13.11.06

Reverenciando uma história de amor


Tive uma experiência muito mágica nesta semana: ajudei uma amiga, de mais de setenta anos, a queimar, numa fogueira à beira do mar, papéis que registraram seus cinqüenta anos de vida com seu marido que acabara de falecer.
Caminhamos lentamente para a praia com a sacola cheia de cartas, cartões, livros, agendas, álbum de casamento. Ali tínhamos declarações de amor, pedidos de perdão, promessas não cumpridas, sonhos que se tornaram realidade.
Como boa bruxa, eu levava incenso, fósforo, querosene, pastilhas. Cavamos um enorme buraco na areia, como um grande útero na terra, e fomos colocando uma a uma das recordações amorosas. O mar cantava a sua canção, lembrando-nos a todo o momento da impermanência da vida, no ir e vir de suas ondas. O sol nos cercava com sua luz e seu calor, ajudando-nos a manter o fogo aceso. O vento soprava sua forte brisa e aliviava o nosso calor.
Minha amiga começou uma linda oração, pedindo paz para o seu amado. Acendemos o fogo e fomos ajudando, com pedaços de pau, para que todos os papéis fossem queimados. Esse ritual durou umas três horas. Queimamos nossos dedos no fogo, queimamos nossos corpos com o sol. O vento ficou mais forte e espalhou cinzas pela beira da praia. A maré subiu e foi chegando mais perto da nossa fogueira. Enquanto eu cobria o buraco com areia da praia, minha amiga fazia sua prece de agradecimento. Abraçamo-nos e voltamos em silêncio.

Somos amigas há quase trinta anos. Conheci-a como mãe de um grande amigo meu quando eu ainda era uma ingênua adolescente de quinze anos. Ela já era uma mulher casada, com cinco filhos, casa de praia, trabalho e um lar sempre cheio de amigos e alegria. Não imaginávamos o que a vida traria para nossas vidas nem que compartilharíamos este momento sagrado. Ela perdeu três dos seus filhos. Meu amigo, seu filho, e eu percorremos juntos estes trinta anos e sempre estivemos juntos nos nossos momentos difíceis. Perdi meu amor, separei-me, abortei, perdi minha mãe, meu pai teve um derrame. Ele quase se separa, sua mulher perdeu vários bebês, teve dificuldades financeiras. E a nossa amizade sempre viva. E agora, pude compartilhar com sua mãe, minha amiga, um dos momentos mais bonitos na vida de uma mulher: a reverência a seu amor. Aprendi muito e, lá no fundo da minha alma, senti uma certa inveja pela linda história de amor vivida por ela, pois, apesar de todas as barreiras, ela viveu sua vida ao lado de seu amor. Bonito, não?

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