11.5.09


Passei hoje a tarde em casa. Li, li e li. Quando percebi, já era noite e fui tomar banho para esperar meu marido chegar do trabalho e jantarmos com a família toda reunida em volta da mesa.

Já no chuveiro, lembrei-me dos pais de meu primeiro namorado e me emocionei quando revi, em minhas recordações, a cena em que esperava por seu marido aguando o jardim no final da tarde. Arrumava-se, perfumava-se, colocava uma roupa bonita, um batom suave, e ficava esperando a Caravan branca chegar. Ela era alta, com quadris largos e a pele mais alva que posso me lembrar de ter visto. Ele era um homem forte, queimado pelo sol que o castigava em seu trabalho no campo. Mas como era doce, carinhoso, com uma voz mansa e um sorriso no rosto.

Vejo, como se fosse hoje, cada detalhe da casa, planejada por seu dono: o jardim com as palmeiras e o monte no centro; o terraço com jardim de inverno; as salas arrumadas que só eram utilizadas em festa; a cadeira de vime com balanço; o balanço de ferro; o telefone embaixo da escada. As cozinhas e as longas conversas em torno da mesa. Ainda sinto o gosto da água gelada tomada no copo de inox. Achava o máximo jogar a roupa do banheiro lá de cima e a roupa suja já cair direto na lavanderia. Os quartos eram enormes e davam para uma área íntima com uma grande prancheta.

Cigana, já velhinha, me recebia com o rabo abanando. Fiquei muito triste quando morreu, quase cega e sem conseguir andar.

Foi lá que ouvi pela primeira vez o Bolero de Ravel; também foi lá que conversei sobre astrologia com minha cunhada. Eu adorava aquela casa e aquela família.

Por voltas que a vida dá e ninguém sabe explicar, terminei o namoro e tive que cortar a ligação com aqueles que amava, pois a nova namorada não aceitava nem que pronunciassem o meu nome e, sinceramente, meu ex não merecia que nada de ruim lhe acontecesse - já bastava todos os problemas de saúde que nosso rompimento trouxera.

Tudo com eles era tão mágico, verdadeiro e profundo, que nossa ligação afetiva suportou a separação física. Meu ex-sogro foi ao meu casamento e me presenteou com a flor do seu jardim, que tinha por hábito me dar quando eu chegava por lá e ficava aspirando seu perfume.

- Já que não pôde ser com ele... Quero que você seja muito feliz.

Minha ex-cunhada também se emocionou na cerimônia e lágrimas rolaram por seu rosto quando me viu entrando vestida de noiva na igreja.

As fotografias do meu casamento foram vistas por meu ex com o respeito que nossa relação merecia.

Visitaram-se quando tive minha primeira filha, ainda na maternidade. Minha alegria foi tanta que esqueci que estava operada e ajoelhei-me para abraçá-los.

Separei-me, casei novamente, e numa festa encontrei com o casal amado. Ele puxou meu novo marido num canto e, olhando bem dentro de seus olhos, disse:

- Cuide bem dessa moça, faça-a feliz, porque ela é uma pessoa muito especial.

De novo, emocionei-me com o carinho que sempre nos uniu.

Não vejo meu ex-namorado há mais de vinte anos. Soube da morte de sua mãe e quis muito ir ao enterro para dar um abraço apertado em todos da família. Mas, por respeito ao meu ex, não fui para não criar constrangimento com sua mulher.

Descobri, depois, que sua mãe comentava com familiares que eu a havia visitado na UTI do hospital. Não estive lá porque não sabia que estava doente. Se soubesse, com certeza, teria levado meu beijo e meu afago.

Queria que tivessem sido eles o casal, bem casado, que forrasse minha cama na noite do meu primeiro casamento. Por motivos óbvios, não os fiz o convite.

Nunca os esqueci e até sei as datas dos aniversários de todos.

Casei pela terceira vez e acho que agora eles ficariam contentes com minha escolha, pois o meu marido cuida de mim com o mesmo carinho que seu filho um dia cuidou. Tenho certeza que aprovariam minha união e isso me deixa muito feliz.

Há laços de amor que não precisam de convivência para serem mantidos. Em momento algum, durante esse longo tempo de separação, duvidamos da verdade de nossos sentimentos. Confiamos na força de nossa amizade.

Para vocês, família amada, a minha saudade e a minha gratidão por ter compartilhado da sua intimidade no aconchego de um lar recheado de amor e respeito.


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