9.11.10



 
 
Acordo quase de madrugada para ter um tempo só para mim. Leio uma revista que fala sobre Clarice Lispector, minha autora favorita. Depois, antes de começar meu dia de verdade, corro pra o computador para escrever um pouco. Agora, sim, estou sendo alimentada pelas coisas que pertencem exclusivamente a minha alma. Ler e escrever, dois prazeres que me fazem vibrar. Algo, ao mesmo tempo, intenso e suave. Sinto necessidade deles como sinto do ar que respiro. Andava fraquinha, sem tempo para me dar estes dengos, ou, dizendo mais a verdade, para me priorizar.
Venho numa loucura de rotina que quase me enlouqueceu mesmo. Atendendo à demanda dos outros que amo, organizei muitas coisas, realizei outras tantas e fui me colocando num plano de prioridades bem lá embaixo, mas dizendo ‘é só até amanhã; depois poderei voltar para mim’. Só que este dia, que seria vivido por mim para mim, estava difícil de chegar. Por isso, encontrei esse artifício: meu dia que me pertence pode ser vivido enquanto os outros ainda dormem.
A casa está em silêncio e só tenho Hércules, nosso cachorro, como companhia. O computador, no birô que foi de meu pai, ilumina o teclado, pois deixo o quarto no escuro para não perturbar o sono de minha filha.
Quando estou muito triste ou vivendo um momento de muita dor, tenho que escrever, tenho que ler, para me reabastecer e continuar com a vida comum, a vida ditada pela cultura na qual estou inserida.
De repente, minha vida saiu do lugar e experiências que nunca imaginei surgem como verdadeiros terremotos. Num só dia, meus auxiliares mais diretos adoecerem e se ausentaram do trabalho. Pela primeira vez tenho que dar conta dos afazeres domésticos, dos compromissos sociais, do trabalho. Adoro ser muitas numa única existência, mas realizar tudo isso tem sido um grande desafio. Três horas, em pé, passando roupa! Impossível prever que esta seria uma tarefa na rotina de minha vida. Fico pensando e tentando conciliar a intelectual, a artista e a dona de casa – esposa e mãe – que sou. Por que um dia só tem vinte e quatro horas?
Claro que quando as transformações surgem, elas chegam com força e intensidade, como numa grande tempestade. Esta lição já havia aprendido com a astrologia. Sinto que estou no finalzinho do canal do parto, pronta para um novo renascimento. Deixando de ser terapeuta, preparando-me para ser escritora, mudando-me para uma nova casa, louca para ter de volta o meu nome de batismo.
Esta última coisa, o divórcio, foi uma das experiências mais difíceis que já tive. Claro que tenho raiva do ex, mas a ira mesmo é contra mim: como puder amar alguém assim, com uma alma tão pequena?! Encontrei-o ontem em mais uma inútil tentativa de conciliação nos processos que travamos na justiça. Parecia um menino. Blusinha de garotão, apesar dos cabelos brancos. Decepção, pena e a pergunta: como não percebi isso antes? O mais difícil foi ver, mais uma vez, em sua enorme sombra, as mentiras que contava, a sua arrogância e a sua prepotência. Por que eu tenho que ser a pessoa escolhida pelo Universo para ensinar-lhe que não está acima das leis, dos homens e das Sagradas? Por que ele foi o eleito para me ensinar a lutar pelos valores que acredito aqui na Terra? Às vezes faltam-me forças para travar a batalha. Tão mais simpples ceder, seguir minha vida em paz e feliz, com meus filhos – meus tesouros -, meu marido lindo e gostoso! Qual será o desafio agora?

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