12.11.06

Penso



Recebi a ordem de escrever livremente durante um certo tempo. Tudo que vier à cabeça. Hummm! Isso não será possível, pois segredos muito secretos não podem ser escritos. Tenho sonhado muito desde que comecei a ler Clarice Lispector. Cada sonho doido. Pena que não me lembro do que sonhei. Tenho a impressão que se pudesse conectar um computador ao meu cérebro já teria escrito alguns livros, pois sinto que foram muitas histórias já sonhadas. Pensei que a vida de escritora fosse mais fácil. Era só pegar um computador, sentar num lugar calmo, tipo uma beira de praia (romântico, não?) e esperar a intuição chegar. Mas, ai, isso não é verdade. Para ser escritora de verdade, tipo uma Djanira, que é escritora das boas, tenho um longo caminho a percorrer. Dá medo, pois não sei se conseguirei ter o mesmo talento e competência. Para começar, tenho que voltar a ler muitos livros que não sejam técnicos (andei lendo muitos livros de Psicologia nos últimos 10 anos); tenho que ler os clássicos, tenho que ler livros infantis, tenho que escrever todo dia, tenho que ter experiências sempre novas para contar, tenho que ter dicionários e gramáticas por perto (até Chico os tem!!!). É tanto ‘tenho’ que, às vezes, me dá preguiça. Por que tenho este bichinho que sempre fica me futucando com novas possibilidades de viver?! Não seria mais cômodo, mais comum, mais normal, apenas continuar sendo Psicóloga, fazendo o meu trabalho de uma forma cada vez melhor? Todas as minhas amigas e amigos escolheram um caminho e o percorrem com alegria, buscando serem felizes no seu dia-a-dia. Por que me inquieto tanto? Por que não consigo ser feliz com as conquistas que realizo? E olha que já fiz um montão de coisas. Já fiz Ciência da Computação, já fui estagiária, já fui chefe, já fiz palestra, já apareci em programa de tv, já fiz trabalhos com crianças e adolescentes sobre sexualidade, já refleti com professores sobre o tesão de aprender, já comecei um curso de corte e costura, já fiz mestrado, já fiz curso de reiki, já fui para Sibéria aprender sobre o xamanismo, já fiz xixi nas calças quando fui assaltada, já entrei na favela de Santo Amaro para ir a uma reunião num centro espírita, já levei galinha preta no pescoço, já comunguei, já fiz curso de pintura, já fiz curso de inglês, já fiz pavê para meu irmão, já assisti criança nascer, já vesti gente morta, já fui traída, já traí, já amei, já fui amada, já tirei ossos do caixão, já fiz limpeza de túmulos, já fiz curso de cura quântica, já fui para congresso de ET, já recebi espírito, já fiz regressão em outras pessoas, já mergulhei no fundo do mar, já cavalguei no meio das areias da praia, já fiz amor no meio do mar tendo a vela de um windsurf como leito, já abortei, já tive filhos, já fui casada, já me separei, já fiz cesta de café da manhã, já vendi roupa de porta em porta, já fui empresária (acho que umas três vezes) e já desisti, já comecei mestrado e deixei no meio, já fui feliz e já chorei de saudade. Já... tantas coisas. Mas o que me inquieta é “Ainda não experimentei...”. Isso é o que me impulsiona. É como se o meu caminho fosse sempre o de uma buscadora, pois o movimento é sempre o de busca, o de novas descobertas e experiências. Tento, tento ficar quietinha, mas a vida me seduz com novos desafios. Agora mesmo, desisti de fazer doutorado e resolvi ser escritora. Estou fazendo um curso. Também estou aprendendo a colocar tarô. Mas aí vem o ‘ou isso ou aquilo’. Por que sempre tenho que escolher? Sonhar acordada que todas as realidades possíveis continuam existindo em outros lugares é uma das coisas que mais gosto. Queria ser como as outras pessoas. Elas são tão felizes indo para os shopppings, levando os filhos para a escola, esquentando o jantar do marido. O vazio que experimento me incomoda. É tão bom meditar... É tão bom tomar chá de cidreira. Gosto de ouvir passarinho cantar. Também gosto do cheiro de café bem quente. Gosto de ver a fumacinha subindo e desaparecendo, direto da xícara para o infinito. Sempre gostei de olhar para as estrelas. Há tanto mistério. O que será que há do lado de lá? Se Deus é tudo e o Diabo existe, Deus também é o Diabo. Legal, não? Também posso viver meu diabinho sem culpa. Mas tem uma danada em mim que é muito boazinha. Às vezes tenho tanta raiva dela, porque esta história dela querer ajudar todo mundo é que me aprisiona. Por que não ser livre e irresponsável? Por que fico sempre ligada no que posso fazer pelos outros? Lembrei-me do Louco, do Tarô, um arcano que nos manda ousar. Adoro esta carta. Totalmente inteira. Cansei.

Patrícia Vasconcellos

Um comentário:

Anônimo disse...

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."
Clarice Lispector