14.6.10

Por que a vida só se dá para quem se deu...

- E aí, como foram as comemorações do Dia dos Namorados?
Perguntei no meio do nosso sagrado almoço das segundas. Minhas amigas sorriram. Algumas, de alegria; outras, aquele sorriso amargo que revela decepção e tristeza.
- Ah! O Carlos me levou para um final de semana no Rio. Fantástico! – comentou Marisa.
Como a conheço bem, senti que havia um quê de solidão em sua voz.
- Mas como foi a noite romântica? Dançaram? Tomaram vinho? – perguntou Manuela.
Os olhos de Marisa, marejados de lágrimas, focaram e chão e ela respondeu:
- Na verdade, o Rio estava lindo, como sempre, mas a viagem foi cheia de shopping, cerveja, tv ligada nos jogos da Copa, encontros com amigos cariocas. Ele nem notou minha camisola nova e sensual.
As mulheres trocaram entre si aquele olhar que, sem uma palavra, traduz a compreensão de tudo que se sente. A grande maioria já havia passado por algo semelhante e se solidarizava com a amiga, tentando enviar a mensagem ‘homem é tudo igual’.
Mariana, na tentativa de quebrar o clima pesado, foi logo contando:
- Reunimos uns amigos lá em casa e fizemos um jantarzinho. Foi super legal! Dançamos até quatro horas da manhã. E, vocês não vão acreditar, André dançou brega!!!!!!!
Gargalhadas. Impossível imaginar aquele homem culto, fino, inteligente, apreciador da boa música, dançando aquilo outro que alguns têm a coragem de chamar de música. O que o amor não faz.
- E você, Manu, como foi o seu encontro romântico? – perguntou Marisa, já controlando novamente as emoções.
- O básico de sempre. Augusto passou lá em casa. Trocamos presentes: dei para ele uma camisa de marca e ele me deu um relógio podre de chique. Elogiou meu cabelo, ainda bem porque passei a tarde toda dando surra de escova nele. Saímos para jantar num restaurante famoso. A fila estava enorme e esperamos tomando uns aperitivos. Comemos um camarão delicioso, tomamos um bom vinho e fomos namorar numa suíte linda do Laranja. Claro que também tivemos que enfrentar aquela fila básica de motel em dia de comemorações. Mas valeu a pena! Passei o domingo acabada de tão cansada que fiquei. – revelou-nos com aquele tom picante que só as mulheres sabem dar a umas simples palavrinhas e que fazem toda a diferença.
- Mas, apesar de tudo ter saído conforme o script, algo me incomodou e não sei dizer o que foi. – complementou Manu.
- Você tá reclamando de barriga cheia – emendou Gui – porque fiquei a noite sozinha, tentando me concentrar nos filmes que passavam no sábado à noite na tv. Fiz o possível e o impossível para não lembrar que estava sozinha, mais uma vez, no dia consagrado ao amor. Claro que vocês podem dizer que esta data é uma data comercial e que isso não importa de verdade. Mas, continuo só. Saio, beijo, fico, mas é só auê, sem envolvimento emocional, essa é a regra do jogo nas noites da cidade. Muito barulho, muita luz, muita bebida, vale tudo para esquecer o vazio que há dentro do coração de todo mundo ali. As mulheres, atrás de maridos; os homens, querendo encontros sexuais. Um saco esses desencontros.
Um longo silêncio no grupo.
- Gui, suas observações são verdadeiras, mas isso não significa que as mulheres que estejam acompanhadas ou que tenham maridos estejam felizes. Tiro por mim. Sinto tanta superficialidade na minha relação com Augusto. Falamos sobre o que acontece no mundo, mas não falamos sobre nossos medos, sobre nossos sonhos. Talvez porque a gente quer se proteger ou, talvez, porque a gente nem sabe o que tem dentro mesmo. – ponderou Manu.
Outro silêncio.
Acredito que esses silêncios gritam o que nossos corações sentem. Fiquei pensando no que minhas amigas queridas tinham falado. Bateu uma tristeza. Como nos contentamos com pouco em nossas relações amorosas e vamos empurrando a vida com a barriga, esperando que ali, logo depois da esquina do tempo, algo aconteça e encha nossas vidas de luz, dando-nos um sentido e uma direção.
- E por que é que vocês continuam vivendo do mesmo jeito, reclamando da vida que levam e acomodadas nessa realidade? Por que não chutam o pau da barraca e buscam novas histórias para serem vividas? – perguntei.
Olhos arregalados, tipo, surtou?!!!
- É.., por que, no lugar de viverem a vida de vocês como se estivessem sendo leitoras, não mudam de lugar e se tornam escritoras, autoras, de suas próprias vidas? Claro que há riscos, que isso implica em responsabilidade, mas, como já li em algum lugar, ‘o direito à liberdade não se mendiga; se conquista’. Quantos dias ainda teremos de vida? Quem aqui sabe quando nossa amiga morte irá chegar? Só temos o dia de hoje para vivermos a vida como um presente!! – continuei, apesar de saber que elas não me viam como a pessoa mais indicada para dar conselhos sobre a vida amorosa, pois já estou no meu terceiro casamento.
- Para você é fácil estar sempre correndo atrás do que deseja, apesar desse desejo mudar a cada novo dia. Já tem o carimbo de doidinha mesmo. Além disso, você tem a segurança financeira de uma pensão do seu pai. Os seus filhos já estão encaminhados na vida. E, para que buscarmos novas relações, se todas elas sempre trazem problemas? Você mesma já trocou de marido várias vezes e sempre teve reclamações deles também. – respondeu Marisa.
- Não estou falando só de casamento, amores. Estou falando da vida, das nossas vidas. Quais eram os sonhos que sonhávamos na infância, na adolescência, quando ainda éramos livres para ver a vida como uma estrada cheia de possibilidades? Onde estão estes sonhos? Quem tirou a nossa liberdade de ser? Ou, pra ficar mais forte a pergunta: quem nos roubou de nós mesmas?, imitando o título de um livro que vi. Não consigo acreditar que nos transformamos em mulheres covardes, acomodadas em gaiolas douradas e, o que é pior, com as portas abertas, sem coragem para sair e voar!!
Os olhos, agora, focaram o chão. Ou melhor, tentaram enxergar o que batia dentro do peito.
- Vocês mesmas falaram que já passei por vários casamentos. É verdade. Todas aqui acompanharam as minhas dores e o meu sofrimento a cada fim e a minha alegria e a minha esperança a cada novo começo. Não consigo viver sem acreditar que há algo combinado entre mim e o Sagrado e que como condição básica dessa combinação prévia está a felicidade. Eu é que muitas vezes não consegui decifrar logo as mensagens enviadas para mim. Mas sempre me entreguei ao desconhecido e confiei que havia um propósito para cada coisa que acontecia em minha vida. Hoje vivo uma história mágica, tanto no amor como na profissão, e vocês sabem o quanto me ralei e me machuquei antes de merecer este conto de fadas.
Sorrisos de confirmação. Mariana, sorrindo agora marotamente, comentou:
- Mas não se acha um homem como o seu em qualquer esquina. Nem irmão gêmeo ele tem!.
Agora quem riu fui eu.
- Nada disso. Você mesma achou um melhor. Perfeito, para você.
Mari deu uma gargalhada porque agora vivia dizendo que estava com o homem mais lindo do mundo.
- Só que não acredito que foi assim comigo. Acho que primeiro aconteceu em mim uma transformação, tornei-me uma pessoa melhor, ou ainda, como sempre gosto de falar, cuidei do meu jardim e a linda borboleta veio beijar minhas flores. Vibrando numa energia mais sutil, atraí uma pessoa que também vibra na mesma frequência. Quando vocês estavam contando as comemorações do Dia dos Namorados, fiquei pensando que já vivi muitas iguais as que relataram e que também senti vazio e solidão depois dos jantares e motéis. Mas, aprendi com o meu amor, que há encontros que não podem ser desencontrados porque tudo se encaixa - corpos, sonhos, projetos, medos, bocas, coxas, para não falar daquele resto maravilhoso.
- Ih! Já vi que este Dia dos Namorados foi o máximo. – falou Manu.
- Foi mesmo. Simples, como é o Divino, e perfeito. Acordamos cedo e li para ele, aquele poema de Pessoa que adoro e que diz que a vida toda a gente foi preparado para o encontro e amou um ao outro desde o início, antes mesmo daquele instante em que os olhos se encontraram. Depois ele me deu uma caixa linda, com calcinhas, meia e uma camisola maravilhosa. Sempre sonhei com um presente assim. A camisola é sensual, delicada, romântica, erótica. E o melhor foi o cartão que escreveu, falando coisas especiais. Não tivemos nada de extraordinário, mas o essencial para nós dois. Chorei tanto de felicidade. E, confesso, que entre lágrimas, agradeci à Deusa o presente que é o meu presente.
Lágrimas de alegria nos olhos de minhas amigas.
- Lembram como já sofri preparando comemorações que não foram valorizadas pelos meus amados à época? Não desisti e hoje estou plena. Os sonhos de vocês são únicos, diferentes dos meus, com certeza. Se insisto nessa história de vocês correrem atrás dos sonhos e dos príncipes encantados, é porque desejo que encontrem e realizem seus desejos. Aconteceu comigo, por que não irá acontecer com vocês?
Lágrimas de esperança nos olhos de minhas amigas.

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