29.1.13

Quando era criança, conheci a casinha do sítio que meu pai e meu tio tinham comprado e falei assim:
- Quando crescer, construirei aqui uma escola.
O tempo passou, nunca mais voltei lá e o sonho (ou premonição?) ficou guardado lá no coração, num lugar tão escondido que nem me lembrava dele.
Há alguns anos visitei novamente a região e me reencontrei com a casinha, agora uma construção em estado de decadência total. Recordei o sonho. Surgiu o desejo (ou inspiração?) de realizá-lo, não mais como uma escola e, sim, como uma editora de livros, uma fábrica artesanal de livros.
Gestei a Caleidoscópio, investindo toda energia em cada tijolo manual que era colocado, em cada barro - tirado da própria terra - que servia como liga. A planta foi discutida com o marido e os filhos e desenhada num papelzinho quadriculado. Pequeninha. As paredes começaram a subir e pensei 'aqui não vai caber é nada'. Subiram mais um pouco, o telhado surgiu e fiquei perplexa diante do tamanho da obra. Enorme!
Tijolos, telhas, madeira, cimento, areia, portas, janelas, ferrolhos, canos, fios, pregos, tudo, tudo sendo entregue sem um centavo pago, sem um cheque pré-datado, só na base da confiança. Coisas que só no interior ainda se encontra. Tudo muito simples, casa de portas e janelas sempre abertas para que o vento fizesse festa.
Aprendi com o ritmo da natureza, com os animais e as plantas que vivem neste cadinho de paraíso. Senti o vento frio, senti a chuva, senti o calor, senti sede.
Em alguns momentos as dificuldades eram tantas que me olhava no espelho e encarava a face da loucura, pois como realizar uma obra assim sem os recursos financeiros necessários? A alma respondia que quando o caminho é o do coração, o Universo conspira a favor. Conectava cada célula do meu corpo a esta energia, respirava e me lembrava da multiplicação dos pães no sermão da montanha. Seguia em frente, pois sempre surgia uma oportunidade de gerar uma renda extra ou uma ajuda dos inúmeros parceiros que tive durante a jornada. Mata Viva, Dangen, Nô, Nildo, Sr. Luciano, Cidinha, Adriano, Sr. Leopoldo e Dona Maria, Zé Laurentino, Carlos e Dionízio. O estímulo dos amigos também ia dando o alento necessário quando a alegria do criar diminuía. Professor Luiz Carlos, Mile e Ednílson, Elizandra. O apoio dos meus filhos e do meu marido foi o alimento que me fez sobreviver nessa travessia. Confirmou-se o ditado que diz que quando se sonha junto, o sonho se materializa.
Outra forma de seguir em frente era inventar detalhes. A pia do banheiro era uma bacia de alumínio, comprada nas calçadas de trás do Mercado São José. A torneira era uma cuia de feira. Os porta-toalhas surgiram de piões de brinquedo. Ladrilhos hidráulicos foram feitos artesanalmente por um artista de Ouro Preto, lá de Olinda. Troncos retirados das sucupiras do nosso sítio vieram fazer parte do piso de cimento queimado. As cores das tintas foram resgatadas de um recorte de revista guardado por muito tempo. As luminárias da sala foram presentes de uma amiga e a da sala de reuniões foi invenção do meu marido. Houve um buraco que logo foi transformado num lago. Criou-se uma ponte, cheia de curvas para homenagear o camarada Oscar. Redes se espalharam pela casa toda.
Foram muitas as idas e vindas para levar móveis, estantes, livros e livros e livros. A limpeza se transformou num ritual, pois como a casa não era forrada caía sempre um pó do telhado.
Devagarzinho a casa foi se transformando num lugar mágico, cheia de sonhos, fadas, bruxas, duendes. Reuniões do Partidão - na sala reservado para meu marido -, encontros para contação de histórias, círculo de mulheres, formação de educadores, fotografia, cinema, teatro, música, dança, cuidados com o meio ambiente e tudo o mais que o coração sussurrar.
Agora está pronta e muita feliz. Conversei com ela e me confidenciou que já abriu suas portas e janelas para o Amor entrar. Sejamos bem-vindos!
Que a Energia Sagrada abençoe este lugar!


































3 comentários:

Jorge Falcão disse...

Querida Patrícia,
Seu texto me encantou (no sentido amplo desse termo, que você me ensinou) muito além da aprovação fácil do dedinho para cima dos facebooks da vida. Acho que hoje, agora, entendi de vez a força e a importância de sua caminhada, de seu testemunho, de sua loucura sagrada. Uma coisa mágica dessa comunidade web da contemporaneidade é que a gente solta nossas garrafas na imensião desse éter, garrafas às vezes com fel, muito frequentemente com sabedorias rasinhas, mais frequentemente ainda com o compartilhamento da banalidade, e mais raramente com pepitas de luz, como têm sido suas contribuições. Que comovem quem lê. Obrigado por me comover nessa manhã de trabalho pesado, nesse janeiro dos alicerces de 2013. A casa-sede da Caleidoscópio está uma lindeza, vê-la brotar da ruína agreste (quando JÁ ERA bonita!) e florir, na sequência de fotos, toma de vez o coração dos mais empedernidos, que só crêem quando vêem. Parabéns, Patrícia, que o Universo Todo a abençoe e energize, para que você prossiga gauche e luminosa na vida.

Anônimo disse...

Ô de casa? Felicidade é pouco em ver seu sonho se concretizando na Terra Santa (hoje entendo quando as pessoas falam da magia de Lagoa dos gatos, só se sabe quando está longe), ô Patrícia as fotos tiradas pelos alunos do Projovem do Pau-Ferrado ficaram onde? mille as levou para casa das Juventudes?
ficaria muito feliz se elas ficassem expostas no caleidoscópio, sei lá, acho que seriam bem conservadas... Mas ta linda a sementeira de cultura que nasce em Lagoa! Bjos e saudades.

Anônimo disse...

Sempre esqueço, rsrsrs Alberto !