12.11.06

A Deusa

Carolina acordou, tomou suco de laranja com mel e foi caminhar. Percebeu que a luz do dia estava diferente e ao olhar para o céu viu que estava havendo um eclipse, com a lua encobrindo parcialmente o sol. Sorriu ao ouvir a conversa de duas outras mulheres que estavam dando voltas ao redor da praça com negativos de filmes nas mãos para melhor observarem o eclipse, pois elas comentavam que todas as mulheres que estavam recebendo a energia daquele encontro – do sol com a lua – sofreriam uma transformação, já que a magia se instalaria em suas vidas. Seu corpo arrepiou-se e pensou que isso era coisa de bruxa, coisa que ela, definitivamente, não era. Ficou mais tranqüila ao se lembrar que era engenheira, que construía prédios e pontes no mundo concreto. Saiu da praça e foi para casa tomar banho e se preparar para mais um dia de trabalho no seu mundo real.
Foi dirigindo até a empresa, mas estava se sentindo muito estranha. O entusiasmo que sempre a fazia vibrar cada vez que ia para o trabalho não a acompanhava naquela manhã. O que estava acontecendo? Quando chegou ao estacionamento, parou o carro e ficou sem coragem para entrar. Sem saber explicar o porquê, deu meia volta e foi para a praia. Estacionou. Tirou os sapatos, soltou os cabelos, dobrou as calças e começou a caminhar em direção ao mar. Gostou de sentir o vento desmanchando seus cabelos. Gostou de sentir o calor do sol e de ouvir o barulho das ondas do mar. Sentou-se na areia e ficou brincando de fazer castelinhos. Por que estava se sentindo assim, tão feliz? Começou a andar, fazendo pressão na areia para que as marcas de seus pés ficassem no chão. Observou que várias pessoas também estavam na praia naquele momento. Será que não trabalhavam? Continuou sua caminhada e se encontrou com uma moça que vendia amuletos. Adorou um conjunto de brincos e anel. Quis experimentá-lo e, quando pegou o espelho para ver como estavam no seu rosto, tomou um susto. A imagem que apareceu no espelho não era a sua imagem atual, de mulher madura, mas a sua imagem de quando era apenas uma menininha. Voltou-se novamente para o espelho e lá estava a danada da menininha sorrindo, com seus olhos puxados. Piscou, piscou e pensou que aquilo só poderia ser uma alucinação, pois o sol estava muito quente. Respirou fundo e deu mais uma olhada no espelho na esperança de encontrar-se refletida nele. Nada. A menina continuava lá e começou a falar:
- Não tenha medo. Lembre-se, apenas. Liberte-me. E veja como será feliz.
Aquilo não poderia estar acontecendo, era uma loucura. Lembrou-se dos prédios, do concreto, dos amigos. Fechou os olhos e pensou ‘enlouqueci’. Quando abriu os olhos novamente Carolina percebeu que estava vendo os objetos de um jeito diferente. Via os objetos e uma luz em torno deles. Sentiu-se tonta e ia caindo quando foi amparada por uma mulher idosa que passeava pela praia. A mulher sentou-se ao seu lado e esperou que se refizesse do susto.
- Obrigada, disse Carolina. Não sei o que está acontecendo comigo. Passei mal. Estou vendo tudo de um jeito muito estranho. Acho que estou enlouquecendo.
A mulher idosa olhou bem nos olhos de Carolina, sorriu e falou:
- Bem-vinda!
Pensou que estava mesmo perdida, pois na situação em que se encontrava ainda se deparava com uma outra louca. O que deveria fazer?
Então, a mulher começou a falar:
- Hoje é um dia muito especial, pois houve o encontro do sol com a lua e a magia se espalhou pela Terra. Para nós, bruxas, este é o momento de sairmos por todos os cantos do mundo procurando por outras iguais a nós, já que nenhuma bruxa de verdade fica imune aos efeitos de um eclipse e, assim, podemos identificá-las com mais facilidade. Entendo sua confusão, pois você está despertando agora do longo sonho de Maya.
Por mais que achasse aquilo tudo uma loucura, algo bem dentro do coração de Carolina a deixava feliz. Ela só não sabia explicar o que era, mas era como se soubesse que o que aquela mulher estava falando era verdade. Virou-se para olhar novamente para os objetos ao seu redor e percebeu que ainda os via com uma luz os envolvendo. Começou a olhar para as pessoas que andavam pela praia e viu que tinham luzes diferentes em volta de seus corpos. Resolveu enfrentar a situação de frente e perguntou para a mulher idosa:
- Tenho a escolha de querer não ser uma bruxa?
O sorriso que recebeu de volta foi suficiente para compreender a resposta. Era uma bruxa. Não tinha escolha. Mas, o que isso significaria? O que mudaria em sua vida? Com seria continuar seu trabalho construindo prédios e pontes, batendo ponto, enfrentando engarrafamentos.
Será que as bruxas modernas voam de vassoura?
A mulher idosa convidou-a para um ritual que aconteceria à noite na praia e sugeriu que viesse com uma roupa branca. Pensou que as bruxas modernas eram realmente diferentes, pois em todos os filmes que já tinha visto sobre bruxas elas usavam roupas pretas. Como seria essa festa? Que tipos de mulheres encontraria por lá?
Agradeceu ao convite e voltou para seu carro enquanto a mulher idosa permanecia sentada à beira do mar. De volta ao mundo da engenheira dos concretos, sentiu-se mais segura. Dirigiu-se para casa, tomou um banho bem quente, ligou o som – escolheu músicas de Raul Seixas – e tentou relaxar. Adormeceu. Acordou ao final da tarde e resolveu que iria a tal festa das bruxas. Escolheu uma roupa branca que usava nas festas de final de ano. Colocou um perfume que lhe dava sorte e saiu pisando firme.
Quando chegou à praia ficou encantada com a beleza da festa e com a alegria das mulheres. Tochas acesas, flores coloridas, velas e incensos. Uma grande toalha branca cobria mesas cuidadosamente postas. As mulheres dançavam, tomavam vinho e sorriam muito.
A mulher idosa notou sua presença e veio recebê-la com um abraço carinhoso, dizendo:
- Fico feliz por você ter aceitado meu convite.
Em seguida, levou Carolina a uma roda de mulheres e lhe pediu que sentasse para ouvir histórias. Foram várias histórias maravilhosas, com todas se emocionando, chorando e rindo a cada novo conto.
Foi servido um ponche com maçãs e, em seguida, as mulheres se levantaram para dançar em círculo e homenagear a Grande Deusa, a energia feminina do Universo.
Carolina deixou-se envolver pela música e seguiu o seu ritmo, dançando com alegria.
Todas dançaram por muito tempo até que, exaustas, deitaram-se em esteiras espalhadas pelo areia da praia. Ficaram em silêncio, vendo a lua e as estrelas e ouvindo as ondas do mar.
Carolina apenas sentia o pulsar de seu coração, que aos poucos foi se aquietando. Sentiu-se integrada àquele céu estrelado, à areia da praia, ao vento, às ondas do mar e a todas aquelas mulheres. Relaxou.
Depois de algum tempo, Carolina sentiu um leve toque em seu rosto. Ao abrir os olhos, recebeu sete lindas rosas brancas. A mulher que estava distribuindo as flores explicou que representavam a harmonia das Deusas Ártemis, Afrodite, Hera, Deméter, Atena, Perséfone e da Grande Deusa, que integrava todas as anteriores.
Aos poucos, as outras mulheres foram se levantando. Abraçaram-se e começaram as despedidas. A mulher idosa veio falar com Carolina e explicou:
- Todos os meses, na lua cheia, reunimo-nos aqui na praia para celebrarmos a energia da Deusa. Sinta-se convidada. Você será sempre bem-vinda, pois é uma de nós.
Carolina abraçou-a com carinho, sem conseguir entender exatamente o porquê da alegria que estava sentindo. Agradeceu e lhe disse que voltaria na lua seguinte.
Foi para o carro, carregando suas rosas, e a certeza de que sua vida mudara. Não se sentiria mais uma estranha quando se olhasse no espelho. Tinha reencontrado sua alma. Sua criança estava feliz.
Enfim, havia retornado a sua tribo, a sua gente.

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