3.3.11








Fotos: Roberto Arrais


Em Pernambuco tudo começa depois do Carnaval. Na minha vida não está bem assim. Tive um segundo semestre do ano passado cheio de transformações e mudanças, inclusive físicas. Perdi meu pai, encerrei minhas atividades de consultório, aluguei meu paraíso na praia, mudei de apartamento para casa, providenciei o aluguel e a mudança do apartamento de meu irmão, e, mais uma vez, comecei minha vida como escritora. Só agora é que começo a entrar numa rotina que caracteriza este novo ciclo no meu viver. Os filhos saindo para aulas, o marido para o trabalho e eu, livre, leve e solta, sem desculpas para permanecer sendo andaime da vida de outros. Ao mesmo tempo, paraíso e inferno. Agora somos só eu e meu self e não é lá muito fácil este encontro. Imagino que o momento mais forte deste cara a cara é quando iniciamos a passagem para a outra dimensão, a da morte, pois creio que o que vivenciamos aqui na Terra passa como um filme em nossa mente e aí não dá para negar todos os segundos desperdiçados com coisas que não valiam a pena ou que não estavam em sintonia com a alma de quem parte. Experienciei algo assim quando ía me afogando em alto mar. O filminho veio todo, numa velocidade que ainda me impressiona, pois isso não ocorre no tempo do relógio. Ainda bem que, já àquela época, gostei do que vi. Hoje já caminhei mais um pouco em busca da minha inteireza e fico feliz com isso, apesar de, confesso, assustada.
Jung dizia que o que mais impede nosso crescimento são as possibilidades que temos de expressar todos os potenciais que trazemos na alma. Sinto esse medo vivo dentro de mim, mas, nos meus momentos de loucura, ouso e me entrego, ou, como diriam meus filhos, me jogo inteira, nos chamados da vida, seguindo sempre aquela vozinha (de voz, carinhosamente falando) que canta em meu coração.
Coisas que há tempos pensei que pudessem acontecer só na imaginação fazem parte do meu cotidiano. Trabalho agora na cidade que minha mãe nasceu, ajudando seus conterrâneos a sonharem com uma vida rica em realizações. Criei esta possibilidade em meus devaneios num passado e sonhei acordada com tudo que poderia fazer lá. Agora, mãos à obra. Também imaginei que poderia realizar um trabalho terapêutico diferente do que se faz tradicionalmente em consultório, cheio de trocas, de contato com a natureza, usando tudo que já aprendi na jornada de construção de conhecimento, transformado pelo afeto em sabedoria. Pude concretizar este outro devaneio e perceber que dá certo. Minha relação com o processo de ensino-aprendizagem é algo que faz minha alma vibrar e sempre fui uma ensinante cheia de novidades. Vivi um encontro com minha turma de pós em tecnologia no Jardim Botânico, num contato com a natureza, onde as sensações foram mais importantes que a razão. Depois do passeio viemos terminar a aula com um almoço em minha casa e passamos a tarde toda refletindo sobre o prazer de ensinar e o tesão de aprender, sentados num lindo jardim, ouvindo o canto de pássaros e cigarras, vendo pavões e tô fraco passeando por entre as plantas. Em um tempo de minha vida essa forma de ensinar e aprender foi um sonho que acalentei e coloquei energia para que no meu presente pudesse ser realidade. É nisso que acredito, é assim que vivo, é por isso que os milagres se manifestam em minha vida. Mérito meu? Não creio. O que acontece é que me coloco sempre na posição de canal da Energia Sagrada para que esta se expresse aqui neste planeta lindo.
Com certeza, a forma como vivo não seria suportada por boa parte de meus amigos e minhas amigas, pois tenho uma rotina extremamente simples, calma, sem a agitação dos passeios, dos shoppings e dos bares. Acordo muito cedo, organizo o café da manhã, faço exercícios xamânicos com meu marido, medito, fotografa, cuido das plantas, leio os jornais na internet, leio livros de verdade – não abro mão de sentir o cheiro do papel -, escrevo, converso muito com minha deusa – minha filha linda -, fico ababacada com a perfeição da natureza. Coisas assim, bobas, que me permitem usar short, camiseta e havaianas, ou até trabalhar descalça.
Ainda sinto a angústia de viver a vida de uma escritora. Fiz faculdade e aprendi a trabalhar com computadores. Fiz outra faculdade e aprendi a ser psi. E como se aprende a ser escritora? Como viver uma rotina de escritora?
Visitei a Livraria Cultura e lá achei alguns tesouros que estão na minha mesinha de cabeceira: Os ensaios, de Montaigne; O fogo da vida, peça teatral de Sônia Bierbard e Gustavo Falcão; Poemas, de Daniel Lima. Este último me foi apresentado na minha defesa de mestrado, lá em 2004, pelo meu mestre amado, Zeferino Rocha, quando declamou um poema que, para ele, sintetizava minha dissertação – A Bússola. Agora passeando pela Cultura no garimpo que sempre faço por entre livros, revistas, jornais, cds, dvds, encontrei o livro do poeta e me apaixonei completamente pelo seu texto, num arrebatamento tal que me senti traindo Pessoa.
Compartilho algumas mensagens que vão diretamente para o coração (formato do texto em poesia, deixarei para seu encontro com o livro).

“Viver é isto: saber, pela razão, a direção do norte, mas ir, pelo amor, na direção do oeste”.

“Estudei gramática, fiz filosofia, decifrei charada, li tudo que é livro, aprendi foi coisa mas não sei é nada”.

“A cada momento, se não há, invento; o que será, eu mudo”.

“O tempo é Deus que se dá aos pedaços no passar das horas”.

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