15.8.11

Cotidiano













Fotos: Roberto Arrais


5:30h... Hora de levantar. Desligo o arcondicionado, abro a porta da varanda, contemplo meu Recife acordando ao longe, sinto o cheiro de terra orvalhada, ouço o canto dos pássaros e o chamado do galo. Vejo a mata e depois, muito depois, uma muralha de prédios. Também chegam aos meus ouvidos o ruído de carros que já correm de um lado para outro num mundo que não é mais o meu. Levanto meus olhos para o céu e repito meu mantra: obrigada, Divindade, por mais um dia para ser feliz. Volto-me para o quarto, aliso a barriga de Hércules, solto beijos para o meu amado, ainda adormecido e completamente entregue ao mundo dos sonhos. Aliso sua barba branca, lembrando dos momentos em que é ela que me leva para o paraíso.

Desço as escadas, coloco água na chaleira, ponho a mesa com capricho, hoje na varanda, bato o leite dos meus filhos – com Nescau, Sustagen e Ninho -, coou o café, faço suco de laranja, asso pão com manteiga, pego as frutas e os quitutes da geladeira. Tudo pronto, hora de acordar minha família. Juntos à mesa compartilhamos a paz que reina em nosso lar. Às vezes o timbu comeu a ração ou beliscou uma banana, às vezes sagüins vêm para a varanda. Os pássaros continuam seu canto e as árvores balançam suas folhas numa música que conseguimos escutar.
Os meninos vão para a escola, levados por meu marido, vou lavar a louça, ajeitar as coisas do nosso cachorro, colocar roupa na máquina, estender roupa no varal. Momento de oração. Acendo incenso, velas, colho flores. OM TARE TUTARE TURE SOHA. Leio a Bíblia, o Evangelho Segundo o Espiritismo, o Zohar. Também faço meus rituais de limpeza, minhas orações de proteção e prosperidade, minha conexão com os Quatro Elementos e os Elementais que habitam meus jardins.
Dou uma olhada na internet, vejo o que o céu tem a me dizer, desço para meu canto sagrado para escrever. Mais uma vez, incenso, vela, fonte, flores. Escrevo, aprendo com as Cartas do Caminho Sagrado, medito sentada na grama, alinhada com as energias do céu e da terra, recebendo diretamente a energia do sol. Sinto minhas mãos aquecidas, bem no centro, e espalho para o mundo a energia que canalizo. Água para as plantas. De repente, uma pavoa passeia pelo jardim e fixa seu olhar no meu. Reverencio-a e sigo meu caminho. Agora é vez do tô-fraco emitir seu canto, sentado num galho do pau-brasil. Pássaros, borboletas, ziguezigues, rãs e lagartixas compartilham comigo este mundo encantado. Percebo claramente que vivemos num reino mágico, protegidos pelo portal da mata. Gosto de ouvir o silêncio que me permite escutar o som de uma folha caindo. Hora de ler um pouco, ainda na minha sala, cercada por meus livros e objetos que contam um pouco da minha história.
Organizar o almoço. Desta vez fazemos a refeição na mesa da sala. Suco, vinho, sorvete com licor e muita conversa. Tirar a mesa, lavar os pratos, passar a roupa. Quando estou passando ferro nas camisas dos meus amados, sinto uma emoção enorme, pois sei que estou cuidando de objetos que irão protegê-los, aquecê-los. Também fico feliz quando reconheço entre as peças, algumas que já pertenceram ao meu pai. Meu marido trabalha no andar de cima, colhendo as imagens que já registrou com seu olhar amoroso.
Preparar o chá das cinco numa linda mesa no jardim. Bolo, biscoitos, louça com flores, bandejas pintadas por mim. Completamente integrados à natureza, lanchamos, conversamos, fazemos planos, caminhamos abraçados ao lado dos outros habitantes do jardim, alguns até invisíveis. Arrumar tudo. Ler mais um pouco.
Chegou a hora do jantar. Todos juntos colocamos a mesa, assamos pão, fritamos ovos. Mais uma vez, um momento mágico, compartilhando os acontecimentos do dia. Lavar a louça, organizar a cozinha. Tomar banho quentinho, escrever, ler, agradecer, dormir abraçadinha ao lado do homem que amo, aprender com os sonhos.
Está sendo assim meu cotidiano. Exatamente como sonhava há anos, mas ainda não tinha conseguido deixar claro para mim mesma esse desejo. Lembro que uma amiga, da época da faculdade de informática, falava que eu era diferente, que queria mesmo era ser dona de casa e não uma profissional de sucesso. Outra amiga me disse que eu queria isso, cuidar da casa, dos filhos e do marido, porque já tinha provado para mim mesma e para o mundo que era capaz de realizar grandes coisas no mundo do trabalho. Talvez esta análise esteja correta, mas não sinto saudade alguma do tempo em que era executiva, pegando avião de manhã, participando de reuniões e voando de volta à noite. Adorei ter diminuído a quantidade de energia nas atividades intelectuais e ter curtido o crescimento de meus filhos, acompanhando as aulas de natação, as brincadeiras à tarde, os passeios na praça para dar pão aos peixinhos. Saudades eu sinto da hora que os colocava para dormir, sempre contando histórias que embalavam o sono dos meus anjinhos. Cresceram e sou imensamente grata ao Sagrado pela oportunidade que tive de compartilhar com eles estes momentos lindos. Também me lembro com carinho das conversas com minha mãe, das horas exatas das refeições com meu pai. Já se foram e tive deles o melhor.
Feliz, muito feliz, com a jornada que realizei, com as escolhas que fiz, com os caminhos que trilhei. Não sinto a mínima vontade de retornar ao mundo lá de fora, de viver desconectada do ritmo da natureza e de seus ciclos. Não me imagino mais como uma executiva, sem poder conversar com o sol, a lua e as estrelas. Talvez, para muitos, minha trajetória se traduza em fracasso, visto que o retorno no ter é insignificante. Aprendi, com Pessoa, que primeiro preciso ser inteira, para então ser grande. E, aí, sim, é só se deixar fluir no fluxo da abundância, da prosperidade, da saúde, da paz e do amor, pois estarei sendo a parte que me cabe, em harmonia com o Universo.

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