28.12.10












Deus!


Casimiro de Abreu

Eu me lembro! Eu me lembro! – Era pequeno
e brincava na praia; o mar bramia
e erguendo o dorso altivo, sacudia
a branca espuma para o céu sereno.

E eu disse a minha mãe nesse momento:
“Que dura orquestra! Que furor insano!
Que pode haver maior do que o oceano
ou que seja mais forte do que o vento?!”

Minha mãe a sorrir olhou pros céus
e respondeu: - “Um ser que nós não vemos
é maior que o mar, que nós tememos,
mais forte que o tufão! Meu filho, é – Deus!”



O mar também tem amores,
o mar também tem mulher.
É casado com a areia
e dar-lhe beijos quando quer.
É casado com a areia
e dar-lhe beijos quando quer.


Este poema e esta canção de ninar ainda estão em meus ouvidos com o tom de sua voz. Se fechar os olhos, posso vê-lo cantando, uma mão no joelho e a outra segurando seu inseparévl cigarro, entre um gole e outro de uísque. Como gostava de contar causos e histórias! E que memória brilhante! Decorara todas as lições de sua cartilha, comprometendo o início de seu aprendizado com as letras. Muito, muito inteligente, entendendo de lógica e compreedendo as estrelas no céu, não permitiu que se perdesse no mundo das ideias. Gostava das coisas simples da vida e soube conciliar os opostos que nele habitavam: filho de Maria e frequentador das famosas Festas da Mocidade; boêmio e intelectual. Adorava contar sobre os banhos de mar com seus irmãos e seu pai nas madrugadas do Carmo em Olinda.
- Lá vem perigo amarelo! – diziam todos de sua família anunciando a chegada de seu irmão.
A igreja de São Pedro foi o berço de sua formação católica. Foi lá que fez sua primeira comunhão, junto com sua irmã, numa impecável roupa branca.
Criava galinhas, subia em árvores e telhados, deixando quase louca de preocupação sua Santa Mãe, como gostava de chamá-la na saudade de seus cuidados e proteção.
Deliciava-se com os filhoses de sua babá e não trocava por nada os seus famosos bifes de molho. Cuidou de todos eles - pai, mãe, irmão, irmã e babá - até o fim de suas vidas. O menino de calças curtas, trabalhador de 2a. e de 1a. aos quinze anos, que só tinha dinheiro para comprar uma única calça comprida, transformou-se no anjo da guarda de todos, dos que fizeram parte de sua família de origem e dos que formaram a família Theophilo Benedicto de Vasconcellos, sua mulher e seus três filhos.
Formou-se em Matemática e em Engenharia Civil. Foi professor universitário de sua amada UFPE. Lá foi pró-reitor por diversas vezes. Teve muitos amigos e sempre foi leal aos que compartilharam seu dia-a-dia. Adotou a família da esposa como sua e distribui muitos vestidos de noiva.
O Rotary foi uma extensão de sua família. Foi presidente, governador e simples sócio.
Nunca cargo algum lhe subiu à cabeça. Humilde, gostava de usufruir do que tinha com aqueles que amava e com os mais necessitados.
Aquele menino franzino que brincava seu ursinho e, depois, com seus cachorros, chegou longe. Jogava futebol, pingue-pongue, gamão, xadrez, dominó, baralho, paciência. Era o estudo das probabilidades.
Comia sal e açúcar e menosprezava os cuidados com a saúde.
Imitando o grande amigo, perguntava, quando vestia sua calça branca, seu sapato branco, seu cinto branco e sua camisa de seda vermelha, para ir para mais uma noitada ao lado da esposa amada e da turma de amigos do Rotary ou do Cesesp, na Adega da Mouraria:
- Mamãe, será que estou agradando?
A vida passou rápida e foi traiçoeira. Sua mulher teve Parkson, ele teve um derrame que deixou sequelas em sua área mais desenvolvida: a cognição. Ficou viúvo e viveu dez anos de solidão. Não tinha mais o brilho no olhar, não cantava mais as saudades da professorinha, nem me colocava em seu colo, alisando meus cabeos e me garantindo que tudo ficaria bem.
Sempre se gabou porque seu nome registrava sua aliança com o Cara lá de cima: amigo de Deus.
Eu fiquei sozinha e o vazio provocado por sua partida é tão grande e dói tanto que me faz perguntar, olhando para o mar que tanto amou:
- Deus, Você ainda está aí?
Como continuar a viver sem tê-lo ao meu lado?

Ainda não havia conseguido colocar em palavras algo que se referisse ao meu pai depois que partiu para uma outra vida. Sempre disse que no dia de sua morte eu surtaria. Infelizmente, o surto ainda não veio, mas a dor de sua ausência é imensa e estou tentando permanecer aqui na vida. Ser sua filha foi um privilégio e perdê-lo, a experiência mais dilacerante de minha vida.

Este é o primeiro dos muitos textos que virão. Aos poucos, quando as lágrimas me deixarem ver o teclado.

Um comentário:

Louise Anne Vieira de Menezes disse...

Linnnnnnnndo!!!!!!
Acho que só os nossos pais são as únicas pessoas eternas nas nossas vidas, aqueles que sempre estarão nos esperando com os braços abertos, para compartilhar conosco, nossas alegrias e tristezas.Quando os perdemos é como se um vazio enorme se instalasse em nosso coração e que ninguém, jamais conseguirá ocupá-lo.
Continuo lhe seguindo e amando o que você escreve.
Beijos e DEUS a abençoe SEMPRE.
Louise Anne