26.5.10
















Tinha passado um final de semana mole, com febre, dor de cabeça e dor de barriga. Havia interrompido o trabalho no consultório porque o corpo já não obedecia as minhas ordens de resistência. Resolvi seguir o conselho que sempre dou a minhas clientes, o corpo fala, e me aquietei. Não muito, é verdade, porque meu irmão chegou com o filho para se prepararem para uma cirurgia. Na hora do almoço meu marido chegou e avisou que iríamos viajar no dia seguinte, logo cedinho, para São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Apesar da moleza, fiquei feliz porque fazia muito tempo que não visitava estas cidades. Era uma viagem a trabalho, mas poderia estar com ele e visitar lugares importantes para nós dois. Quando chegou à noite e viu minhas roupas arrumadas sobre a cama, prontas para irem para a mala, disse:
- Olha, não conseguimos reservar hotel em São Paulo, vamos ter uma reunião logo cedo e teremos que ir direto do aeroporto, pegando metrô e ônibus. É melhor levar só uma mochila nas costas. Vai ficar mais fácil para a gente andar lá.
Fiquei sem acreditar no que estava ouvindo. Como assim, uma mochila? Onde iria colocar meus casacos, minhas botas, meus cremes e perfumes? Metrô? Não tem mais táxi em São Paulo? Depois do susto, respirei fundo e percebi que essa não seria apenas mais uma viagem, mas a viagem e que eu aprenderia muito nela. Coloquei pouquíssima coisa na mochila e me preparei para a aventura.
Acordamos de madrugada, pegamos o avião e chegamos em São Paulo. Informações no balcão para turistas, reservamos uma pousadinha bem simples, pegamos um ônibus, pegamos o metrô, andamos e, finalmente, uma cama. Sonho meu. Só deixamos as mochilas e seguimos para a reunião, no Jardim Botânico, claro que de ônibus e metrô. O lugar é lindo e a máquina fotográfica trabalhou um bocado. Na volta, mais ônibus, metrô e um café-almoço-jantar numa padaria perto da nossa morada temporária. Lavei o rosto na pia dentro do box do chuveiro e cai na cama como uma pedra.
No outro dia, mais reunião, mais metrô, mais ônibus e... muito encantamento. O encontro foi na Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo e lá encontrei uma fada, uma deusa, um ser iluminado. A proposta da Secretraia é baseada na Carta da Terra, numa cultura de paz. Ficamos em êxtase, pois é exatamente nessa concepção de mundo que acreditamos. Também fomos ao Ibirapuera e conhecemos ‘Bom dia, Cempre!’.
Novo avião e estávamos no Rio. Táxi para o hotelzinho simples, localizado na Glória. Já era noite quando chegamos e quase desmaiei quando o carro foi se aproximando do local em que iríamos ficar: só havia, bundas, peitos e travestis. O motorista do táxi foi logo dizendo que ali não era muito bom e tal. Luzes piscando no hotel. Pensei: reservaram um puteiro. Para completar, havia um estrangeiro com uma mulata linda, sem bagagem, dando entrada no hall do hotel. Tive a certeza que estávamos num prostíbulo. Como já havíamos pago um pedaço das diárias, tivemos que ficar. Relaxei e gozei. Dessa vez a pia não era dentro do box, mas ganhava no quesito tamanho: era a menor já vista. Tomamos banho e aproveitamos. No outro dia, quando saímos a pé ao encontro da Biblioteca Nacional, percebemos muitos mascates vendendo coisas usadas em panos estendidos no chão. Achei aquilo surreal. Andamos um pouco e chegamos ao meu santuário. Entrei num transe mágico e me emocionei tanto que não consegui conter as lágrimas. Era tudo lindo demais. Um local sagrado. Não podemos ficar por muito tempo porque as reuniões nos esperavam. Fomos para uma, para outra, para outra e finalmente chegamos na do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Convidei Clarice, a Lispector, claro, para entrar comigo e me falar como circulava por aquelas palmeiras e como o silêncio daquele lugar mágico a inspirava a escrever. Sentamos para um café, nós três, eu, meu marido e Clarice. A máquina fotográfica também começou a trabalhar muito, registrando toda aquela imensa beleza. Circulamos num carrinho elétrico, muito bem conduzido pela responsável pelo lugar, e fomos conhecer o espaço dedicado a Tom Jobim. Sem palavras, como disse nosso educadíssimo diretor.
A gripe me pegou com jeito e tive dificuldades para usufruir da energia da Cidade Maravilhosa. Fomos de metrô para Ipanema e saímos andando até o Leblon. Encontramos parques, uma banca de revista que só vendia artigos antigos, um sebo que é a sede da Estante Virtual, e, finalmente, a Letras e Expresões, paixão de minha filha, mas que estava em reforma. Tomamos um chope no calçadão e fomos almoçar no restaurante Lamas, frequentado por meu marido na sua época de militância na clandestinidade. Agora, quem se emocionou foi ele. Mais um momento que eu não perderia por nada no mundo. Bondinho de Santa Tereza, Arcos da Lapa, Festa Literária, cheia de chope, samba, livros e brinquedos recicláveis. Dançamos agarradinhos e, mais uma vez, me senti plena. Fomos andando para o nosso hotel e almoçamos no restaurante da esquina. Nessa viagem não conheci o Rio do turista, mas aquele do carioca, que compra pão na esquina e frutas na mercearia, pois foi exatamente isso que fizemos nos dias que passamos lá.
Mais uma vez, avião, aeroporto, ônibus, táxi, hotel. Estávamos em Curitiba. Só que agora, além de nossas mochilas, tínhamos uma mala com mais de trinta quilos de livros. Lembrei-me muito do xamã siberiano que dizia: mala quadrada, cabeça quadrada. Instalamo-nos e saímos para conhecer a noite curitibana. Demos sorte e ficamos num maravilhoso restaurante russo. Meu marido quase surtou de alegria. No outro dia, frio de rachar, assim como meu sapatinho sertanejo que rachou na sola, e fomos bater no escritório errado. Saímos caminhando e comprei um casaco num tabuleiro. Como esta peça básica salvou minha vida! Mais reuniões e um encontro com os catadores de lixo reciclável. Fantástico. No final da tarde, na visita a um parque, o silêncio sagrado me permitiu escutar o som de um cisne negro: uh! uh! À noite, comida alemã na parte histórica da cidade. Mais um dia, mais reuniões, mais aviões, agora de volta para casa. Estava com saudade, muita saudade, dos meus amados filhos, do meu pai, da minha cama, da minha comida caseira. Além disso, estava louca para encontrar minhas amigas e contar que tinha viajado apenas com uma mochila e, o que é pior, não havia usado quase nada. Inacreditável!

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