2.1.11












Há vinte anos meu primeiro marido se separou de mim. Tínhamos uma filha bem pequena, com dois anos, e aprendemos, todos três, a contornar as dores dos momentos de ausência. Um dos mais difíceis para mim era o primeiro dia do novo ano que se iniciava, pois ela sempre passou a virada de ano com a família do pai. Durante um tempo, passava na casa de praia do Janga, onde eu havia saboreado o seu primeiro ano novo ao lado do meu amado marido. Depois, as comemorações se transferiram para Tamandaré.
Não importando a distância, no primeiro dia do ano novo sempre fui vê-la, levar meu colo, meu beijo e tê-la um pouquinho em meus braços. Nunca foi muito simples este ritual que introduzi em minha vida. Doía chegar na rua do Janga, ambiente que já tinha sido meu, e perceber que agora aquilo tudo já não me pertencia. Chegava com o carro, estacionava na rua, ela vinha ao meu encontro, ficava grudadinha em meu colo e conversávamos disfarçando a dor. Às vezes saíamos para um sorvete rápido e depois voltávamos para que pudesse seguir suas férias e eu suportar o vazio de sua ausência em nossa casa. Não foram poucas as ocasiões em que tive que parar o carro, algumas ruas à frente, pois as lágrimas não me deixavam enxergar nada.
Quando já estava mais velha me contou que sentia muito minha falta ao perceber que todas as outras crianças estavam com suas mães ao lado e não tinha a dela ali. Foi duro escutar sua dor. Também eu sentia como se estivesse a abandonando, já que não poderia cuidar dela, trocar seu biquine, preparar seu leite e contar histórias nas hora de dormir.
Veio mais um casamento, novos filhos chegaram, a caravana aumentou e o carro seguia cheio para as tradicionais visitas na praia. Os anos foram passando, os rituais se repetindo e aprendemos a lidar com essa situação. Quando me separei do meu segundo marido, meus dois filhos com ele já estavam grandes e foi mais fácil repetir com eles o mesmo ritual. É um pouco mais complicado conciliar as praias, já que cada pai está num ambiente diferente. Sempre dou um jeito. Faz tanto tempo e ainda hoje choro quando entro em contato com o sentimento que experienciava àquela época.
Ontem, primeiro dia do novo ano, consegui ver todos eles. Os meninos só chegaram em casa perto de meio dia e fui fazer o nosso famoso leite batido, sanduíches, pão assado e ovo. Aí, sim, pude seguir para a praia e dar meu saudoso abraço na filha que longe estava. Fui, com meu atual marido, preparada para vê-la no carro, dar beijos nas suas bochechas gostosas e voltar para casa abastecida para mais um período de saudade. Foi muito melhor do que eu esperava. Tomamos juntos, eu, ela e meu marido, nosso primeiro banho de mar do ano! Delícia rir ao seu lado. A vida sempre cheia de supresas...
Ah! Ando pensando na pergunta que fiz: quando é que se é escritora? Uma resposta que tem feito sentido para mim, por enquanto, claro, é que se é escritora quando se sente uma necessidade visceral de traduzir em palavras o que se vive, o que se sente, o que se vê, o que se cheira, o que se toca, o que se sonha. Fico inquieta quando a brisa suave traz o perfume dos cajus para o meu corpo, pois não me sinto capaz de traduzir em palavras todo o encantamento que sinto quando isso acontece. Um dia chego lá.

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