágrimas disfarçadas. O garçom chegou com a conta. Despedidas. E aquelas frases banais, ‘a gente se vê’, ‘foi muito bom te encontrar’, ‘você está ótima’. As máscaras voltaram para o lugar. É mais fácil usá-las do que buscar a verdadeira face refletida no espelho.
Voltei para o carro naquele estado de euforia típico de uma adolescente. Comecei a dirigir e a música do carro começou a me dizer ‘o futuro é uma astronave que tentamos pilotar’. Perfeito. A minha pergunta se voltou para mim.
- Se você pudesse voltar atrás, exatamente para o momento em que terminou a escola, o que faria de diferente?

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