27.12.09

Adoro cheiro de livro. Adoro folhear páginas e sentir em meus dedos a textura macia. Encanto-me com o fato de desenhos, as letras, quando arrumados de uma forma padrão, traduzirem os sentimentos do mundo. Tenho tanta coisa para contar. Estou sempre com livros perto de mim. Na cama, de pijama de algodão macio, cheio de desenhos de flores, durmo embalada pelos sons das palavras escritas naquelas páginas mágicas. Descobri um lugar especial para guardá-los quando adormeço: uma fresta entre o colchão e um pedaço da cama. Durmo e eles ficam ali, bem juntinho, embalando meus sonhos e velando meu sono. Apaixonei-me pela poesia de Manoel de Barros. Comecei a ler aquela liberdade toda e fui fisgada pela força da natureza e pela ousadia de sua escrita, com suas próprias regras gramaticais. Deu-me uma inveja. Eu, preocupada com as vírgulas e os pontos, e ele, lá, escrevendo do jeito que lhe dá na telha. Seus anos de vida fortaleceram suas palavras: Poesia é voar fora da asa. Lindo!
Também ando em companhia de Clarice, a Lispector, e me impressiono, cada vez mais, com sua enorme capacidade de revelar a complexidade do feminino escondida no cotidiano das mulheres. Quanta sede de viver está sufocada na água que lava a louça! Louca? Basta um cecidilha, um tracinho besta embaixo do cê, e tudo muda. Claro que sempre dá vontade de sair por aí, bebendo da vida em sua essência. Livre, louca, fazendo cada dia uma coisa diferente, descobrindo o que existe por trás do escuro, por trás da claridade que cega quando o sol nasce. Mas tem a louça na pia, as fraldas dos meninos, a gravata do marido, a água nas plantas, a comida do passarinho. Não se pode ser borboleta. Na maioria das vezes, ficamos periquitas em gaiolas abertas sem coragem de voar. Temos casa, comida, roupa lavada, ainda que tudo isso seja feito por nós mesmas, e a segurança de uma aliança no dedo. O desconhecido nos assusta e a rotina familiar nos dá a ilusão do útero para sempre perdido. E aí, a vida vai passando, o coração vai amornando, a alma vai adormecendo, devagarinho, sem que se perceba direito. Até que um dia, por um motivo qualquer, a vida vem e estoura tudo, num pedido desesperado de socorro. O que fazer? Ficar quietinha, esperando a vida adormecer de novo. E se as baratas chegarem antes de uma outra chance?

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