13.11.06

Livros


Hoje li, de um fôlego só, um livro da Lígia Fagundes que fala sobra a sua relação com o livro. E aí fiquei pensando em como foi que a minha paixão por ele começou.
Nem lembro direito, mas sei que desde pequena ouvia minha mãe me contar histórias quando eu e minha irmã íamos dormir. Minha mãe também me contava as histórias da infância dela lá no interior e eu adorava imaginar aquela realidade tão distante de mim.
Meu pai também era um grande contador de causos e adorava ouvi-lo recontar as histórias do Pantaleão Pereira Peixoto – do Chico Anísio – e terminar a história perguntando ‘É mentira, Terta?’.
O primeiro livro que ganhei foi quando fiz oito anos e recebi um de Monteiro Lobato, com capa dura e o desenho do Gato de Botas na frente, cheio de contos de fadas. Adorei tudo. Abria-o e reabria-o não sei nem quantas vezes, deslizando meus dedos sobre suas páginas. Medo do Barba Azul, compaixão por Pele de Asno.
Mas eu sempre amei todo tipo de livro. Sentia uma alegria enorme quando ia comprar os livros do novo ano escolar. Aquele movimento nas livrarias – ah! que prazer entrar nelas, com aqueles livros, cadernos e lápis coloridos -, o cheiro bom de livro novo. Encapar com minha mãe os livros e cadernos com plástico de bolinhas vermelhas, aplicar um decalque de gatinhos – colocado num prato fundo com água e puxado delicadamente para não se partir. Depois eu consegui comprar uma maquininha que tinha uma fita dura e a gente marcava as letras nela fazendo os nomes que queria; aí tirava a tirinha de fita e, pronto, colava o nome no caderno, no livro. Ficava horas olhando as páginas dos livros que eu iria estudar naquele ano e amava esse ritual.
Fui crescendo e comecei a ir para casa de minha avó e de minha tia solteira e lia com uma avidez enorme o que achava por lá: José de Alencar, Machado de Assis (ela tinha as obras completas que hoje estão comigo), José Lins do Rego, Croni. Não gostei de José de Alencar; achei-o cansativo, monótono, complicado. Amei Machado de Assis e seu estilo direto, livre, sem muita complicação. Era louca para ler Mar Morto, de Jorge Amado, mas eu ainda era uma mocinha e não ficava bem para uma mocinha ler estas coisas.
Na escola eu chegava cedo e corria para a biblioteca. Lia fotonovela sobre vidas de santos – foi assim que me apaixonei por Francisco de Assis. Já no recreio, corria logo para lá e me encontrava com mundos maravilhosos. As amigas, porque naquela época o colégio de freiras só permitia a matrícula de mulheres – sempre me acharam estranha, solitária, mas, mal sabiam elas que solidão foi um sentimento que nunca me acompanhou quando estava com meus livros.
Ah! Momento mágico foi quando ganhei minha máquina de escrever laranja – ou rosa, segundo minha irmã. O barulho das teclas, a troca da fita, o vai-e-vem do papel. Estava me sentindo importante. Se tinha uma coisa que eu achava uma delícia era escrever com caneta Bic, azul, bem forte, em bloco de papel jornal (consegui comprar tudo isso novamente; será que agora me torno uma escritora?). Ousei escrever poemas num caderninho com caneta verde, estilo tinteiro, e enfeitar todas as folhas com folhas de parreiras de uva. Perdi tudo isso.
Eu lia de todo jeito, em todo canto. Programas preferidos: ir à livraria do aeroporto aos domingos – com os pais e irmãos -, ir a bancas de revista e comprar livros e revistas – com o namorado -, ou apenas olhar aquela maravilha toda.
Fui crescendo, o mundo foi mudando. Na primeira vez que entrei na Livro 7 quase enlouqueci de alegria. Perdi-me no tempo e no espaço e fiquei lá delirando com aquilo tudo. Depois surgiram os shoppings e as livrarias neles: Sodiler, Siciliano, Saraiva – que quase me arrebata de paixão com a sua última loja -. E o encanto da livraria para crianças, com livros e paredes de lobos, dragões, cavalos, príncipes e princesas, castelos, florestas, fadas e bruxas!!!!
Com a internet, qualquer livro que desejasse estava em minhas mãos. Foi uma fase de livros técnicos, com pouco espaço no coração para ler por ler. Num certo dia, recebi um mail avisando que a Livraria Cultura abriria uma filial em Recife. Quase morro de alegria! Preparei-me para a primeira visita com o mesmo sentimento que se sente quando se vai reencontrar um grande amor. Escolhi a roupa, desliguei o celular, coloquei um casaquinho para o caso de sentir frio, e fiquei sozinha para o meu encontro. Lembro-me que as lágrimas surgiram como uma cachoeira. Todos aqueles livros, revistas; toda aquela gente; eram adultos, crianças sentados por todo canto. Saí de lá cheia de livros e em êxtase. Depois levei os meus filhos e até hoje esta visita freqüente ainda é um dos meus momentos de gozo da vida, sozinha ou com minha família – mas devo confessar que prefiro ir sozinha, pois escolho um monte de livros, deixo alguns, tudo no meu ritmo. Quando estou triste ou precisando recarregar as energias, vou a uma livraria e volto, com sacolas cheias, toda feliz.
Quando terminei o meu mestrado fui lá na livraria e me dei de presente nada mais nada menos que Obra Poética de Fernando Pessoa. Que alegria! A partir daí, devargazinho, descobri alguns dos meus outros eus e venho voltando para os livros livremente. E agora, com medo e com prazer, mas completamente arrebatada – não é assim que ficamos quando estamos apaixonadas?! – voltei a escutar uma vozinha lá no coração que diz: “Vou começar a escrever. Vou ser escritora.”.

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