9.3.09

Conversei hoje com uma amiga que é psicóloga e trabalha como funcionária púbica. Ela estava triste porque o dinheiro é pouco; perguntei-lhe se não gostaria de trabalhar uma parte do dia em consultório, pois teria uma renda extra. Segredou-me que adoraria mesmo era trabalhar com arte, um sonho de menina que nunca realizou.
Lembrei-me, então, de outras amigas e amigos com outros sonhos de infância que nunca foram realizados. Uma, trabalha com computadores, mas gostaria de ser arquiteta; tem outra que é professora e leva o maior jeito com moda. Conheci uma pessoa na minha adolescência que queria ser geólogo porque amava o contato com a natureza. Hoje é engenheiro, ou melhor, dono de uma empresa que constrói edifícios e vive trancado em seu escritório, talvez, apreciando o pôr do sol pela janela fechada por conta do ar-condicionado. Convivi também com um excelente técnico em informática que dominava completamente a lógica dos computadores e que sonhava ser fazendeiro; adorava o cheiro da bosta do gado e ficava horas contemplando cavalos. Soube que continua trabalhando com tecnologia e que seus ombros estão curvados, imagino eu que não resistiram ao peso de seu cotidiano. Um outro amigo trabalha com eletrônicos e dá aula até tarde da noite, mas adora mergulhar e fazer trilhas de bicicleta; precisa sentir seu corpo em movimento e passa seus dias num ritmo lento, tão lento quanto seu andar quase sem vida.
Pensei no meu percurso. Quando pequena sonhava ser aeromoça para poder viajar muito e conhecer lugares diferentes. Depois quis ser freira e trabalhar na África em missões religiosas. Viajei muito pouco e de freira não tenho coisa alguma, já que casei três vezes. Adorei livros desde muito cedo e desejei viver no meio deles, mas fui trabalhar com tecnologia e, depois, como psicóloga. Tenho filhos e pessoas que ainda dependem dos meus cuidados e justifico assim o desvio que fiz no meu caminho.
Em que bifurcação da estrada de minha vida tomei o rumo errado? Por trás de que árvore abandonei meus sonhos de menina? Por onde deixei meu coração? Quando vendi minha alma ao diabo? Será que ainda dará tempo?
Era uma vez...

26.2.09











Gosto de Carnaval e brinco desde a época de minha infância. Foram as bombas d’água, as bombas de cano, os confetes e as serpentinas, as fantasias, os corsos em carros abertos, os bailes infantis. Na adolescência, vivi os bailes nos clubes, o Boca Preta e o Boca Branca, no mercado público de Lagoa dos Gatos, e o carnaval de rua de Olinda. Já adulta, comecei a aproveitar os blocos do Recife Antigo. No ano passado, visitei o fantástico encontro de Maracatus em Nazaré da Mata.
Pela primeira vez, participei dos bastidores do Carnaval de Recife. Meu marido estava na equipe da organização municipal e trabalhou muito, antes e durante o Carnaval. Nunca imaginei que a festa envolvesse tanta gente dando apoio; é um verdadeiro exército. Definem-se os blocos, os trios e as atrações de cada pólo e de cada bairro onde a festa vai ocorrer. Há uma concentração no Recife Antigo, mas existem grandes palcos por toda a cidade. Só de polinhos são 43, com valorização dos grupos culturais da própria comunidade e, também, com convidados ilustres. Em cada palco existe toda a infra-estrutura necessária: banheiros, camarim, iluminação, som, decoração, policiamento, limpeza e fiscalização. Tudo é pensado para que o folião possa brincar com tranqüilidade e alegria.
Visitei alguns pólos grandes, como o de Santo Amaro, com o espetáculo do Cordel do Fogo Encantado, e o de Nova Descoberta, com show de Mano Shaw (não sei se é assim que se escreve, pois é um grupo francês e na sua apresentação havia muitos turistas estrangeiros, apesar da forte chuva que caía). Também estive em polinhos: o da Rua da Lama, com apresentação de pagode; o da Mustardinha, lindíssimo, com decoração toda com material reclicável, e um artista da comunidade comandando o frevo para famílias inteiras brincarem; o do Bongi, com uma emocionante apresentação de maracatus, onde idosos e crianças se misturavam num rito de religiosidade e beleza.
Nunca fiquei tão atenta à chuva, ao lixo pelas calçadas, ao entupimento de galerias, ao acesso aos principais locais da festa. Quando você trabalha para que tudo dê certo num evento grandioso como esse, você assume a postura de co-responsável. O Carnaval não era apenas uma responsabilidade do Prefeito: agora, também era minha, assim como de todas as pessoas que vi envolvidas no processo; todo mundo, numa só ciranda, no mesmo ritmo, em harmonia, fazendo a festa acontecer.
Meus filhos se esbaldaram nos cinco dias de folia. Voltavam quando o sol já tinha raiado. Chuva? “E vou deixar de brincar por causa da chuva? Nunca.”. Eram o termômetro do clima da festa.
Um Carnaval MultiCultural, com a energia do povo recifense, sempre alegre e hospitaleiro, expressa no fantástico trio elétrico que entrou na Guararapes no Galo da Madrugada, tendo no comando nada mais, nada menos que Lenine, Silvério Pessoa, Spock, Antônio Carlos Nóbrega, entre tantos outros. Só delírio!
Contagem regressiva para o próximo.

24.2.09

Tive uma experiência muito chocante na última semana. A esposa de nosso motorista, uma mulher de quarenta e poucos anos, mãe de três filhos pequenos, com problemas neurológicos que a colocaram numa cadeira de rodas, teve um AVC, acidente vascular cerebral. Primeiro, ficou com a voz embolada, depois não conseguia mais engolir a comida e, por fim, apresentou dificuldades para respirar. Ligaram para ele e saiu correndo para socorrê-la. Levou-a uma policlínica, onde recebeu os primeiros socorros: foi colocada no oxigênio e no soro. Por lá ficou até conseguir que uma ambulância a transportasse para um hospital. Isso demorou um pouco porque as ambulâncias estavam apenas com cadeiras (e as macas?). Conseguiu uma vaga num hospital em Cavaleiro, Jaboatão dos Guararapes. Então, começou o calvário. Ela foi colocada numa cama e continuou no soro. Ao seu marido foi informado que ela teria que ter acompanhante feminina ou não poderia permanecer na unidade, inclusive com a sugestão, pelo grupo de auxiliares de enfermagem, de que assinasse um termo de responsabilidade e a levasse dali. Ligou-me desesperado, pois sua esposa não tem irmãs, a mãe dela já é acamada, também vítima de AVC, e uma vizinha sua estava tomando conta das crianças que haviam ficado chorando em casa. O que fazer? Pedi para conversar com a chefe de enfermagem e a orientação mudou. “Não era bem assim”, “ele não havia entendido direito”, “é que havia muitas pacientes e a equipe de enfermagem não poderia dar uma assistência completa a cada uma”, “claro que ela deveria ficar lá, pois não teria condição alguma de remoção”. Ele foi para casa e, no outro dia, levou ao hospital lençol e fraldas descartáveis, além do material pessoal de higiene de sua esposa. O hospital não tem lençol para os leitos, pois, segundo informações da equipe técnica os mesmos são roubados pelos próprios pacientes. Também não há fraldas descartáveis e cada uma tem que levar as que irá usar. Ficou lá a manhã toda esperando pela médica que iria fazer o exame nas pacientes, a evolução, como chamam os doutores da medicina, mas ela não apareceu. A explicação? Estava dando plantão em outro hospital. Veio outro médico, chegou até cedo, mas não poderia olhar a esposa dele porque era responsável pelos pacientes da outra ala. Inclusive, foi embora bastante irritado porque havia pedido um Raio-X há vários dias e o mesmo não tinha sido providenciado, o que impediria a alta de um paciente.
Diante da situação caótica, fui com ele ao hospital. Chegamos na hora do almoço. Logo na entrada, um grande número de mulheres, crianças e idosos se aglomeravam numa fila à espera de atendimento ambulatorial. Dirigimo-nos à internação e o vigia nos deixou entrar porque estávamos com fraldas para a paciente. Encontramos um grupo de auxiliares de enfermagem conversando por trás de um balcão. Perguntei pela esposa de meu amigo e responderam que estava no leito e que já havia tomado banho. Comecei a perguntar pela médica e confirmaram as informações que ele havia me passado. Enquanto respondiam laconicamente às minhas perguntas, chegou uma senhora gritando de dor, sendo apoiada por sua filha. Nenhuma das enfermeiras saiu do lugar e apontaram uma sala para a filha depositar a mãe. Questionei o porquê de outro médico não a ter visto, não houve resposta; quis saber o nome do diretor do hospital; “é melhor a gente chamar a enfermeira chefe”.
A enfermeira foi muito gentil, repetiu a história da médica, disse que ela viria no dia seguinte e que se a paciente tivesse qualquer coisa grave, seria atendida pelo médico de plantão. Quis saber o que deveria fazer, já que neste hospital não havia neurologistas e o quadro dela era neurológico. Orientou-nos a aguardar até o dia seguinte, pois na visita da médica ela solicitaria a transferência para uma unidade hospitalar que tivesse essa especialidade e isso seria mais fácil porque haveria o pool de vagas dos hospitais da região e já iria com a senha para internamento imediato. Também liberou a permanência do meu amigo ao lado da esposa, no turno da noite.
Ele passou a noite toda lá, sentado em uma cadeira, até a chegada da médica, perto das nove horas da manhã. Explicou o caso, solicitou a avaliação neurológica e ouviu um “eu não posso fazer isso não, o senhor não deveria ter aceitado que o médico da policlínica a encaminhasse para cá”. Acanhado, respondeu que era motorista, que entedia tudo de carro, mas que não poderia mandar no médico e, sim, confiar no que ele havia dito quando falou que esse hospital era muito bom e que iria cuidar da esposa dele muito bem. Vai pra lá, vai pra cá, a tal médica conseguiu a transferência para um grande hospital público de Recife, com indicação para avaliação neurológica. Depois de esperar pela ambulância, de novo sem as macas, foi direto para o hospital, onde fez os exames necessários, tomografia computadoriza, e se constatou um AVC com conseqüências nada animadoras para a paciente e sua família: seu quadro é irreversível. Está no soro, sem conseguir falar, andar ou se mexer, com alimentação através de uma sonda. O médico chegou a falar em alta, pois não havia muito a ser feito. Ela ficou na maca, no corredor do hospital, e seu marido foi mandado para casa.
Voltou no outro dia e quase era impedido de entrar pelo policial que fazia a segurança e que pediu um dinheirinho para que o deixasse passar. O maqueiro também pedia um agrado para priorizar o transporte de alguns pacientes no lugar de outros.
Ah! Lá descobriu porque as ambulâncias estavam sem as macas. Só neste hospital, oito delas serviam de leitos para os pacientes, pois não havia camas suficientes para todos.
Ela ainda está neste hospital, seu marido tem ido visitá-la, o médico tem recebido meu amigo com respeito e carinho, disse-lhe para não levar mais lençol e fraldas porque o próprio hospital forneceria tudo que precisasse.
Fiquei indignada diante disso tudo. Claro que há falhas no sistema público de saúde. Não há camas, as macas estão servindo de leitos, mas isso inviabiliza o transporte de pacientes nas ambulâncias. Um erro aqui, afeta ali. Todo o sistema está interligado. Mas, soube através de um médico amigo, que o sistema único de saúde paga certo número de diárias quando há o internamento e aí os hospitais conveniados ficam com o paciente durante este período, mantendo-os com os custos mínimos, só no soro, no caso de minha amiga. Um verdadeiro depósito de pacientes, representados apenas pelas cifras financeiras. Onde está a humanidade? Como se justificar que uma médica que prestou o seguinte juramento, proponha-se a estar em dois lugares ao mesmo tempo?
"Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a serviço da Humanidade. Darei como reconhecimento a meus mestres, meu respeito e minha gratidão. Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade. A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação. Respeitarei os segredos a mim confiados. Manterei, a todo custo, no máximo possível, a honra e a tradição da profissão médica. Meus colegas serão meus irmãos. Não permitirei que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias ou sociais intervenham entre meu dever e meus pacientes. Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção. Mesmo sob ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza. Faço estas promessas, solene e livremente, pela minha própria honra."
Claro que sei que a vida do médico não é fácil, que muitas vezes trabalham em condições precárias, mas quando se assume um emprego, qualquer que seja ele, enfrenta-se o que se tem ou se pede para sair dele. O que não dá é para fazer de conta que se cuida, quando a doença não pode apenas fingir que existe. Ela provoca dor e morte. Onde estão, na consciência dessa médica, as palavras proferidas em seu juramento, “Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade. A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação.”
O que constatei é que fica fácil para a população condenar o Estado, pois sente na pele a ineficiência do serviço de saúde, está faltando médico na hora em se precisa de socorro, está faltando lençol, a equipe de enfermagem não é suficiente, mas a população não sabe que o médico foi pago e que não está lá por causa de esquemas pessoais que fazem corar aqueles que abraçam a profissão por vocação, que o Estado paga ao hospital exigindo condições de instalação, que pelo contrato estão sendo cumpridas, que também paga para a enfermagem trabalhar e apoiar os pacientes.
O que leva um grupo de auxiliares de enfermagem, pagas pelo Estado, a não reagirem diante de uma mãe que berra de dor e de uma filha que faz um esforço enorme para conduzi-la para os primeiros socorros? O que faz um policial, pago pelo Estado para servir à população, a extorquir dinheiro de pessoas pobres, num momento de grande desespero? O que provoca no maqueiro, também pago pelo Estado, a roubar – a outra palavra para isso? – das famílias para que seus entes queridos sejam socorridos na sua dor?
Sei que não é fácil lidar com a dor, com a morte, e que, talvez, como mecanismo de defesa, os trabalhadores de saúde precisem se embrutecer para suportar o que vêem todos os dias. Se assim for, precisamos criar instrumentos de apoio que os ajudem a enfrentar esse dilema e devolva para cada um deles a dignidade humana, neles próprios e em todas as pessoas que encontrarem pelo caminho.
Precisamos resgatar o conceito de servidor público, pois este é pago pelo Estado com o dinheiro do povo, para servir com qualidade ao povo. O que não podemos é nos calar diante de situações como estas. Temos que denunciar e provocar uma nova forma de organização popular e de gestão pública, para que juntos, como co-responsáveis, façamos valer o direito de saúde para todos. Não podemos ficar apenas culpando o governo, os profissionais de saúde. Como cidadãos, podemos fazer a diferença na hora de agir, não aceitando o pagamento de propinas, não aceitando tratamento desrespeitoso, procurando os canais competentes para garantir nossos direitos.
Vamos fazer a nossa parte!

19.2.09















FOTOS: ROBERTO ARRAIS
Desde que me propus a abraçar a vida de escritora, percebi que observo muito mais os detalhes simples do cotidiano e me peguei sentindo poesia nas pequenas coisas.
Encanto-me com o brilho do mar na hora que o sol começa a cobri-lo com sua luz (qual a cor do mar neste instante?), deslumbro-me com a melodia das palhas do coqueiro que dançam ao som do vento, fico em êxtase com o canto dos pássaros e com a coreografia das lavadeiras no chão cheio de desenhos da areia da praia. Adoro beber água do mar; é tão salgadinha. Mergulho devagar, deixando apenas os olhos de fora e contemplo o horizonte. É só mar e céu azul, com a linha que marca o encontro dos dois ao longe. Não há mais nada, apenas a Perfeição. Do coqueiro, no jardim, caem os coquinhos que formam um tapete no chão gramado. Fica lindo o colorido do verde com o marrom. Há, também, as cores das flores, o cheiro do manjericão, o perfume do jasmim e a delícia das jabuticabas.
Fico, com meu marido, a aguar nosso jardim, contemplando o vai e vem das ondas do mar. O som das ondas é outro que me coloca em transe. Tudo é impermanência. Este movimento se reproduz no balanço das redes no terraço, onde nos largamos em momentos de leitura.
Comemos e lavamos os pratos olhando o mar. Vemos os pescadores com seus barcos e suas redes, vemos as mulheres catando mariscos, vemos as crianças construindo castelos de areia. O nosso lar não é de areia e é um pedacinho do nosso Paraíso. Lá reabastecemos nossas energias. Ao sentir tão de perto a energia da natureza, confirmo que tudo está interligado e me maravilho com as manifestações do Sagrado na Terra. Só a agradecer.

18.2.09

Fiquei pensando, noutro dia, que há pessoas que participam da vida e outras que apenas a assistem. Lembrei-me da imagem que registrei quando fui assistir ao show de Maria Betânia numa grande casa de espetáculo. O palco todo iluminado, público enorme, vigilância redobrada contra os possíveis ataques de fãs à artista. Observei alguns homens, todos fortes, vestidos de terno preto, de costas para o palco, verificando o movimento da massa. Enquanto isso acontecia, a cantora emprestava sua voz às poesias que entoava.
Os ingressos estavam esgotados dias antes do show. Aqueles homens tinham o privilégio de estarem a poucos metros da artista e, no entanto, não assistiam, de verdade, à sua apresentação. Não suspiravam a cada canção de amor, não viajam pelos lugares que Betânia descrevia em suas melodias. Às vezes, as pessoas ficam assim frente à vida: tão perto e tão distante.
Quando é que se começa a ser espectador e não autor da vida? Certa vez, em viagem pelo interior, vi uma menininha comprar um pirulito numa venda e, assim que o abriu, o pirulito foi ao chão. A menina olhou para ele com uma tristeza profunda, percebeu que eu presenciara a cena e comentou: “Não tem problema, não”. Fiquei indignada com sua posição. Ajoelhei-me ao seu lado e comecei a conversar, tentando colocá-la em contato com os seus sentimentos.
Por que não lutar pelo que queremos? Por que desistir de nossos sonhos? Por que não viver a vida desejada, em segredo, em nossos corações? Por que não sermos autores de nossas próprias histórias?

10.2.09


Gosto de inventar coisas diferentes para fazer. Tive a fase da costura, das caixinhas de madeira, dos quadros e tantas outras que nem lembro agora. Sempre, porém, me acompanha a paixão pela leitura e pela possibilidade de viver o mundo através da escrita.
Quando estava pintando caixas de madeira, percebi que sentia um certo incômodo quando as cedia para uma outra pessoa. Elas iriam viver longe de mim e não poderia mais apreciar sua beleza, seus detalhes. Cada peça era única e eu ficava com saudades das minhas criações, como uma mãe sente falta dos filhos ausentes.
Com um texto é diferente. Escrevo-o, posso enviá-lo pela internet para uma enorme lista de amigos, coloco no blog, publico no livro, vários exemplares do mesmo livro, e o espalho pelo mundo afora. Mas ele continua sendo meu e fica pertinho de mim, no computador, na folha de papel ou no livro. Sinto como o peixe que Jesus multiplicou e que não acabava nunca. Quanto mais pessoas têm acesso ao texto, mas ele me pertence porque posso trocar idéias sobre ele com mais gente e mais vida ele ganha.
O mundo das idéias e o mundo dos objetos... reflexões filosóficas desde que o mundo é mundo.

25.1.09

Tenho o direito de saber


Estou com dificuldade para respirar. Sinto-me sufocada por uma enorme pressão no peito, resultado da angústia gerada pelo filme que acabei de ver. Tempo de Resistência, um filme que conta a podre história do Brasil na época da ditadura.
Os relatos daqueles que foram presos e torturados são um soco no estômago de qualquer ser humano. Como pudemos perder a noção de humanidade? Nos porões das delegacias e quartéis, crimes bárbaros foram cometidos. Houve tortura de corpos de homens e mulheres que tinham como crime o sonho de um Brasil para todos. Reforma agrária, reforma tributária, liberdade de imprensa, educação e saúde para todos. A classe mérdia, como dizia Gláuber Rocha, surtou com medo de perder as regalias, e, covardemente, apoiou o golpe dos militares, manipulados como bobos fantoches pelo capital americano. Abaixo os comunistas! São perigosos e comem criancinhas. Pra frente Brasil! Salve a Seleção!
Não, a elite não poderia perder a vidinha maravilhosa e compartilhar seus direitos de uma vida digna com camponeses e operários. Mais uma dose de uísque, por favor! Sempre houve divisão de classes no Brasil! Primeiro, os invasores acabaram com os habitantes, e legítimos donos do território, através do uso da força. E ainda construíram a imagem de que eram preguiçosos! Depois, arrancaram homens e mulheres livres de seus países e os trouxeram para cá para os trabalhos forçados nos engenhos de cana-de-açúcar. Vende-se uma linda e esperta negrinha de 12 anos; favor procurar o senhor fulanos de tal, na rua tal, número tal. Agora, em 1964, por que faremos diferente? Nós, elite pelo poderio econômico, não podemos abrir mão do que conquistamos para que todos tenham um pouco. Essas idéias subvertem a ordem e o progresso do país e são disseminadas por essas bestas humanas, os comunistas.
Treinamento para técnicas de tortura. Castigos físicos, choques, abusos sexuais, humilhações, violência contra as famílias. Palavras não conseguirão, jamais, retratar com fidelidade, a dor das vítimas de tão brutal processo.
Anistiados todos.
O que podemos fazer para que isso não se repita? Como fazer justiça e punir os culpados por tamanha selvageria?
Como cidadã brasileira, patricinha, fruto da alienação burguesa, que teve aulas de OSPB no colégio, que não compreendia o que acontecia com meus irmãos brasileiros no momento em que eu festejava a conquista da copa, e que hoje, graças às voltas que a vida dá, começo a entender todo esse processo sujo, quero saber quais os nomes desses criminosos hediondos que torturaram e mataram pessoas que lutaram por um Brasil mais justo.
Não quero conviver com qualquer um deles. Não quero eleger qualquer um deles. Não quero eleger hoje pessoas que estiveram ligadas aos torturadores no passado. Não quero que praças e pontes construídas com o dinheiro melado pelo sangue dos torturados homenageiem esses covardes que se esconderam atrás das fardas e permaneceram no anonimato.
Onde estarão Geisel, Médici, Fleury? Será que existe inferno? Onde estará o bárbaro Coronel Viloc que prendeu e torturou, arrastando pelas ruas de Recife um homem de mais de 60 anos, Gregório Bezerra, dizendo, aos berros, que mataria o comunista?
Há listas dos supostos subversivos. Quero as listas dos torturadores que cometeram esses crimes de guerra. Quero saber quem foram e quem são. Quero saber porque quero ensinar a menus filhos que não é dessa forma que se constrói um país, que não é dessa forma que se luta por ideais. Quero que meus filhos acessem informações para que usem o voto na escolha de homens e mulheres que não tenham em sua história qualquer conexão com essas pessoas que torturaram.
Ouvi no filme um depoimento de um homem, que foi torturado e que sobreviveu, em que ele conta que sempre haverá marcas invisíveis da tortura, tanto naquele que foi torturado como no que torturou. A diferença é que um deles foi a vítima e o outro foi o algoz. De que lado você gostaria de estar?

23.1.09

Há mais entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia.

Tive uma formação religiosa dentro dos padrões da Igreja Católica. Estudei em colégios de freiras, fui batizada e fiz primeira comunhão. Mas quando chegou o momento de confirmar minha crença através da crisma, recuei. Havia lido o livro Ilusões, de Richard Bach, e aquele texto começou a iluminar, como a chama de uma vela, um caminho que me parecia familiar.
Na infância tive contato com uma amiga de minha mãe que viu dons mediúnicos em mim, o que foi logo descartado por todos. Brinquei com o copo na mesa, assisti à novela A Viagem e perdi meu tio, que mexia com o mundo dos espíritos, nessa época. Ainda me lembro dos pontos que ele cantava: Quem esse cacique que vem lá de Aruanda? É Oxó com seu cavalo e seu chapéu de banda. Pelo menos é assim que ficou registrado em minha memória. Deixei tudo isso de lado e segui minha formação católica.
Por volta dos 16 anos, comecei a brincar novamente com o copo deslizando na mesa e fiquei assustada quando percebi que o copo só mexia quando meu dedo estava sobre ele. Eu ficava exausta depois dessas sessões. Lembro uma vez que adormeci no colo de minha tia e resolvi que não faria isso mais nunca.
Depois de Richard Bach, comecei a ler outros livros mais esotéricos e decidi que não seria mais católica. O assunto ficou guardado e continuei vivendo minha fé na vida com muita convicção. Em momento algum perdi a crença no Sagrado.
Casei, tive uma filha, separei-me e engravidei de um amigo logo nas primeiras relações sexuais que tivemos. Estava na faculdade quando uma amiga espírita me disse que meu bebê era maravilhoso e que havia uma ligação amorosa muito forte entre nós dois porque ela via um lindo cordão azul ligando as energias dos dois espíritos: o meu e o dele. Depois do aborto, quando deitei em minha cama cheia de culpa, ouvi dentro de minha cabeça: “Não chore. Eu vou voltar”. Ouvi essa mesma frase de pessoas em centros espíritas que visitei e que não tinham conexão alguma entre si. Estava longe do pai dele e a vida nos ligou novamente. Tivemos mais dois filhos. Não sei se voltou.
Sei que fui a um centro perto da minha casa. Meu amigo não teve autorização do mundo espiritual para ir. Entrei e fiquei em pânico quando vi a galinha preta no meu pescoço, quando pessoas incorporavam outras entidades. Pomba Gira passou por mim, soltou fumaça ao redor do meu rosto e seguiu para as próximas pessoas. Voltou e me disse “Tu fez um aborto. Mas ele tá bem e vai voltar. Mas tu não vai ficar com o pai dele, não”. Essa previsão demorou 17 anos para se concretizar. De repente, lá, fui chamada para uma roda e senti meu pescoço dobrando, as pernas amolecendo. Percebi que algo estranho estava acontecendo e que se não retomasse o controle alguma entidade entraria no meu corpo energético. Comecei a rezar e a pedir para que isso não acontecesse. Não permiti. Voltei exausta para casa e coloquei mais uma vez a mediunidade embaixo do tapete. Só deixei que saísse um pouco quando escrevi duas cartas, possivelmente psicografadas. Mas também não quis dar muita importância a isso.
Terminei meu curso de Psicologia, fiz formação em Psicologia Transpessoal, em Regressão a Vidas Passadas e tive experiências fantásticas que provaram a conexão entre o mundo que vemos e o mundo da espiritualidade. Senti no corpo as mesmas sensações que senti em outras mortes que tive e compreendi melhor o que preciso aprender agora. Se isso é arquétipo, memória ou imaginação, não importa, mas sei que revivi situações difíceis para mim. O conflito entre a Bacharela em Ciência da Computação, com a razão na primazia de meu desenvolvimento intelectual, e a mulher que sentia que essa razão não era suficiente para justificar o que sentia, foi um grande torturador para a minha frágil convicção de que a realidade é a que observamos.
Fui para a Sibéria e tive iniciação em cura espiritual por xamãs siberianos. Vi milagres acontecerem, inclusive em minha própria vida. Coisas que eu diria que só aconteceriam em novelas começaram a fazer parte do meu cotidiano. E, confesso, tive medo.
No consultório pude experienciar cura com a imposição das mãos, pude confirmar a veracidade do tarô e pude perceber as energias que estão presentes nos momentos em que interajo com as pessoas que atendo. Não vejo a energia; apenas a sinto.
De tudo que já estudei, o mais forte e o mais complicado foi a astrologia. Fico chocada com a exatidão de um mapa astral. Viemos para a Terra com um guia para direcionar as nossas vidas. Pena que não sabemos como decifrar suas mensagens.
Senti grande interesse por parteiras e estou descobrindo que na tradição feminina são consideradas xamãs, ou, como uma amiga me chama, xamoas. Hoje, gosto de me reconhecer como xamoa, como uma mulher que transita entre o mundo real e o mundo espiritual. Aprendi a perceber a conexão entre todas as coisas. Ao contemplar as estrelas, sinto que estou ligada amorosamente a elas. Apesar do enorme sentimento de solidão e desamparo que as pessoas da contemporaneidade apregoam, sei que não estamos sós no Universo, como já nos ensinava Francisco de Assis.
Uma amiga diz que ser bruxa não é fácil. Concordo com ela. Mas se esse é o caminho, o que fazer? Não há saída feliz se não realizarmos o que viemos fazer aqui.
Já comprei meu caldeirão, meu chapéu e minha vassoura. Só falta voar.

22.1.09

Os Caminhos da Vida

Tenho hoje 46 anos e ainda me surpreendo ao constatar que o que aparentamos pode ser o oposto do que sentimos. As experiências que tenho vivido me fazem ver que Freud realmente explica.
"Não pago". "Apresente-me seu extrato". "Mostre-me seu cartão de crédito". Aparentes agressões que escondem "Vou continuar brigando porque essa é a forma que tenho para continuar vendo você", "Ainda quero controlar sua vida", "Não me deixe só". Por trás de tanta violência, um coração ferido e cheio e amor. É verdade que um amor não mais correspondido e agora camuflado em vingança. Mas, mesmo assim, amor e um grande amor que expressa toda sua força nas entrelinhas das limitações mundanas.
A Alma sabe o que sente. O Universo, com suas conexões mágicas, sempre faz justiça e a Lei do Retorno, você colhe o que planta, atua sobre todas as coisas.
Adoro duas frases de Cristo e procuro aplicá-las à minha vida. A primeira, "Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem". A segunda, "Pai, em Tuas Mãos eu entrego o meu Espírito". Esta fala da minha eterna confiança no Sagrado, pois me jogo na Vida como um filho pequeno se joga nos braços de um pai digno, como o que tive e tenho na Terra. Aquela me lembra de Darci Ribeiro quando disse que sentia muita gratidão por seus inimigos porque havia aprendido muito com eles e, principalmente, porque não queria ter as características que eles tinham e isso lhe possibilitava perceber que estava no caminho certo, no seu caminho.
Tive a coragem de confiar em minha intuição, de seguir a minha Alma e hoje sou uma mulher completamente feliz e realizada. Tenho filhos maravilhosos, faço o que gosto na minha vida profissional, tomo chá com meu pai, converso com minhas verdadeiras amigas coisas de arrepiar os cabelos, leio, escrevo, trabalho por um mundo melhor com muito carinho, cuido de plantas, tomo banho de mar, compartilho minha vida com irmãos incríveis, ainda recebo a energia amorosa dos meus ex-amores, sou cuidada por um grupo de pessoas que tornam meu viver mais cheio de dengo. Enfim, minha vida é coberta por bênçãos Sagradas que se expressam na simplicidade do meu cotidiano. É difícil as pessoas acreditarem que isso é possível. Mas esta é a minha verdade.
O mais fantástico, porém, é que acredito em duendes, fadas e príncipes encantados. Tenho um príncipe que ainda guardo como uma lembrança gostosa em meu coração. Agora, o mais maravilhoso é que sou casada com um Rei, mas não um rei que assumiu o posto porque seu pai deixou a herança do reino. Ele é um Rei que conquistou essa posição por méritos próprios, por sua imensa bondade e pelo enorme amor que coloca em tudo que faz. Sensível, carinhoso, brincalhão, delicioso, belo, forte, com um enorme campo energético, me faz derreter só de olhar para sua foto ou ouvir sua voz. Imaginem como me sinto quando vamos passear nas nuvens. Quando eu era criança e ainda nem tinha beijado na boca, dizia para todo mundo ouvir, inclusive para minha mãe e para as freiras repressoras do colégio religioso onde estudava, que eu sabia que uma relação sexual, um orgasmo, era a expressão máxima do Sagrado na Terra. Hoje, com meu Rei, comprovo essa tese nos mínimos detalhes. Vivencio essa magia e agradeço à Deusa esse presente.
Compartilho tudo isso para futucar um pouco as pessoas que tiverem acesso a esse texto. Queria dizer que não se conformem com pouco, não aceitem uma vida medíocre e vazia apenas pelo medo do novo. É possível, sim, um encontro de Almas e a felicidade existe. Nunca é tarde para se recomeçar um novo caminho, um novo projeto, uma nova vida.
Já ouvi de muitas mulheres, e até de alguns amigos homens, que isso que me aconteceu foi uma coisa rara que não acontece com todo mundo. Sou uma pessoa comum e minha vida não tem anda de especial para merecer dos Céus um presente assim. Beiro os 50 anos, tenho três filhos, as celulites já chegaram, não tenho muito dinheiro, não sou um exemplo da beleza das passarelas. Agora, é verdade que tenho uma inabalável fé na vida e me conecto o tempo todo com a abundância do Universo. Sei que esse é o meu Caminho. Cada um terá a sua forma de se fazer feliz aqui nesse planetinha e só precisa descobrir como manifestar o seu quinhão do Sagrado nessa vida que escolheu.
Sou Libriana, regida por Vênus, a Deusa do Amor. Amo e amo e amo. E poder amar e ser amada por um Rei maravilhoso é realmente um milagre. Mas quem disse que a vida não é feita de milagres e de magia.
Abracadabra!

7.12.08

Percurso

Há quase um mês tivemos uma festa de reencontro da família de minha mãe numa cidadezinha do agreste pernambucano. Fazia tempo que não íamos ao sítio para tomar banho de bica e cantarolar músicas, tendo como acompanhamento o assobio na boca da garrafa de cerveja.
Uma prima minha, bastante emocionada pela alegria do reencontro, comentou:
- O mais impressionante é que quem articulou tudo isso foi Patrícia, a pessoa que eu menos esperava, porque sempre foi muito afastada de nossa família.
E repetiu isso muitas vezes, com várias pessoas, sempre me agradecendo pela iniciativa.
Fiquei com aquilo na cabeça, e, claro que no coração, tentando compreender a verdade do que ela estava dizendo. De repente, o filminho da minha vida foi passando e percebi o porquê de poder estar me juntando à família de minha mãe só naquele momento.
Sou a filha mais velha. Havia o desejo de que o primeiro filho dos meus pais fosse um menino. Nasci muito inteligente para o português e a matemática. Isso já seria suficiente para ter um grande destaque na vida escolar e, para a época, fugir do estereótipo de que mulher não dava para cálculos. Fui sendo excluída pelos grupos de amigas que não gostavam dos números e, como tinha e tenho um grande poder de ação, aos poucos caminhei sozinha para o mundo masculino. Identificava-me com a família do meu pai e era lá que passava os finais de semana, entre livros e dormidas em camas de lona. Minha irmã ficou com o papel de menina da família e compartilhou sua infância com os primos e primas do lado materno. Meu irmão conseguiu ter uma vida mais independente. Claro que aqui tem muito mais coisa de Freud para explicar, como diria uma psicanalista que conheço e que sempre fala em castração.
Ia fazer Psicologia, mas mudei para Computação na semana de inscrição do vestibular. Casei-me e tive uma filha. Aí, a força da mulher falou mais forte e comecei a fazer as pazes com a minha energia feminina. Quis ir ao seu encontro, meu marido não deu conta e nos separamos. Voltei para a Psicologia. Casei novamente e tive dois filhos homens. A vida espiritual foi retornando bem devagarzinho e comecei a conhecer o mundo transpessoal, as vidas passadas, a mitologia e o xamanismo. Cheguei ao ápice no papel que desempenhava sendo regida pela lógica e pela razão e resolvi que não queria mais usar aquela máscara. Agora queria ficar quietinha e deixar que a energia feminina tomasse conta da minha alma, usando aqui tomar conta tanto no sentido de se apoderar como no de cuidar. Sentia-me como a semente que está sob a terra durante o inverno, apenas esperando a chegada da primavera para florir. Foram momentos muito especiais, onde pude me olhar e ver o que queria realmente para mim. O entorno não me entendia direito e cobrava meu posicionamento na vida profissional. Eu ainda não sabia o que a vida estava reservando para mim, mas tinha uma profunda confiança na energia amorosa do Universo e que apenas precisava me lembrar do meu Dom, do propósito de minha vida aqui neste planeta lindo. A solidão se fez presente e só em sua companhia pude escutar o meu verdadeiro canto. Sem ainda saber o que deveria fazer, resolvi que poderia ir tirando o que eu não queria mais em contato com minha Alma.
Realizei muitos trabalhos com mulheres, tanto em grupo como no consultório, e pude ir sentindo que dentro de mim suas vozes tinham eco. Escutei dores, angústias e sonhos de muitas mulheres e compartilhei todos esses sentimentos com elas. Vivenciei a energia das Deusas e percebi que no meu Todo sou muitas, concomitantemente. Fui reverenciando todas as Deusas em mim e, de repente, descobri-me Deusa.
Separei-me, casei-me de novo. Porém, dessa vez de uma forma diferente, pois sinto que estou inteira e ofereço o Sagrado Feminino para a relação a dois que construo com o meu amado. Estou feliz e em paz.
Por toda essa história, prima, é que só agora pude me aproximar da linhagem de minha mãe e celebrar a energia dela em mim e transmito essa alegria para a minha filha para que ela possa passar para suas filhas um feminino sem feridas.
E é esse feminino vibrante que me fez soltar uma gargalhada ao observar uma mulher numa loja exclamar:
- Meu Deus! Que coisa mais linnnnnnnnnnnnnnnnnnda! – referindo-se a um conjunto de panelas em teflon, expostas em uma caixa.
Só uma mulher para entender outra mulher num momento de êxtase como esse. Sim, agora achei a minha tribo e encontrei o meu lugar no mundo.

27.11.08

Depende de nós







É verdade que quase não se lê no nosso país. É verdade que não há livrarias e bibliotecas nas cidades do interior nordestino. É verdade que o poder público precisa fazer muita coisa para que se alcancem índices mínimos para uma educação de qualidade.
O que cada um de nós pode fazer para ajudar a mudar essa realidade?
Acredito que não podemos ficar só na queixa. Precisamos fazer a nossa parte.
Solidariedade se ensina, e desde pequenininhos, assim como se ensina a escovar os dentes e a tomar banho todos os dias.
Se fizermos a parte que nos cabe nesse latifúndio, construiremos um mundo melhor.



E é mentira?!

Tive a oportunidade de conhecer a cidade de Triunfo mais de perto e, devo confessar, apaixonei-me. Ela é linda. Casarios preservados, ruas, casas e estradas de pedra, açude com teleférico, povo hospitaleiro, bons hotéis e pousadas, tudo para você ir e não querer sair de lá.
Fiquei hospedada na Pousada da Baixa Verde. Um verdadeiro charme. Os funcionários atendem muito bem e a comida é uma delícia. Tudo lá é feito com capricho e carinho. O proprietário foi o grande incentivador do turismo local. Há ainda o engenho, com sua cachaça característica, seus licores e as famosas rapaduras de tudo que é jeito. Foi inaugurado o Parque das Águas com piscinas para adultos e crianças, sendo mais um local de lazer para triunfenses e turistas.
Tive a oportunidade de ir conhecer alguns lugares pitorescos com Antônio, o Barruada, uma figura maravilhosa e grande contador de causos. Quase morri de rir com suas histórias sobre Seu Lunga, personagem real que vive em Juazeiro do Norte. Contou Barruada:
“Seu Lunga queria entrar em casa e sua mulher estava sentada à porta, terminando de separar o arroz do almoço.
- Espera só um pouquinho, Lunga, que eu já tô terminando aqui.
Logo depois surge Seu Lunga com uma marreta e começa a derrubar a parede ao lado da porta.
- Que é isso, homem? – pergunta-lhe um vizinho.
- É que tô fazendo outra porta para poder entrar em casa. Aquela porta ali é só para a mulher separar arroz.”
E foi falando sobre mais histórias, virando a cabeça para trás sem olhar para a estrada íngreme e estreita, onde mal cabia sua veraneio azul. Bem que Pedro, da Baixa Verde, me avisou.
Visitei o Bico do Papagaio, o lugar mais alto de Pernambuco, ouvindo histórias sobre a época que Lampião esteve por essas bandas. Barruada diz que o cangaceiro foi o primeiro turista de Triunfo porque só ia lá para passear. Hoje a cidade o homenageia com o Museu do Cangaço. Conheci também as Furnas Holandesas e vi feijão cozinhando em panela de barro num fogão a lenha. A visita mais fantástica foi à Cacimba construída por Seu Neco há muito tempo atrás. Ele achou o local exato da água com uma varinha de madeira e começou a cavar o buraco sozinho. Fez a estrutura de pedra com mais dois ajudantes e um túnel incrível, também de pedra, para se chegar até a base da cacimba. Não usou cimento para encaixar as pedras uma na outra. A obra é tão bem feita que deixa muito engenheiro formado de água na boca.
O filho de Seu Neco estava na antiga casa de seu pai, ajeitando seu fogão de lenha, com cimento, areia e, por mais inacreditável que pareça, açúcar. Quando o provoquei dizendo que aquilo não iria prestar, ele sorriu e respondeu do alto de sua sabedoria, nada escolar, mas da vida, que o que tinha ali era muita química.
Na viagem de volta à cidade, Barruada ainda cantou músicas de Luiz Gonzaga e recitou um verso que ouviu num encontro de repentistas:
“O sol, a lua e as estrela têm um brilho muito fino. Mas os olho da mãe brilha mais, olhando o seu filho dormindo”.
Fiquei emocionada e quase fui às lágrimas. Mas logo depois soltei uma gargalhada, pois o nosso contador de histórias soltou essa, ao olhar para um casario em ruínas: “Isso aqui é tudo tombado. Tombou tanto que caiu.”
Imperdível Triunfo com Antônio Barruada como guia e a hospitalidade aconchegante da Pousada Baixa Verde. Quero voltar em breve.