10.10.11

Ao ler a matéria de uma revista sobre a nova linha editorial de uma empresa governamental, fiquei com meu coração apertado. Pensei, então, sobre o que ele estava querendo me dizer, pois, toda vez que fica assim, sei que aí tem coisa. O que me incomodou no texto foi a informação que a editora, na sua produção infantil, iria privilegiar histórias que trouxessem uma reflexão sobre temas que nossa sociedade precisa transformar, como a exclusão social, a educação especial, algo que mexesse com nossa subjetividade e nos desse coragem para agir no mundo. A matéria também falava sobre a importância da valorização da cultura local e que este aspecto seria analisado no momento de escolhas das obras a serem postas no catálogo da editora.


Entendo este cuidado, precisamos valorizar nossas raízes, precisamos transformar a realidade perversa que encontramos nas esquinas da vida e para isso devemos usar de todos os artifícios eticamente aceitos, mas quando penso no universo infantil, não consigo não pensar nos arquétipos, na imaginação, na fantasia que habitam as crianças de todo o mundo, não importando o tempo e o lugar de suas brincadeiras, de seus sonhos e de seus medos.

Ana Maria Machado, no seu livro Silenciosa Algazarra, faz uma análise sobre os pontos de contato entre as histórias recolhidas pelos irmãos Grimm e as recolhidas por folcloristas brasileiros. Em um determinado momento, Ana, para os íntimos, relata o registro de uma contadora de histórias, filha de escravos, que contava histórias aprendidas em sua Mãe África, misturadas com outras iguaiszinhas às encontradas no mundo europeu, e acrescidas das ouvidas nos mitos indígenas. Muito lindo este encontro de culturas!

Por tudo isso, incomodou-me o recorte no mundo da literatura infantil. Estarão banidas da fantasia das crianças de minha terra as fadas, os duendes, os gnomos, as princesas, as bruxas, as madrastas más, os dragões? Não haverá mais pote de ouro no final do arcoíris, a não ser que esteja colocado embaixo do umbuzeiro?As árvores que tocarão nas nuvens do céu terão que ser coqueiros?

Meu coração não fica feliz quando se coloca a literatura a serviço da educação, no que se refere à moral da história. Crianças, escovem os dentes antes de dormir. Crianças, tratem os idosos com respeito. Crianças, crianças, crianças... façam isso, façam aquilo. Temos muitas histórias para usar como instrumento de divulgação das ideias valorizadas por nossa cultura, mas podemos chamar este tipo de texto de literatura infantil? Volto no tempo e paro na época em que a criança era eu e me vejo deitada na rede, no sofá, na cama, lendo historinhas de fadas e de bruxas que tocavam minha alma. Escuto a voz de minha mãe contando histórias de castelos, cavalos brancos, príncipes e princesas. Isso tudo me transportava para o mundo da fantasia.

Gostava da época em que nossa língua tinha estórias e histórias. Talvez hoje essas duas estejam muito misturadas. Lembrei-me do poema de Dom Hélder, Minha Pedagogia, que sempre compartilho nas palestras que faço. Ei-lo:



Não ensine a seu filho que as estrelas não são do tamanho que parecem ter:

maiores que a Terra!

São lâmpadas que os anjos acendem todos os dias

assim que o sol começa a escurecer...

Não diga a seu filho que as asas dos anjos só existem em sua imaginação.

Já vi meu anjo em sonho e posso jurar que

ele tem asas claras que até parecem feitas de luz.

Não encha a cabeça de seu filho ensinando-lhe hipóteses precárias

que amanhã de nada servirão.

Povoe de beleza o olhar inocente de seu filho.

Dê-lhe uma provisão de bondade que chegue para a marcha da vida.

Infunda-lhe na alma o amor de Deus

- e tudo o mais, por acréscimo, ele terá.



Aprendi com ele a não abandonar num canto a criança que existe em mim. Sigo a vida acreditando em fadas, duendes, bruxas, e transformando minha história numa estória cheia de magia onde há ‘era uma vez... e foram felizes para sempre’.

 




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