19.6.10

Entrei algumas vezes em um hospício. Uso esta palavra para tentar traduzir como me senti esmagada durante o tempo que passei entre aquelas paredes que escondem os segredos da loucura. Em nenhuma das ocasiões tive experiências fáceis e sei que fiquei mal porque aquela energia mexeu muito com o que ainda tenho de sanidade, arremessando-me para o fio da navalha por onde caminho, tentando equilibrar-me para não passar para o outro lado.


O olhar daquele a quem chamamos de louco é, ao mesmo tempo, profundo e vazio. Desconcertante. Fita-nos sem nos enxergar, preso que está em um mundo só seu. O que o levou para lá? Como tirá-lo de lá? Onde ou o quê é esse lá?

Não foram poucos os momentos em que senti uma vontade imensa de me esconder lá, que não sei exatamente onde fica, porque o cá estava muito, mas muito mesmo, doloroso. Nessas crises, o peito apertava, o raciocínio não seguia lógica alguma, a angústia chegava a um nível intolerável, e, por algo que não conseguia identificar, o surto não vinha e me mantinha presa(?) à realidade.

Mas, que realidade? Lembro que, vinda da área da computação, no meu primeiro dia de aula no curso de Psicologia o professor falou que a realidade não existia. Claro que achei que o cara era o próprio doido. E a vida ensina. Hoje, assino embaixo, assumindo como minha esta afirmação. O que é real? Os sonhos fazem parte dessa dimensão? E os devaneios? E as comunicações com aqueles que já estão no mundo dos mortos? E as viagens através do tempo, onde passado-presente-futuro se apresentam apenas como portas a serem abertas? E as materializações de objetos? Tudo isso pentence ao mundo da loucura?

Quando assisti ao filme Uma Mente Brilhante não consegui sair do cinema assim que terminou a sessão porque estava numa crise de choro enorme. Aquilo foi um soco no meu estômago, ou melhor, no meu cérebro e no meu coração. Para mim, claro estava que o cientista brilhante via espíritos e podia se comunicar com eles. Mas, por tentar ser normal, recusou-se a aceitar os fenômenos que experienciava e para os quais a ciência, seu deus, ainda não explicava, submeteu-se a tratamentos que foram verdadeiras torturas para poder recuperar sua sanidade. Que sanidade? Adoro o conto do mestre Machado de Assis, O Alienista, onde ele brinca com os conceitos de normal e louco. O que se considera normal num tempo presente e numa determinada cultura, pode ser visto como uma loucura completa nessa mesma cultura variando-se apenas a passagem do tempo ou, o que é pior, num mesmo tempo, coisas podem ser vistas como insanas em um lugar e completamente normais em um outro. Quem define os critérios para esta avaliação?

Na última vez que visitei um hospício, ouvi uma voz que berrava, trancada entre as paredes do prédio e presa em seu próprio mundo, uma frase que se repetia como uma melodia alegre:

- Vai sofrer! Vai sofrer! Vai sofrer!

Quem vai sofrer? Ele, o louco, ou nós que nos acreditamos sãos?

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