14.9.09


Fotos: Roberto Arrais

Pega seu celular, olha o número e disca no orelhão da Praça. Mulher, bonita, jovem. Acabou de estacionar o carro. Seu rosto expressa angústia. Ninguém atende. Tenta de novo, de novo, de novo. É uma ensolarada manhã de domingo. Seu amante não atende o telefone. Apesar do disfarce, ele sabe quem o chama do outro lado da linha.
Agora ele não pode. Toma café com a esposa e os filhos. No sábado à noite saíram para jantar com outros casais. Estão se arrumando para ir à missa e, depois, o almoço tradicional na casa dos sogros. À tarde, pipoca e refrigerante no cinema com a família reunida e, para terminar, pizza ou crepe. Assim, seguindo essa rotina programada, consegue equilibrar a vida, corrida e fora de casa, que leva durante a semana, com a tranquilidade do seu ninho familiar. Esposa e filhos são sagrados e intocáveis. Por que ela insiste em ligar? Já não a avisou que sábados, domingos, feriados, Natal, Ano Novo, Carnaval, Páscoa, São João, são datas em que não comemorarão juntos? Deixou tudo bem claro desde o início. Ela topou. E agora está cheia de cobranças. Passam toda a semana almoçando juntos, dão sempre escapadas para encontros amorosos e até a levou na sua última viagem a negócios. Quer mais o quê? Uma aliança no dedo?
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Ouvi risos e gritos de alegria. Procurei identificar de onde vinham e sorri ao descobrir que eram produzidos por dois meninos que nadavam no lago da Praça. Ali era a piscina deles. Observei-os por um tempo e pude contemplar a beleza da ingenuidade da infância. Estavam vivendo plenamente o momento presente. Estavam no aqui e no agora.
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- Toda palavra inócua é pecado. Toda palavra inócua é pecado. – repetia a senhora snetada num banco de uma parada de ônibus, cheia de gente.
Vestia saia escura, à altura dos joelhos, blusa rosa, com mangas e grandes botões. Os cabelos, já brancos, estão presos num coque, na parte de trás da cabeça. O tom de sua voz era profético. Sua face, já cheia de rugas, expressava que estava em outro mundo, um mundo cheio de demônios e de pecados.
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Ouço latido de cães, canto de pássaros, barulho de carros, pisadas de homens e mulheres correndo. Estou sentada num banco da Praça, à sombra de uma árvore. Já li jornais, meditei, ouvi música. Tomei meu suco de laranja, aguei as plantas da varanda. É domingo de manhã e o sol brilha, inundando de luz e cores o jardim à minha frente. Lendo os jornais hoje, logo cedo, soube que inventaram um tipo de asfalto que capta energia solar e dos carros que passam sobre ele, gerando energia limpa. Achei a ideia simples, lógica e fantástica. Pensei, então, que novas possibilidades me fascinam. Podemos ser e viver tantas coisas. Sinto-me triste quando percebo que temos malas e cabeças quadradas, como me ensinou um poderoso xamã.
Estive ontem, com meu marido, na exposição em homenagem aos 80 anos de vida de uma mulher maravilhosa: Tereza Costa Rêgo. Fiquei sem fôlego quando vi seus quadros. Cores fortes, imagens primitivas. Temas femininos, sexualidade, questões sociais. Múltiplas, numa só. Uma Deusa. Reverenciei-a em silêncio, deixando que algumas lágrimas passeassem por meu rosto. De repente, ei-la lá, à minha frente. Intensa, linda. Emocionei-me com a sagacidade de suas palavras inteligentes. Percorri o resto da exposição mais comprometida com a compreensão daquela mulher inteira; só por tê-la visto e ouvido sua voz, senti-me cúmplice dela, parceira nessa magia que é ser fêmea e tornar-se mulher. Senti, no meu coração, a dor expressa em seu olhos, no quadro em que está ao lado do amado morto. Encantei-me com seu bordel, completamente decorado com peças suas. Enlouqueci com a liberdade de sua mala vazia. Uni-me a ela no desejo de um ninho de bicho para viver uma liberdade de gente.
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Por tudo isso que contei aqui, imaginei um globo terrestre saltitante em minhas mãos e, de repente, cada parte desse globo revelava a mim seus segredos. Quero sentir que estou viva, conectando-me com meus sentidos. Quero sentir que estou vida, compreendendo o mundo com meus pensamentos. Quero sentir que estou viva, pricipalmente, deixando que as emoções tomem conta de mim.
Descobri que o que me interessa, de verdade, é o belo que existe na complexidade, dialeticamente simples, dos sentimentos. E aí, me deu uma peninha danada daquela que fui: a intelectual, segura no seu raciocínio lógico e abstrato. Fico feliz por hoje ser, apenas, artista.
Ela, normal.
Eu, borboleta.

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