20.11.06

Ilza, uma mulher verdadeira

Ilza é uma mulher de sessenta anos de idade (acha ela, pois não tem a data correta no seu registro de nascimento), negra, analfabeta, nascida sob o poder de Plutão (que agora foi rebaixado a planeta-anão) em Escorpião. Ilza é viúva, mãe de cinco filhos. O marido morreu afogado num piquenique. Um de seus filhos, Mala Véia, morreu bêbado em pleno carnaval. O filho que ficou, Negão, herdou a cachaça do pai e ainda quebra tudo quando bebe. Ilza é magra, baixa e tem todo tipo de doença – coração crescido pelos banhos de rio, pernas inchadas pelas varizes, dores nos rins, olho piticando, hanseníase (mas já ficou boa). Adora falar sobre elas, as doenças. Já comeu tijolo depois de virar uma garrafa de conhaque, mas hoje é evangélica e foi a religião que salvou sua vida. Cozinha muito bem e tem mãos de fadas para plantas. Quando criança, vivia na roça, cortando cana, mas queria mesmo era dançar. E sua alegria e sua paixão pela vida foram fortes o suficiente para levá-la a fugir de casa e ir trabalhar em casa de família, ainda criança. Seu maior talento é ser alcoviteira. Sabe ajeitar um cantinho de amor, criar um clima, aconselhar casais. Mulher batalhadora, grande cuidadora e curadora. Uma verdadeira xamoa! Mas não quer mais saber das coisas que sabia, pois, agora, é crente e essas coisas são coisas do diabo. Afinal, como ela mesma não se cansa de repetir, ‘só Jesus Cristo salva’.
A vida de Ilza é cheia de histórias interessantes. Quando era mais jovem, mas já com os cinco filhos, soube que seu companheiro, Caçula, tinha engravidado uma moça de menor e que seria obrigado a casa com ela de papel passado. Ele nada disse para Ilza e ela ficou só aguardando o que iria acontecer. Mas não ficou de braços cruzados.
No dia do casamento, organizou um ambiente de trabalhos espirituais, no momento em que ele foi para o cartório. Colocou velas espalhadas pelo chão de sua sala, jogou ervas, fumo e cachaça em cima da mesa. Pegou uma peixeira e também colocou em cima da mesa. Fez uma sacola com roupas para os meninos e ela. Separou uma bolsa com dinheiro. Deixou a porta da cozinha aberta e um táxi esperando. Os meninos ficaram arrumados e no quarto.
Então, começou as suas orações. Pediu, com fé, pelo seu casamento, pelo seu amor, pelos seus filhos. Fez seus pactos. E rezou e rezou e jurou que se ele se casasse, quando entrasse em casa ela o mataria com a peixeira, pegaria os meninos, as roupas e o dinheiro e sairia pela porta da cozinha, fugindo no táxi para umas terras lá na sua cidade do interior, onde ninguém iria achá-la.
Ilza ouviu o barulho de um carro chegando e seu coração quase parou. Foi até a calçada, com a peixeira nas costas, e viu quando Caçula chegou todo feliz e gritando “Ela desistiu na hora, meu amor. Ela desistiu na hora”. E a abraçou cheio de amor. Lágrimas de gratidão vieram-lhe aos olhos. Mandou-o embora para avisar a sua mãe – queria tempo para arrumar o que havia espalhado pela sala.
Entrou correndo, guardou a peixeira, mandou o táxi embora, limpou tudo e chorou.

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